RECURSO DA PRIMEIRA E SEGUNDA RECLAMADAS. APRECIAÇÃO CONJUNTA 1. RECONHECIMENTO DO CONTRATO DE EMPREGO. MOTOCICLISTA ENTREGADOR ADMINISTRADO POR OPERADOR LOGÍSTICO DO IFOOD. REQUISITOS ESSENCIAIS DO CONTRATO DE TRABALHO COMPROVADOS. O contrato de trabalho se caracteriza pela prestação pessoal de serviços não eventuais mediante subordinação e salário na forma do art. 3.º da CLT . No caso, ficou comprovado que a primeira reclamada é Operadora Logística do iFood. Os Operadores Logísticos (OL's) são empresas contratadas pelo IFood para "administrar grupos de entregadores" e essa ocorrência afasta por completo a alegação dessa empresa de que é apenas uma plataforma digital de intermediação de negócios, posto que ela administra os entregadores por meio dos operadores logísticos. Administrar significa "gerir, governar", o que faz emergir a subordinação jurídica dos entregadores administrados. O trabalhador autônomo detém o poder sobre a própria atividade, não se submete a escalas, horários ou punições, assim como não tem a obrigação de estar à disposição daquele que contrata os seus serviços, enquanto que o empregado aliena o poder de direção de sua atividade e está submetido à administração pelo empregador. O acervo probatório evidencia que o reclamante estava submetido a escala feita pelo Operador Logístico, bem como ficava à disposição desse operador no horário designado, devendo se justificar em caso de atraso ou falta e poderia ser apenado com multa em caso de ausência, mesmo que não tivesse sido acionado para realizar qualquer entrega. O trabalho perdurou por onze meses, foi executado pelo próprio reclamante e foi remunerado, logo, estão presentes todos os requisitos do art. 3.º da CLT , que autoriza o reconhecimento do vínculo empregatício. 2. HORAS EXTRAORDINÁRIAS. INTERVALO INTRAJORNADA. DOMINGOS E FERIADOS. ADICIONAL NOTURNO. REPERCUSSÕES. ENQUADRAMENTO NO ART. 62 , I , DA CLT . APLICAÇÃO DA SÚMULA 340 DO TST E OJ'S 235 E 397 DA SBDI-1. O enquadramento na exceção do art. 62 , I , da CLT exige que o empregado esteja submetido a trabalho externo incompatível com o controle de jornada. Por se tratar de situação excepcional, deve ser comprovada pelo empregador. No caso, emerge claramente do acervo probatório que, embora o reclamante trabalhasse externamente, o seu trabalho era controlado em tempo real, o que afasta a aplicação do art. 62 , I , da CLT . O controle de jornada é obrigação do empregador e, uma vez que não foram carreados aos autos os documentos de controle do trabalho do reclamante, nem foi produzida outra prova da jornada efetivamente desenvolvida, correta a decisão que acolheu a jornada indicada na inicial com o balizamento dado pelo depoimento pessoal do reclamante. Em face da jornada acolhida, correto o reconhecimento da jornada extraordinária e deferimento do intervalo intrajornada com natureza indenizatória sem repercussões e do adicional noturno com repercussões, bem como do trabalho em domingos e feriados. Contudo, tratando-se de empregado que recebe de acordo com as entregas realizadas, aplica-se ao caso a Súmula 340 do TST e a OJ 235 da SBDI-1, que autoriza a limitação da condenação ao adicional de 50% sobre as horas laboradas além da 8ª diária, 44ª semanal, bem como a utilização do entendimento jurisprudencial para aferir o divisor a ser utilizado no cálculo do intervalo intrajornada. 3. TÍQUETE ALIMENTAÇÃO. APLICABILIDADE DA NORMA COLETIVA. O enquadramento sindical do empregado é feito de acordo com a atividade preponderante do empregador, exceto quando se tratar de categoria diferenciada. O motociclista integra categoria diferenciada e a norma coletiva trazida com a inicial está subscrita pela categoria profissional do reclamante e pela categoria econômica da primeira reclamada, que é a empregadora. É irrelevante para o enquadramento sindical a análise da categoria econômica da tomadora dos serviços, por isso prejudicadas todas as alegações da segunda reclamada no aspecto. Uma vez que a convenção coletiva acostada a inicial vigorou por todo o pacto laboral e não foi comprovado o pagamento do tíquete refeição, o deferimento da parcela é medida que se impõe. RECURSO DA SEGUNDA RECLAMADA 1. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. Quando uma empresa transfere quaisquer de suas atividades para outrem temos o fenômeno da terciarização de serviços. A nomenclatura utilizada nos contratos, por si só, não é suficiente para afastar essa conclusão, devendo ser realizada a análise da forma como os contratos são executados. Constatado que a segunda reclamada atua no ramo de entrega de refeições e que o reclamante fora contratado pela primeira reclamada para realizar o serviço de entregador em benefício da segunda reclamada, emerge sua condição de tomadora dos serviços que autoriza a aplicação das decisões do Supremo Tribunal Federal no Tema nº 725 da Repercussão Geral e ADPF 324 , bem como o entendimento da Súmula 331 , IV, do TST. 2. SALÁRIO DO RECLAMANTE. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO DOS PAGAMENTOS PELAS RECLAMADAS. A documentação dos pagamentos efetuados deve ser feita pelo empregador. Uma vez que as reclamadas não carrearam aos autos nenhum documento comprobatório dos pagamentos realizados ao reclamante, não prevalece a impugnação genérica realizada em contestação, mas o valor indicado pelo reclamante na inicial, logo, não há falar em fixação da remuneração em um salário mínimo. 3. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. MOTOCICLETA ENTREGADOR. NORMA AUTOAPLICÁVEL. DESNECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO. A norma que prevê o adicional de periculosidade aos empregados que exercem atividade com o uso de motocicleta, na forma do art. 193 , § 4º , da CLT , é autoaplicável, logo, não depende de regulamentação. Por esse motivo, a anulação da Portaria MTE nº 1.565/2014 pela Justiça Federal não constitui elemento jurídico apto a afastar a condenação. 4. ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA. Até que sobrevenha nova legislação a atualização monetária dos créditos trabalhistas deve ser feita na forma da ADC 58, o que foi devidamente observado na decisão recorrida. RECURSO DA PRIMEIRA RECLAMADA 1. MULTA DO ART. 477 , § 8º DA CLT . Mantida a sentença que reconheceu o vínculo empregatício, correto o deferimento da multa em epígrafe. Aplicação do Verbete nº 61 deste Tribunal. 2. BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. Carreada aos autos declaração de hipossuficiência não infirmada por nenhuma das reclamadas e estando o reclamante desempregado, faz jus aos benefícios da justiça gratuita. Aplicação da Súmula 463 , I, do TST. RECURSOS DA PRIMEIRA E SEGUNDA RECLAMADAS. APRECIAÇÃO CONJUNTA 1. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Em face da sucumbência das reclamadas, mantida nesta decisão, são devidos honorários advocatícios ao advogado do reclamante na forma do art. 791-A da CLT . Recurso da primeira reclamada conhecido e não provido. Recurso da segunda reclamada conhecido e parcialmente provido.