E M E N T A DIREITO PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. FUNÇÃO DE OLHEIRO/MATEIRO. CRIME DE INTEGRAR ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. REQUISITOS NÃO COMPROVADOS. AUSÊNCIA DE ESTABILIDADE E PERMANÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO ASSOCIATIVO TAMBÉM PARA A CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PREVISTO NO ART. 288 DO CÓDIGO PENAL . APELAÇÕES DEFENSIVAS PROVIDAS PARA ABSOLVER OS RÉUS. 1. Apelações criminais interpostas por DJONE e LEANDRO, contra a r. sentença que os condenou, respectivamente, às penas de e 05 (cinco) anos, 07 (sete) meses e 18 (dezoito) dias de reclusão, no regime inicial fechado, além de 251 (duzentos e cinquenta e um) dias-multa; e 06 (seis) anos, 03 (três) meses e 24 (vinte e quatro) dias de reclusão, no regime inicial fechado, além de 281 (duzentos e oitenta e um) dias-multa, como incursos no art. 1º , § 1º , da Lei 12.850 /13, por integrarem organização criminosa destinada ao contrabando de cigarros oriundos do Paraguai. 2. As provas elencadas pela sentença recorrida realmente demonstram que os apelantes estavam camuflados no matagal, munidos de dois aparelhos de telefone celular e um binóculo, cada um, se utilizando dessa estrutura provavelmente para propiciar a facilitação do crime de contrabando de cigarros, mediante monitoramento da atividade fiscalizatória no posto da PRF, no dia do flagrante, qual seja, 02/02/2020. 3. Entretanto, em nenhum momento a sentença descreveu qualquer prova produzida em juízo, sob o crivo do contraditório, que fosse suficiente para comprovar a caracterização da provável organização criminosa, descrita no art. 1º , § 1º , da Lei n.º 12.850 /2013, ou mesmo que demonstrasse que as condutas imputadas aos apelantes, e narradas na denúncia, se subsumiam ao delito descrito no art. 2º da mesma lei, qual seja, integrar organização criminosa. 4. Nos termos do parecer ministerial: “Não é possível com efeito cogitar-se de organização criminosa justamente porque sua estruturação mais complexa e densificada, como previsto no art. 1º , § 1º , da Lei 12.850 /13, exigiria um standard probatório qualificado que nem de longe veio aos autos. Aqui mais uma vez se trata de uma investigação que se iniciou e terminou no flagrante, sem nenhum aprofundamento investigatório”. 5.A fundamentação realizada na sentença apelada, para demonstrar a caracterização da organização criminosa, foi baseada unicamente nas provas produzidas na fase policial, e principalmente nas conversas encetadas em dois grupos de WhatsApp (“Fé em Deus” e “Fé no Pai Que Tudo Vai”), sem nenhuma corroboração de tais provas indiciárias em juízo. 6. As poucas conversas encetadas pelos recorrentes em grupo de WhatsApp, em um único dia, qual seja, o dia do flagrante (não obstante nelas contivessem os termos “Ranger do pé preto”, “cortada prata”, “PE fazendo ronda aqui”, ou seja, termos que o Juízo a quo ponderou serem idênticos aos utilizados por integrantes da organização criminosa revelada pela Operação Teçá) não são suficientes para comprovar a existência de uma organização criminosa, nem que os apelantes a integrassem com estabilidade e permanência, não sendo possível condená-los por presunção. Necessária a existência de provas concretas, as quais não foram produzidas nestes autos. 7. Além disso, importante ressaltar que, se as provas dos autos não são suficientes para comprovar a estabilidade e permanência exigidas para a configuração do crime de integrar organização criminosa (art. 2º, da Lei 12.850/2012), também não o são para a caracterização do crime de associação, previsto no art. 288 do Código Penal . Isso se dá porque para a caracterização de ambos os crimes é necessária a demonstração da estabilidade e permanência dos membros integrantes. E, analisando o laudo pericial criminal (ID XXXXX), verifica-se que apenas foram extraídas (dos celulares apreendidos dos recorrentes) poucas conversas entabuladas entre eles e os demais membros de uma suposta organização criminosa, que se utilizavam de alcunhas, conversas essas encetadas unicamente no dia da prisão em flagrante, ou seja, em 02.02.2020, e a respeito de fatos ocorridos unicamente neste dia. 8. Tudo indica que integravam organização criminosa, ou, ao menos, estavam associados para a prática de crimes, entretanto, o órgão acusatório não se desincumbiu do ônus probatório. Não é possível condenar alguém apenas com base em provas indiciárias, principalmente quando sequer as provas indiciárias demonstram o vínculo de estabilidade e permanência exigidos para tanto. 9. Sem a comprovação do vínculo associativo, os recorrentes poderiam, em tese, ser condenados como partícipes em crime específico de contrabando de cigarros (concurso de pessoas), pois as provas indicam que exerciam atividade acessória ao verbo do tipo previsto no art. 334 do Código Penal . Entretanto, mais uma vez, não foi provado nos autos a prática efetiva de nenhum crime de contrabando. Sendo a participação uma conduta acessória, sem a comprovação de autoria delitiva do crime de contrabando, também não é possível a condenação dessa conduta autônoma de olheiro. 10. Revogação da prisão preventiva e medidas cautelares decretadas em desfavor dos réus. 11. Apelações providas para absolver os réus, com fundamento no art 386 , VII , do Código de Processo Penal .