JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO TEMPORÁRIO. SISTEMA REMUNERATÓRIO E BENEFÍCIOS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. RESCISÃO DE CONTRATO. ACERTO FINANCEIRO. VALORES REFERENTES A AUXÍLIO TRANSPORTE E AUXÍLIO ALIMENTAÇÃO RECEBIDOS POR DIAS NÃO LABORADOS. RESTITUIÇÃO DEVIDA. AUSÊNCIA DE ERRO DE CÁLCULO OU OPERACIONAL. TEMA XXXXX/STJ. NÃO APLICÁVEL. RECURSO CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Trata-se de recurso inominado interposto pela parte requerente em face da sentença que julgou improcedente o pedido. 2. Recurso próprio e tempestivo (ID XXXXX). Custas e preparo recolhidos. 3. Em suas razões recursais, a parte requerente alega, em síntese, que a notificação de 19 de abril de 2022, referente à cobrança do valor total de R$ 2.194,91, relativo a Auxílio Transporte e Auxílio Alimentação recebidos nos meses de junho e julho de 2015, é indevida por não ter controle sobre seu contracheque, recebendo os valores em estrita boa-fé. Argumenta que o equívoco decorreu exclusivamente de um erro da Administração, cuja identificação somente ocorreu após análise e cálculos realizados pelo réu, destacando a ausência de condições da autora para perceber o recebimento a maior. Salienta que, diante do erro administrativo e da falta de observância das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório, qualquer demanda de ressarcimento ao erário é nula. Enfatiza a presunção de boa-fé da autora e a ausência de demonstração de má-fé, apoiando-se nos princípios da segurança jurídica, legitimidade e teoria da aparência, para afirmar que a autora agiu conforme a legalidade e boa-fé ao aceitar os valores em 2015, sem que qualquer questão fosse levantada até a data. Diante disso, pede a reforma da sentença para que seja declarada a legalidade no recebimento do Auxílio Transporte e Auxílio Alimentação pela requerente; determinar que o requerido se abstenha definitivamente de encaminhar os autos para a inclusão em divida ativa ou efetuar qualquer desconto no contracheque do requerente a este titulo, sob pena de multa diária; e ressarcimento dos valores descontados anteriores a propositura da ação, bem como das demais parcelas que, porventura, vierem a der descontadas no curso da demanda, acrescido de juros e correção monetária. 4. Em contrarrazões, a parte requerida argumenta que não se pode invocar erro de interpretação ou de cálculo por parte da administração para justificar a aplicação dos Temas 531 ou 1009 do STJ. Aduz que, conforme o processo administrativo de ID XXXXX, o pedido de ressarcimento feito pela Administração Pública decorre do ajuste financeiro resultante da rescisão do contrato temporário da autora em julho de 2015, quando se verificou o pagamento antecipado de verbas de auxílio transporte e alimentação. Sustenta que as garantias da ampla defesa e do contraditório foram devidamente observadas no âmbito administrativo. Quanto à alegação de recebimento de boa-fé dos valores pagos indevidamente à autora, sustenta que os princípios da legalidade e da indisponibilidade do patrimônio público impedem que a boa-fé do servidor justifique a não reposição ao erário em casos de pagamentos indevidos pela Administração, sendo que a falta de má-fé pode excluir responsabilização disciplinar e criminal, mas não dispensa a obrigação de devolver os valores indevidamente recebidos. 5. O art. 114 da Lei 8.112 /90 dispõe que a administração deverá rever seus atos, a qualquer tempo, quando eivados de ilegalidade. 6. O e. STJ firmou a tese nº 1.009, em sede de Tema Repetitivo nos seguintes termos: "Os pagamentos indevidos aos servidores públicos decorrentes de erro administrativo (operacional ou de cálculo), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, estão sujeitos à devolução, ressalvadas as hipóteses em que o servidor, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido". "Modulação de efeitos: Os efeitos definidos neste representativo da controvérsia, somente devem atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão." (publicação do acórdão 19/05/21). 7. No caso, não se evidenciou a ocorrência de erro operacional ou de cálculo que tenha dado causa a pagamentos indevidos à recorrente. Pelo contrário, conforme verificado em procedimento administrativo (ID XXXXX), os valores apurados resultam de um ajuste financeiro decorrente da rescisão do contrato, que ocorreu por iniciativa da autora. Esta última recebeu benefícios referentes ao transporte para os meses de julho e agosto de 2015; contudo, prestou serviços efetivamente apenas até o dia 16 de julho de 2015. Levando-se em conta que a requerente exerceu suas atividades laborais somente por 12 dias no mês de julho, ela teria direito exclusivamente ao recebimento proporcional do auxílio alimentação, em consonância com o período efetivamente trabalhado. Esta circunstância evidencia que o recebimento foi indevido, mas não por erro de cálculo ou operacional. 8. Portanto, diferentemente dos casos previstos pelo Tema 1009 do STJ, a situação dos autos não se origina de um erro operacional ou de cálculo por parte da Administração, que poderia justificar a retenção dos valores recebidos sob a presunção de boa-fé. O pagamento indevido resultou da cessação do contrato de trabalho da requerente, uma condição previamente conhecida e que, por si só, deveria levar à expectativa de ajustes nos pagamentos dos benefícios. 9. É razoável supor que, com a cessação do contrato, a Requerente deveria estar ciente, ou ao menos possuir a capacidade de verificar, que não faria jus aos benefícios correspondentes aos períodos não trabalhados. O término da relação contratual implica na expectativa de um ajuste nos pagamentos de quaisquer benefícios vinculados à prestação do serviço. Logo, diante do término da relação de trabalho, é esperado que haja uma atenção redobrada por parte do contratado quanto à precisão dos valores recebidos, sobretudo em contextos que envolvem a administração pública e a alocação de recursos públicos. Nesse sentido, a alegação de que não era possível perceber o recebimento de valores indevidos, referente aos períodos não laborados, não se sustenta. 10. Ressalte-se, por fim, que o processo administrativo que culminou na notificação para ressarcimento ao erário (ID XXXXX) foi conduzido observando-se os princípios do contraditório e da ampla defesa. A requerente/recorrente foi devidamente notificada e teve a oportunidade de apresentar sua defesa em várias fases do processo administrativo. Adicionalmente, em julho de 2017, após o valor a ser ressarcido ter sido devidamente apurado, a requerente manifestou sua intenção de ressarcir ao erário, reforçando a observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 11. Recurso conhecido e improvido. Condenada a parte recorrente ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) do valor da causa, nos termos do art. 55 , Lei n.º 9.099 /1995. 12. A súmula de julgamento servirá de acórdão, conforme regra do art. 46 da Lei n. 9.099 /95.