EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECURSO INOMINADO. EMPRESA DE TELEFONIA. NEGATIVAÇÃO. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO INDISPENSÁVEL AO JULGAMENTO DO FEITO. COMPROVANTE DE ENDEREÇO EM NOME DE TERCEIRO. AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO DE CONSTITUIÇÃO E DESENVOLVIMENTO VÁLIDO E REGULAR DO PROCESSO. SENTENÇA REFORMADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. ADMISSIBILIDADE. A intimação da sentença se dera em 19/05/2020 (ev.28). O requerido interpusera recurso tempestivamente em 26/05/2020 (ev.29). Comprovante de preparo no mesmo evento. Contrarrazões em evento 33. Recurso conhecido. 2. EXORDIAL. Alegara a parte autora que tivera seu nome inscrito indevidamente pelo requerido nos cadastros restritivos de crédito por débito que aduzira desconhecer no valor de R$ 349,00. Esclarecera que jamais fora cliente do requerido, razão pela qual ingressara com a presente demanda requerendo a declaração de inexistência do débito e R$ 10.000,00 a título de indenização por danos morais. Anexara consulta Check Sinco (ev.1, arq.6). 3. CONTESTAÇÃO ? evento 20. Em sua defesa, o requerido arguira prescrição da pretensão; inépcia da exordial, por não ter o autor juntado comprovante de endereço em nome próprio; impugnara o comprovante de negativação juntado pela parte autora, em razão de não ter sido expedido pelos órgãos oficiais; alegara que agira no exercício regular do direito em proceder à negativação do nome do requerente, vez que este não efetuara o pagamento de todas as faturas, de modo com que não há se falar em dever de indenizar. Pugnara pela aceitação das telas sistêmicas e pela aplicação da súmula 385 do STJ. Requerera a improcedência dos pedidos da exordial, e, em pedido contraposto, a condenação da requerente ao pagamento de R$ 525,01. Anexara telas sistêmicas e faturas (ev. 20, arqs. 2 a 4). 4. IMPUGNAÇÃO À CONTESTAÇÃO ? não há. 5. SENTENÇA ? evento 26. O juiz sentenciante julgara parcialmente procedentes os pedidos da exordial. Entendera que o comprovante de negativação fora retirado de site idôneo, suficiente para comprovar a existência de restrição e que o comprovante de endereço em nome de terceiros não implica no indeferimento da inicial. Declarara a inexistência do débito, condenara o requerido ao pagamento de R$ 7.000,00 a título de indenização por danos morais e julgara extinto sem resolução do mérito o pedido contraposto. 6. RECURSO INOMINADO ? evento 29. Irresignado, o requerido interpusera recurso sustentando que a configuração da prescrição trienal, impugnara o comprovante de endereço acostado pelo autor, requerendo a extinção do feito sem resolução do mérito. Defendera que a inscrição do débito nos cadastros restritivos de créditos aduzindo que se agira no exercício regular do direito por não ter a parte autora adimplido com os débitos Pugnara pela aceitação das provas apresentadas durante a instrução processual, as quais comprovam a relação jurídica e a origem da dívida. Subsidiariamente, requerera a reforma da sentença para julgar improcedentes os pedidos da exordial, ou, em última hipótese, a redução do quantum indenizatório, em razão da vedação do enriquecimento sem causa, bem como da observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. 7. CONTRARRAZÕES ? evento 33. A parte requerente arguira inépcia recursal, por não ter o requerido impugnado os termos da sentença especificamente. No mérito, defendera a manutenção da sentença, reforçando os argumentos da exordial. 8. FUNDAMENTOS DO REEXAME.8.1. INÉPCIA RECURSAL. Rejeito a preliminar de inépcia recursal por ausência de impugnação específica arguida pela recorrida, eis que das razões recursais apresentadas pelo recorrente é possível inferir os motivos do inconformismo e o pedido de reforma da decisão. 8.2. DA RELAÇÃO CONSUMERISTA E DA INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. A relação jurídica que dera ensejo a esta demanda rege-se pelo Código de Defesa do Consumidor , que nos permite aplicar a inversão do ônus da prova, frente a vulnerabilidade e hipossuficiência da parte reclamante, bem como, a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, independentemente da existência de culpa, causados pela falha na prestação de serviços, nos moldes do artigo 6º , incisos VI e VIII , do diploma consumerista. Cumpre ressaltar, no entanto, que a inversão do ônus da prova, estabelecida no CDC , não é absoluta, automática. Se dará quando, cabendo ao consumidor produzir a prova do direito alegado, não puder fazê-lo por deficiência técnica. Neste sentido: 4. A inversão do ônus da prova, nos termos do art. 6º , VIII , do Código de Defesa do Consumidor , não é automática, dependendo da constatação, pelas instâncias ordinárias, da presença ou não da verossimilhança das alegações do consumidor. (STJ - AgInt no AREsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 27/08/2019, DJe 12/09/2019).8.3. DA PROVA DA NEGATIVAÇÃO.8.3.1. O Superior Tribunal de Justiça já decidira que são indispensáveis à propositura da ação os documentos que dizem respeito às condições da ação ou a pressupostos processuais, bem como os que se vinculam diretamente ao próprio objeto da demanda (STJ, 4ª Turma, REsp XXXXX/SP , rel. Min. Luiz Felipe Salomão, j. 18/11/2014, DJe 03/02/2015, grifado).8.3.2. Compulsando os autos, verifico que a parte autora, tentando corroborar sua alegação de que fora negativada indevidamente pelo recorrente, juntara aos autos documento não oficial (Check Sinco), que não fora emitido pelos órgãos de proteção ao crédito e que carece de informações fidedignas capazes de analisar por completo a matéria trazida aos autos (ev.1, arq.6). 8.3.3. Nota-se que o documento acostado em evento 1, arquivo 6 consta somente a data do vencimento do débito e não a data da inclusão nos órgãos restritivos. Ainda, o extrato juntado pela parte autora, acessado através da internet, permite ao usuário selecionar somente o débito de seu interesse, deixando de mostrar se possui outras inscrições em seu nome. O pedido de indenização por danos morais decorrentes de negativação indevida deve ser minunciosamente analisado, ante a Súmula 385 do STJ, que afasta a indenização por danos morais em caso de inscrições preexistentes. Ainda, cumpre realçar que este Colegiado entende ser possível a aplicação, de ofício, desse verbete sumular, devido a sua natureza de ordem pública (TJGO, 1ª Turma Recursal, RI nº 5204827.50, Rel. Dr. Wild Afonso Ogawa, publicado em 09/02/2021; TJGO, 3ª Turma Recursal, RI nº 5167627.95, Rel. Dr. Altair Guerra da Costa, publicado em 26/11/2020).8.3.4. O autor ajuizara ação de indenização por danos morais decorrentes de negativação indevida. Ora, o documento indispensável que se vincula diretamente ao próprio objeto da demanda é o comprovante de negativação. Somente com a prova da negativação é que se pode analisar se a inscrição fora devida ou indevida, para, neste último caso, passar a análise da existência de abalo moral. Conforme já explanado, o documento juntado pelo recorrido não se presta para tanto.8.3.5. Cumpre ressaltar que a inversão do ônus da prova prevista no CDC não exime o consumidor de comprovar, ao menos minimamente, os fatos constitutivos do seu direito, como determina o artigo 373 , I do Código de Processo Civil . ?Assim como não se admite a utilização de telas sistêmicas com o intuito de comprovação de fatos por empresas prestadoras de serviços, em razão de constituírem documento unilateral facilmente manipulável, o documento apresentado pelo recorrido como comprovante de inscrição indevida em cadastro de inadimplentes não pode ser admitido para fins de julgamento, por não ter sido obtido em balcão oficial de órgãos de proteção ao crédito (SPC, SCPC e SERASA), portanto, inapto para o fim que se destina.? (RI nº 5090218-24, Rel. Dra. Alice Teles de Oliveira, publicado em 08/09/2020).8.3.6. Verifica-se que mesmo após contestado pelo recorrente acerca da validade do extrato de negativação apresentado pela parte autora, esta mantivera-se inerte e não juntara documento válido quando da impugnação à contestação, documento este essencial para fins de julgamento da presente ação. Alias, sequer apresentara impugnação à contestação. 8.4. DO COMPROVANTE DE ENDEREÇO. 8.4.1. Dispõe o artigo 319 , do Código de Processo Civil : ?Art. 319 . A petição inicial indicará: I - o juízo a que é dirigida; II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.?8.4.2. Como se pode notar, o comprovante de endereço não se reveste como documento essencial, à luz do CPC . Neste sentido, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal, ao julgar demandas que tramitam pelo procedimento comum, é firme no sentido de que ?afigura-se desnecessária a exigência de que a parte autora apresente comprovante de endereço em seu nome, vez que não compete ao Poder Judiciário solicitar documentos não elencados como indispensáveis à propositura da demanda, merecendo ser cassado o édito sentencial recorrido.?8.4.3. No entanto, vale lembrar que as demandas que tramitam sob a sistemática dos juizados especiais, possuem regramento próprio e o Código de Processo Civil é aplicado somente em caráter subsidiário. Basta lembrar que a incompetência territorial pode ser reconhecida de ofício no sistema dos juizados especiais, consoante Enunciado 89 do Fonaje.8.4.4. No caso em apreço, percebe-se que na exordial, em evento 1, arquivo 3, o recorrido juntara fatura de energia que sequer indica o mês de referência em nome de Natividade Fonseca da Silva. A parte autora não esclarecera qual o grau de parentesco que possui com a referida pessoa. não se pode inferir que Natividade Fonseca é seu genitor, vez que do documento de identidade juntado em evento 1 arquivo 2, dá conta que a parte autora é filha de Antônio Carlos Pereira e Edleuza Thomaz Carneiro. 8.4.5. O recorrente contestara o comprovante de endereço juntado pela autora, mas, na oportunidade de apresentar impugnação à contestação, o recorrido quedara-se inerte. Observa-se também que a procuração de evento 1 arquivo 5 fora assinada, mas não informa a data.8.4.6. A despeito de ser regra a presunção de veracidade das informações contidas na inicial, não se pode desconsiderar todo o contexto de fraudes e manipulação de dados, o que não se sugere nestes autos, especificamente. No entanto, o princípio do juiz natural deve ser considerado, e por isto, necessário se faz atentarmos à importância de continuar sendo exigido comprovante de endereço válido.8.4.7. Oportuno registrar que não se está aqui afirmando que somente deve-se aceitar comprovante de endereço em nome da parte autora. Logicamente, com respeito ao artigo 5º , inciso XXXV da Constituição , a inicial estará suficientemente instruída quando juntado comprovante de endereço em nome de terceiros, desde que o requerente comprove possuir alguma relação com aqueles, como exemplo, documento em nome do genitor, ou comprove morar de aluguel etc.8.4.8. Neste sentido, também já decidira o MM. Juiz Dr. Fernando César Rodrigues Salgado, acompanhado pelos magistrados Dr. Fernando Ribeiro Montefusco e Dra. Rozana Fernandes Camapum, quando analisaram os autos de nº 5037898-97, publicado em 05/11/2020: ?05. No caso concreto, não obstante tenha o promovente apresentado documento com a exordial para comprovar seu domicílio, não o fez de forma satisfatória, porquanto o documento está em nome de outra pessoa, e não há nos autos outras provas que confirmem se tratar de sua residência. Ao contrário, consta do acervo probatório, vários documentos com endereços divergentes do reclamante, inclusive, em outro estado da federação, conforme se vê do extrato do Serasa e dos contratos apresentados pela parte requerida (eventos n.01 e 24). 06. À míngua de tal prova e, mostrando a questão do domicílio necessária para firmar a competência do juízo, bem como para elucidar a causa sob exame, a extinção do feito é medida que se impõe. 07. Sentença extintiva que imerece reparo.? No mesmo sentido já decidira esta Turma Recursal no julgamento do RI nº 5506131.46, de minha relatoria, publicado em 01.12.2020. 8.4.9. É certo que o sistema dos juizados especiais consagra o princípio da celeridade, simplicidade e dispensa maiores formalidades para a realização dos atos processuais. No entanto, não se pode desprezar também todos os demais princípios do ordenamento jurídico, como, por exemplo, a legalidade, justiça, segurança jurídica e juízo natural. Considerando a ausência de documento essencial necessário para averiguar a questão de competência, e repisando que a competência territorial tem natureza de ordem pública no âmbito dos juizados especiais, a extinção do feito é medida impositiva. 9. DISPOSITIVO. Por todo o exposto, conheço e dou provimento ao recurso para reformar a sentença e julgar extinto o feito sem resolução do mérito. Sem custas e honorários advocatícios, inteligência do artigo 55 da Lei 9.099 /95.