PENAL. PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO E CRIME CONEXO. PLEITO DE DESAFORAMENTO POSTULADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIME PRATICADO EM PEQUENA CIDADE DO INTERIOR, QUAL SEJA, PEREIRO/CE. RÉUS PERTENCENTES À FACÇÃO CRIMINOSA GDE. PERICULOSIDADE DOS AGENTES QUE IMPÕE TEMOR NA POPULAÇÃO LOCAL, AFETANDO A IMPARCIALIDADE DOS CIDADÃOS QUE VENHAM A SER NOMEADOS PARA COMPOR O TRIBUNAL DO JÚRI. MANIFESTAÇÃO FAVORÁVEL DO JUIZ PRESIDENTE, QUE INFORMOU HAVER RISCO DE QUE A DECISÃO DOS JURADOS POSSA SER MACULADA PELO MEDO E TEMOR CAUSADOS PELOS RÉUS. RISCO CONCRETO À IMPARCIALIDADE DOS JURADOS. PEDIDO DE DESAFORAMENTO ACOLHIDO. 1 ¿ O art. 427 , do Código de Processo Penal , excepciona a regra geral de competência estabelecida pelo art. 70, do mesmo diploma legal, ao trazer a possibilidade de julgamento pelo Tribunal do Júri de comarca diversa da que se consumou o crime contra a vida ou da que foi praticado o último ato de execução, no caso do delito ter sido praticado na modalidade tentada. 2 ¿ Dentre os requisitos elencados pelo art. 427 do Código de Processo Penal , que permitem o deferimento do pedido de desaforamento, podemos destacar a dúvida sobre a imparcialidade do júri. Diante disso, verifica-se que o legislador não exigiu a certeza da imparcialidade do júri, mas tão somente a dúvida, que será avaliada de acordo com o caso concreto. 3 ¿ No presente caso, verifica-se, pela análise dos autos, que os réus praticaram o crime pela qual foram pronunciados no contexto envolvendo a atuação violenta de facção criminosa, eis que o homicídio foi praticado contra a vítima em razão dela ser considerada desafeto dos acusados. Tal fato revela a periculosidade dos pronunciados, integrantes da organização criminosa GDE, impondo temor nos cidadãos da pequena cidade do interior em que foi praticado o crime que lhes foi imputado, qual seja, Pereiro/CE, conforme relatado pelo magistrado de origem, pondo em risco a imparcialidade dos jurados. 4 ¿ Ademais, a informação prestada pelo Juiz Presidente revela que se tratam de réus integrantes de organização criminosa, que respondem a outro processo de homicídio na Comarca de Jaguaretama/CE. Alega o magistrado de origem que o desaforamento do julgamento da causa é medida que se mostra indispensável para se garantir a imparcialidade na apreciação dos fatos pelo Conselho de Sentença. Aduz que, conforme alegado pelo Ministério Público, se vislumbra uma situação de anormalidade, capaz de comprometer a tranquilidade de ânimos que devem nortear os jurados por ocasião do julgamento, em razão do temor causado pelos réus, por serem, supostamente, integrantes de organização criminosa atuante no Estado do Ceará, além de serem acusados também em processo de homicídio qualificado na Comarca de Jaguaretama/CE. Ressalta-se que, em razão da maior proximidade com o caso, deve-se levar em consideração a manifestação do Juiz a quo acerca da necessidade do deslocamento do julgamento do processo para comarca diversa. 5 - Dessa forma, restando evidente a periculosidade dos pronunciados, além de serem integrantes de facção criminosa, bem como o fato de terem praticado o crime em pequena cidade do interior, restando comprovada a gravidade em concreto de suas condutas e, dessa forma, atemorizado os cidadãos residentes na cidade de Pereiro/CE, faz-se necessário o desaforamento do julgamento como forma de resguardar a imparcialidade dos jurados e preservar o Princípio do Devido Processo Legal. 6 - Além disso, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a escolha da nova Comarca deve ser feita com base em elementos concretos, não havendo obrigatoriedade de se remeter o feito à localidade mais próxima. Ressalta-se que o presente caso se trata de crimes praticados em contexto envolvendo atuação de organização criminosa armada na região interiorana do Estado, que impõe temor nos cidadãos residentes nas cidades mais próximas do local do fato, por se tratarem de cidades fronteiriças, de fácil acesso, com pouca estrutura na área de segurança pública e pelo fato de poder haver células de facções nos referidos municípios, o que faz com que seja prudente que o julgamento do réu seja realizado na Comarca de Iguatu. 7 ¿ Diante o exposto, como forma de garantir a imparcialidade dos jurados e as regras impostas pelo Devido Processo Legal, determino o deslocamento do julgamento da Ação Penal nº XXXXX-89.2020.8.06.0145 , que tem como pronunciados Renan Lacerda Correa , Antonio Rodrigues Vieira Filho , Francisco Luan Santos Guedes e Luis Felipe Costa , para a Comarca de Iguatu/CE, a fim de serem julgados por uma das Varas do Júri da Comarca de Iguatu/CE, que possui melhores condições de salvaguardar a livre convicção dos jurados. 8 ¿ Pedido de desaforamento conhecido e deferido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acimas indicadas, acordam os desembargadores integrantes da Seção Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, por unanimidade de votos, em CONHECER e DEFERIR o presente pedido de desaforamento, nos termos do voto desta Relatora, que passa a integrar o presente acórdão. Fortaleza (CE), 26 de fevereiro de 2024 MARIA REGINA OLIVEIRA CÂMARA JUÍZA CONVOCADA ¿ Relatora Portaria nº 17/2024