CONSTITUCIONAL E CIVIL. DIREITO FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DIREITO FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO À HONRA E À IMAGEM. COEXISTÊNCIA. EVENTUAL ESPAÇO DE TENSÃO (LIMITES) ENTRE ESSES VALORES A SER CONCRETIZADO NO ÂMBITO DO DIREITO PRIVADO. JUÍZO DE PONDERAÇÃO EM QUE SE PREFERIRÁ O BEM JURÍDICO CONSTITUCIONAL MAIS SENSÍVEL E/OU MERECEDOR DE MAIOR PROTEÇÃO AO CASO CONCRETO. PUBLICAÇÕES EM REDE SOCIAL (?TWITTER?) QUANTO ÀS MANIFESTAÇÕES DE PARLAMENTAR EM ENTREVISTA/DEBATE (?FLOW-PODCAST?). AFETAÇÃO À IMAGEM E À HONRA. ABUSO EM DUAS DAS TRÊS EXPRESSÕES DIRIGIDAS CONTRA O ENTREVISTADO. NO PONTO, RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. I. A causa de pedir retrata a seguinte situação fática: no dia 07 de fevereiro de 2022, o demandante (ora recorrido) participou, com mais três pessoas, do programa de entrevistas/debates, via ?internet?, chamado ?Flow Podcast n. 545?, com duração aproximada de 04 horas e 30 minutos, quando então ele pode se expressar sobre diversos assuntos políticos e sociais do Brasil, entre eles o ?discurso de ódio nas redes sociais?, e dentro do qual foi levantada a questão do ?nazismo?. As expressões do demandante (nascido em 1996) geraram algumas reações na ?internet?, entre elas as do ora demandado (nascido em 1946), via ?Twitter?, especialmente no sentido de que ele teria ?endossado a existência de um Partido Nazista no Brasil?, feito ?apologia ao nazismo? e ?defendido que o nazismo seja descriminalizado? (id XXXXX). II. Com o argumento de ter sido atingido em sua honra e moral, por suposta apologia à ideologia nefasta, a parte demandante (ora recorrida) propõe a presente demanda à reparação dos danos extrapatrimoniais, a par da obrigação ao demandado (ora recorrente) à retratação pública e à ?exclusão das publicações acostadas aos autos?. III. O demandado (ora recorrente) se insurge contra a sentença de parcial procedência (determinação de exclusão das publicações e reparação por danos morais arbitrados em R$ 5.000,00). A. As alegações recursais estão centradas basicamente nos seguintes aspectos: 1) a narrativa do recorrido na entrevista teria sido ?cristalinamente inclinada à legalização de um partido de cunho ideológico nazista?; 2) ?o entendimento de que o Recorrido lançou mão de suas prerrogativas ao defender e fazer apologia ao Nazismo não foi somente do Recorrente, mas também da comunidade do Judeus Pela Democracia , Ministros do STF , grupos políticos, a Associação Nacional de Procuradores da República?; 3) o recorrido reconheceu a gravidade do discurso, tanto que teria inclusive pedido desculpas à comunidade judaica; 4) foram ajuizadas demandas com idêntica causa de pedir em desfavor de outros ?críticos? da manifestação, em que teria sido reconhecida a primazia da liberdade de expressão; 5) ?não se verifica o abuso ao direito de liberdade de expressão a veiculação em qualquer meio, e inclusive em redes sociais, em publicações identificadas que manifestem repúdio, considerando o contexto acalorado em que tenha sido concebida e a restrição da opinião à atuação do parlamentar?; 6) não configuração do dano extrapatrimonial; 7) ?as críticas envoltas pela liberdade de expressão se deram em contexto eminentemente político, e tiveram como destinatário figura pública, a ensejar a aplicação do entendimento desta e. Corte no sentido de afastar a tipicidade do crime contra a honra quando se trata de crítica político ideológica, por mais contundente e ácida que seja (Decisão Monocrática proferida pelo e. Rel. Min. Roberto Barroso nos autos do Inq XXXXX/PE , DJe 21.8.2013; Inq. 503-7, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, D.J. 24.06.92; Inq XXXXX/BA , Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, DJe 1.10.2015; Pet 6268 -AgR, Rel. Min. Rosa Weber, DJe, 17.4.2018)?; 8) postula a improcedência dos pedidos. B. Em contrarrazões, o demandante/recorrido reafirma a alegação de ?inverdade? da ?pecha?. Assevera que ?o que está sendo discutido não é liberdade de expressão ou crítica; é o direito do Recorrente de inventar um fato inverídico e infamante. E tal direito, evidentemente, não existe?. Por esse motivo, postula a manutenção da sentença, por seus fundamentos. IV. Mérito recursal. A. O direito fundamental à liberdade de pensamento, de expressão e de comunicação não se reveste de caráter absoluto, pois deve coexistir harmonicamente com a tutela da honra e da imagem das pessoas, e com respeito a valores éticos e sociais da pessoa e da família ( Constituição Federal , art. 1º , III ; art. 5º, IV, V, X e XIV e art. 220). B. No campo de tensão entre valores de idêntica magnitude constitucional (liberdade de expressão x imagem e/ou honra) que ora se descortina, em que a tutela ainda há de ser concreta e subsidiariamente aferida pelas normas do direito privado ( Código Civil , artigos 12 , 186 e 187 ), deve o intérprete preferir, a partir de um juízo de ponderação dos bens no caso concreto (STF, ADPF 130 ), a proteção ao direito que possa se apresentar mais sensível à ?vocação antropocêntrica? da Constituição Federal , qual seja, a proteção à dignidade da pessoa humana (STJ, REsp XXXXX/RJ ). C. Por intermédio da ?ponderação dos bens? [die Güterabwägung], cimentada no ?princípio da proporcionalidade? [der Verhältnissmässigkeitsgrundsatz] - de influência do direito constitucional alemão -, as expressões de pensamento devem passar pelo crivo cumulativo dos seguintes critérios: 1) necessidade (informação que contribua à saudável formação do exercício de crítica); 2) utilidade (interesse impessoal) e 3) adequação (não exceder o estritamente necessário que norteia o interesse público). D. Sendo assim, o exercício regular do direito à liberdade de expressão não se pode deixar enredar por informações falsas (?fake news?), nem por divulgação de informações não verídicas, seja por força da distorção da verdade ou da não menção a fatos essenciais (direito comparado) 1, seja por descontextualização da imagem (?false light?), independentemente da imunidade parlamentar que as partes atualmente possuem. E. Se as expressões em comento passarem por esses critérios, estarão acobertadas pelo regular exercício do direito de liberdade de expressão (opiniões e críticas voltadas para o interesse da sociedade em melhor se informar); se não, podem abrir espaço para o reconhecimento do abuso ao exercício desse direito ( Código Civil , artigo 187 ), o que culmina em ilicitude e consubstancia a reparação dos danos extrapatrimoniais ( Código Civil , artigos 12 e 186 ). F. Fixadas as premissas jurídicas (limites imanentes constitucionais a serem judicial e concretamente valorados, a par da tutela subsidiária do direito privado) que nortearão a análise da supracitada situação fática, a qual precisa ser devidamente contextualizada para se ter uma ampla compreensão da manifestação originária da parte recorrida e da ?reação? da parte recorrente. 1. Constitui fato de conhecimento generalizado de que o ora recorrido/demandante (figura pública - deputado federal), em debate/entrevista com mais três participantes no programa ?Flow Podcast?, teria sido questionado, após transcorridas mais de quatro horas de programa e quando a temática estava centrada no denominado ?discurso de ódio? nas redes sociais no Brasil: ?você acha que a Alemanha errou ao criminalizar o nazismo??, e a resposta foi ?acho?, sendo que precedente e concomitantemente ele teria se expressado no sentido de que a melhor maneira de ?reprimir? qualquer ?discurso de ódio? seria a ?liberdade de expressão? para que a própria sociedade venha a rechaçar a ideia absurda (inclusive do absurdo nazismo). 2. O programa não se destinava ao debate sobre a descriminalização, defesa ou apologia ao nazismo ou do ?partido nazista?. Esse tema teria sido ?pinçado? como uma rápida variante do supracitado ?discurso de ódio?. De todo modo, a ambígua manifestação do requerente levantou dúvidas e constituiu objeto, nas redes sociais, não só de críticas e de declarações mais duras de repúdio ao nazismo, como também da necessidade dele próprio (requerente) em reafirmar, inclusive perante a comunidade judaica, o seu repúdio ao regime nazista. 3. Nesse passo, a manifestação em rede social, por parte do demandado, no sentido de que o demandante teria ?defendido que o nazismo seja descriminalizado? (id XXXXX) preencheria cumulativamente os três critérios: necessidade (informação que contribua à saudável formação do exercício de crítica), utilidade (interesse impessoal) e adequação (não exceder o estritamente necessário que norteia o interesse público), quando então a crítica poderia ser contextualizada como ?dedução lógica?, ainda que carregada de alta dose de subjetividade contra a pessoa pública e adversária política. 4. No ponto, a sentença merece reforma, sobretudo porque o: [...] ?O agente político, no caso detentor do cargo de Deputado Federal, está naturalmente mais suscetível à alta exposição e às opiniões públicas, pois é da legitimidade do jogo político-democrático e da própria fiscalização cidadã opor-se criticamente às determinadas atuações no trato da coisa pública. [...]? (TJDFT, 3ª Turma Cível, acórdão n. XXXXX, rel. Desa. Maria de Lourdes Abreu, DJe 03.10.2022). 5. De outro ângulo, as expressões de pensamento no sentido de que o demandante teria feito ?apologia ao nazismo? e ?endossado a existência de um Partido Nazista no Brasil? não preenchem o terceiro critério da adequação (não exceder o estritamente necessário que norteia o interesse público). 6. Isso porque não produzida prova de que o demandante teria se manifestado expressamente no sentido de admiração, afeição, defesa, enaltecimento, justificação ou elogio (?apologia?) ?ao nazismo?, senão a curta resposta à aludida pergunta, dentro de uma linha argumentativa em que a ?ideologia nazista? há de ser rechaçada ( Código de Processo Civil , artigo 373 , inciso II ). 7. E quanto ao ?endosso da existência de Partido Nazista no Brasil? também não foi produzida prova de que o demandante teria se manifestado expressamente nesse sentido ( Código de Processo Civil , artigo 373 , inciso II ). Ao revés, teria sido outro participante do aludido debate/entrevista quem teria feito menção à criação de tal ?partido?, e cujos desdobramentos da manifestação dessa terceira pessoa escapam ao presente processo. 8. Nessas duas últimas expressões do demandado não se extrai a crítica derivada da ?dedução lógica?, seja porque não possuiriam preciso nexo causal à contextualização da pergunta e da resposta acima mencionadas, seja porque teria sido outra pessoa quem teria se manifestado precisamente em relação à existência do ?partido nazista?. No ponto, as ilações especulativas que distorcem o contexto não estão acobertadas pela imunidade parlamentar, nem pelo exercício regular o direito de liberdade de expressão. 9. Não se extrai a verdade diligentemente investigada a justificar o interesse público à imputação de que o requerente teria feito ?apologia ao nazismo? e ?endossado a existência de um Partido Nazista no Brasil?, sobretudo em razão da alta carga negativa da expressão de quem as cria e/ou divulga. 10. Por conseguinte, não se visualiza a relação de proporção entre a proteção do direito à liberdade de expressão e a divulgação de informações não verídicas ou com distorção à formação da livre opinião pública, cuja situação fática se amolda ao abusivo exercício desse direito ( Código Civil , artigo 187 ). 11. No quadro fático-jurídico ora analisado resulta configurado o exercício abusivo da liberdade de expressão (pelo demandado), ex vi do artigo 187 do Código Civil (violado o critério de proporcionalidade), de sorte a se concluir pela preponderância da tutela do direito fundamental à imagem/honra do demandante ( Constituição Federal , artigo 5º , inciso X ). 12. E uma vez violada a integridade moral do direito geral da personalidade do requerente ( Código Civil , artigo 12 ), se faz impositiva a reparação dos danos extrapatrimoniais ( Constituição Federal , artigo 5º , inciso X c/c Código Civil , artigo 186 ). 13. No mais, em relação à estimativa dos danos morais, é de ser mantida a quantia fixada na sentença (R$ 5.000,00), que bem preenche os critérios repressivo-pedagógico, capacidade econômica dos envolvidos, extensão da agressão e fator inibidor à divulgação de expressões não condizentes com os fatos, sem se observar violação ao princípio de proibição de excessos. V. Recurso conhecido e parcialmente provido para tão somente desobrigar o demandado à exclusão, de sua rede social (?twitter?), da expressão constante no item ?IV?, letra ?F?, alíneas ?3? e ?4?. No mais, sentença mantida por seus próprios e sólidos fundamentos. Sem custas, nem honorários (Lei 9.099 /1995, artigos 46 e 55 ).