APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. FORNECIMENTO DE ÁGUA. HIDRÔMETRO COM VISOR EMBAÇADO. IMPOSSIBILIDADE DE LEITURA. FATURAS EMITIDAS COM BASE NA TARIFA MÍNIMA. DIFERENÇA DO CONSUMO COBRADA EM FATURA POSTERIOR. LEGALIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO DA CONCESSIONÁRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. 1. A relação jurídica que ora se examina é de consumo, pois o autor é o destinatário final da água fornecida pela ré, daí a necessidade de se resolver a lide dentro da norma consumerista prevista no Código de Proteçâo e Defesa do Consumidor . 2. Ademais, a jurisprudência sedimentou o entendimento de que a relação entre a empresa concessionária de serviço público de fornecimento de água e o usuário final classifica-se como consumerista. Precedentes do STJ e do TJRJ. 3. Da leitura do art. 14 do CPDC, verifica-se que a responsabilidade do fornecedor de serviços é objetiva e somente não responderá pela reparação dos danos causados ao consumidor se provar que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste ou o fato é exclusivo do consumidor ou de terceiro. 4. Outrossim, segundo a teoria do risco do empreendimento, aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços tem o dever de responder pelos vícios resultantes dos seus negócios, independentemente de sua culpa, pois a responsabilidade decorre do simples fato de alguém se dispor a realizar atividade de produzir, distribuir e comercializar ou executar determinados serviços. 5. Noutra ponta, impende ressaltar que a incidência da legislação consumerista e a responsabilidade objetiva da ré não significam que o consumidor ficará dispensado de produzir a prova do fato constitutivo do direito alegado, como imposto pelo art. 373 , inciso I , do CPC , a fim de convencer o Magistrado de suas assertivas. 6. Na exordial, o demandante relatou, em apertada síntese, ter recebido da ré cobranças de expressivo valor, nos meses de setembro de 2018 (R$ 3.063,19) e outubro do mesmo ano (R$ 761,05), muito acima de sua média usual de consumo, que anteriormente girava em torno de R$ 106,31. 7. Em contestação, a parte ré justificou a exorbitância do valor cobrado na fatura de setembro/2018 na necessidade de regularizar as cobranças feitas a menor no período compreendido entre outubro de 2017 e julho de 2018, quando o consumo foi zerado em diversos meses em razão da impossibilidade de leitura do hidrômetro. Quanto à conta subsequente, ou seja, aquela emitida em outubro de 2018, negou qualquer irregularidade, aduzindo que a quantia estampada no boleto correspondia ao volume efetivamente medido no hidrômetro. 8. O laudo pericial produzido (item 0172) concluiu que o medidor de água instalado na residência do autor encontrava-se com funcionamento regular, sendo que nos meses de outubro de 2017 a julho de 2018, "não houve leitura no hidrômetro", porque "a ré não efetuou leitura e informou que o medidor estava com o vidro embaçado", o que fez com que a concessionária emitisse cobranças por estimativa, considerando uma economia. Somente a partir de agosto de 2018 é que a ré logrou êxito em efetuar a medição do volume de água a partir do hidrômetro e cobrar os valores correspondentes. 9. Expôs, ainda, o Sr. Perito que, "de acordo com a Lei 11.445 /2007 a responsabilidade até o hidrômetro é da parte ré, em prover sua manutenção bem como manter em dia os serviços de estabelecimento", sendo certo que a concessionária "identificou o vidro embaçado e não tomou nenhuma providência", o que fez com que as cobranças relativas aos meses seguintes fossem feitas por estimativa (rectius: pela tarifa mínima). 10. De fato, analisando-se as faturas acostadas aos autos pelo demandante, relativas aos meses anteriores àquele em que foi cobrado o valor de R$ 3.063,13, verifica-se que foram calculadas pelo faturamento mínimo. 11. A falha na aferição do consumo em razão de defeito do equipamento não pode ser atribuída ao usuário, que não está obrigado a conferir a medição no aparelho. No entanto, cediço que o utente deve pagar a contraprestação devida pelo efetivo consumo do serviço, sob pena de se permitir o seu enriquecimento sem causa. 12. Ao contrário do que defende o apelante, nada há no laudo pericial que confira suporte à tese de que a fatura emitida em setembro de 2018 tenha sido em valor elevado, em razão de "vazamento externo". Pelo contrário, o documento é claro no sentido de que o montante cobrado se refere ao consumo acumulado não faturado nos meses anteriores, em razão da impossibilidade de leitura do medidor. 13. Desse contexto, conclui-se pela regularidade da cobrança do mês de setembro de 2018, que se deu em razão de faturamento complementar do real consumo de água da unidade do autor, cuja aferição não se realizara pela falta de acesso ao hidrômetro. Uma vez regularizado o medidor, limitou-se a ré a cobrar o valor efetivamente apurado pelo aparelho, o que constituiu exercício regular de direito. Precedentes TJRJ. 14. Impende destacar que, no que se refere à outra fatura questionada pelo autor, referente ao mês de outubro de 2018, não há qualquer indício de irregularidade, uma vez que o laudo pericial da pasta 172 foi claro ao descrever que o hidrômetro instalado na residência do autor se encontrava "em funcionamento e em boas condições", e não apresentava qualquer vazamento. Nesse passo, nada obstante as imagens acostadas pelo demandante junto à petição inicial, não restou comprovada nos autos a ocorrência de defeito, sendo certo que, a toda evidência, a fatura refletiu o volume de água consumido e medido pelo hidrômetro. 15. Por fim, o art. 85 , § 11 , do Código de Processo Civil , dispõe que o Tribunal, ao julgar o recurso interposto, majorará os honorários fixados anteriormente. 16. Nesse diapasão, arbitra-se os honorários sucumbenciais recursais acima do mínimo legal em razão do trabalho desenvolvido em grau recursal, no percentual de 2% (dois por cento), que deverá incidir sobre o valor atualizado da causa, com fundamento no art. 85 , §§ 2º e 11 do Código de Processo Civil . 17. Apelo não provido.