APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS E MATERIAIS EM FACE DE CARDIF DO BRASIL SEGUROS E GARANTIAS S/A E SINCRONISMO CORRETORA E ADMINISTRADORA DE SEGUROS LTDA. SEGURO DE AUTOMÓVEL JUNTO À CARDIF. NEGATIVA DA INDENIZAÇÃO APÓS O SINISTRO SOB O ARGUMENTO DE QUE O CONTRATO FORA CANCELADO POR FALTA DE PAGAMENTO. AUTOR ALEGA QUE SE ENCONTRAVA ADIMPLENTE. REQUER INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. SENTENÇA JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PEDIDO. CONDENAÇÃO DA SEGURADORA AO PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO PREVISTA NA APÓLICE (100% DA TABELA FIPE). IMPROCEDÊNCIA DOS DANOS MORAIS E DO PEDIDO COM RELAÇÃO À SEGUNDA RÉ (SINCRONISMO CORRETORA). APELAÇÃO DA PRIMEIRA RÉ (CARDIF). PRELIMINAR DE NULIDADE, SOB A ALEGAÇÃO DE QUE OS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS CONTRA A SENTENÇA FORAM REJEITADOS SEM FUNDAMENTAÇÃO. NO MÉRITO, REQUER A IMPROCEDÊNCIA, CONSIDERANDO QUE O AUTOR NÃO COMPROVOU O PAGAMENTO DAS PARCELAS DO SEGURO. ALTERNATIVAMENTE, REQUER QUE DO VALOR DA INDENIZAÇÃO SEJAM DEDUZIDOS DÉBITOS COMO MULTAS E IPVA. SENTENÇA QUE MERECE PARCIAL REFORMA. NULIDADE QUE NÃO SE ACOLHE. REJEIÇÃO MOTIVADA DOS EMBARGOS. CONCISÃO QUE NÃO SE CONFUNDE COM FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NO MÉRITO, VERIFICA-SE QUE, AINDA QUE O SEGURADO ESTIVESSE INADIMPLENTE, CABERIA À SEGURADORA INTERPELAR O SEGURADO PARA CONSTITUIÇÃO EM MORA, NÃO PODENDO CANCELAR OU SUSPENDER O CONTRATO SEM PRÉVIO AVISO. EVENTUAIS VALORES DE MULTA E IPVA QUE NÃO CABEM À SEGURADORA SUPORTAR. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO TÃO SOMENTE PARA DEDUZIR DA INDENIZAÇÃO OS VALORES DE DÉBITOS PENDENTES SOBRE O CARRO COMO MULTAS E IPVA ANTERIORES AO SINISTRO. "Ação Indenizatória de Danos Morais e Materiais c/c Enriquecimento sem Causa" ajuizada em face de Cardif do Brasil Seguros e Garantias S/A e Sincronismo Corretora e Administradora de Seguros Ltda. Alega o autor que contratou junto à Cardif seguro para seu automóvel e, ao acionar a seguradora em razão de roubo do veículo, foi informado de que o seguro fora cancelado por falta de pagamento, apesar de se encontrar adimplente. Requer indenização por danos morais e materiais no valor de R$ 35.000,00. Sentença julgando parcialmente procedente o pedido. Condenação da primeira ré ao pagamento do veículo no valor da apólice (100% da Tabela FIPE). Improcedência dos danos morais e com relação à Sincronismo Corretora, segunda ré. Apelação da primeira ré, Cardif do Brasil Seguros e Garantias S/A. Preliminar de nulidade, ao argumento de que os embargos de declaração opostos contra a sentença não foram fundamentados. No mérito, requer a improcedência, considerando que o autor não comprovou o pagamento do contrato de seguro. Alternativamente, requer que da indenização sejam abatidos valores de débitos como multas e IPVA anteriores ao sinistro. Sentença que merece parcial reforma. Preliminar que não se acata. Não se verifica na presente hipótese qualquer violação aos art. 11 e 489 , § 1º , do NCPC , e 93 , IX , da CRFB , inexistindo a propalada nulidade e qualquer inobservância ao devido processo legal, eis que, apesar de o apelante entender que a rejeição dos embargos foi concisa, foram apresentados motivos suficientes para a sua rejeição. No mérito, a apelação merece parcial acolhimento. O autor comprova pagamentos de diversas parcelas no cartão de crédito. É incontroverso que pelo menos seis parcelas foram devidamente pagas. Todavia, tal alegação de inadimplência parcial é insuficiente para justificar a recusa no pagamento da indenização, eis que não houve prévia notificação da mora. Para justificar a quebra da obrigação de pagamento da indenização, deveria a seguradora ter constituído em mora o consumidor, o que não ocorreu na hipótese dos autos, não se desincumbindo a apelante, nos termos do art. 373 , II , do CPC , de comprovar que notificou o apelado da alegada inadimplência e que não haveria o pagamento da indenização por considerar que o evento não estava coberto em razão da cláusula 11.2 do contrato. Por se tratar de uma relação de consumo, a mora no pagamento de determinada parcela do prêmio do seguro não autoriza, por si só, o seu cancelamento sem a prévia notificação do segurado e também não autoriza a recusa ao pagamento de indenização na ocorrência do sinistro. A cláusula que prevê o cancelamento da apólice, sem a prévia notificação do segurado, bem como o seu cancelamento pela inadimplência de uma única parcela do fracionamento do valor do prêmio, é abusiva e não exime a seguradora do pagamento da indenização contratada. É, portanto, nula de pleno direito tal cláusula, por configurar evidente desequilíbrio contratual e flagrante enriquecimento sem causa (art. 51 , IX e XI do CDC ). Em razão do caráter cogente do CDC e da presumida vulnerabilidade do consumidor, devem as cláusulas limitativas ou obstativas das obrigações assumidas pelas seguradoras ser interpretadas à luz da boa-fé objetiva e sempre da maneira mais favorável ao consumidor, em consonância com o art. 47 do CDC e do art. 765 do Código Civil . É entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça que o simples atraso no pagamento do prêmio não conduz à suspensão ou cancelamento automático da cobertura securitária, sendo necessária a interpelação do devedor comunicando-o da suspensão enquanto perdurar a mora. Quanto ao pleito de que sejam abatidos valores de débitos pertinentes ao veículo, assiste razão à apelante, eis que, apesar de a apólice prever indenização de 100% da Tabela FIPE, a cláusula "14.2" do contrato estabelece que "O veículo deverá estar totalmente livre de restrições e débitos. Com isso, as multas de trânsito, taxas referentes a licenciamento do veículo e demais encargos para a regularização da documentação do veículo sinistrado serão de responsabilidade do Segurado, podendo ser deduzidas da indenização caso necessário." Precedentes jurisprudenciais desta Corte. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO PARA DEDUZIR DA INDENIZAÇÃO OS DÉBITOS PENDENTES ANTERIORES AO SINISTRO, TAIS COMO MULTAS E IPVA.