HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NOORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTOJURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAMEEXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO PROCESSOLEGAL. 2. ROUBO E RECEPTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE O AUTOR DO ROUBORESPONDER POR RECEPTAÇÃO. UTILIZAÇÃO DO BEM. MERO EXAURIMENTO. 3.DÚVIDAS QUANTO À CONDUTA PRATICADA. ROUBO OU RECEPTAÇÃO.INVIABILIDADE DE DENÚNCIA ALTERNATIVA. OFENSA À AMPLA DEFESA E AOCONTRADITÓRIO. 4. DENÚNCIA POR ROUBO. AUSÊNCIA DE PROVA DE AUTORIA.CONDENAÇÃO POR RECEPTAÇÃO. SOLDADO DE RESERVA. NÃO OCORRÊNCIA. 5.NOVA DEFINIÇÃO JURÍDICA. CIRCUNSTÂNCIAS TRAZIDAS DURANTE AINSTRUÇÃO. MUTATIO LIBELLI. DISCIPLINA DO ART. 384 DO CPP . NÃOOBSERVÂNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA. 6. DOSIMETRIA RELATIVA AOS DEMAIS ROUBOS. VIOLAÇÃO AO VERBETE444/STJ. RÉU QUE NÃO ESTUDA NEM TRABALHA. FATOR QUE, POR SI SÓ, NÃOSE PRESTA A DESABONAR A CONDUTA SOCIAL. 7. CONSEQUÊNCIAS DO CRIME.TRAUMA SOFRIDO. SITUAÇÃO COMUM ÀS VÍTIMAS DE CRIMES. AUSÊNCIA DEELEMENTOS CONCRETOS. INVIABILIDADE. 8. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando aracionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistemarecursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de serimperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional àshipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de ProcessoPenal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo TribunalFederal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha porobjetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie.Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas nainicial, no afã de verificar a existência de constrangimento ilegalevidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus deofício, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processolegal.2. Não é possível cumular na denúncia a prática de roubo e dereceptação da mesma coisa. De fato, acaso o bem tenha sido roubadopelo paciente, não pode responder pela receptação dele, porquanto ouso do bem roubado pelo próprio agente nada mais é que post factumimpunível, ou seja, mero exaurimento, razão pela qual não poderesponder também pelo delito do art. 180 do Código Penal .3. Não se mostra consentânea com o processo penal constitucional apossibilidade de o promotor, em caso de dúvida, formular duasnarrativas, de maneira alternativa, para que ao fim da instrução,possa o Juiz escolher uma ou outra infração, porquanto ficaria suadefesa prejudicada, haja vista a imprecisão da denúncia.4. É patente, também, que a descrição do delito de receptação nãotem como se encaixar no tipo penal de roubo, pois, não obstante esteser crime complexo, a não comprovação de todos os seus elementospode ensejar a desclassificação para o delito de furto, de lesãocorporal ou de constrangimento ilegal, e não para o descrito no art. 180 do Código Penal . Com efeito, não há entre referidos fatostípicos relação de subsidiariedade, portanto, não há se falar nafigura do soldado de reserva.5. Tendo o parquet denunciado o paciente pelo roubo do bem, hajavista ter considerado existirem indícios mínimos da mencionadaconduta, não pode ao final, à míngua de conseguir provar a imputaçãoprimeva, pedir a condenação pelo crime de receptação, sem sefranquear ao paciente o procedimento do art. 384 do Código deProcesso Penal.6. Quanto à dosimetria dos demais roubos, tem-se que não é possívelconsiderar como conduta social negativa a existência de anotaçãoconstante da folha de antecedentes, pois contraria o verbete sumularnº 444 da Súmula desta Corte. Da mesma forma, o fato de o pacientenão estudar nem ter emprego, não pode, por si só, levar à conclusãode ser sua conduta social negativa e tendente à prática de crimes.7. A humilhação e o trauma psicológico sofrido pelas vítimas nãopodem ser considerados como consequências negativas, pois não sedeclinou na decisão nada que fizesse referidos fatores destoarem dasconsequências naturais sofridas por alguém que é vítima de um crimede roubo circunstanciado.8. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, paraafastar a condenação do paciente pelo crime de receptação. Concedo,ainda, a ordem de ofício, para, com relação à dosimetria dos crimesde roubo, decotar as circunstâncias relativas à conduta social e àsconsequências do delito, redimensionando a reprimenda total dopaciente para 15 (quinze) anos, 3 (três) meses e 20 (vinte) dias dereclusão, mantidos os demais termos da condenação.