ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. PRIVATIZAÇÃO. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. HISTÓRICO DA DEMANDA 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo contra pessoas físicas e jurídicas em razão de atos ilícitos praticados na concessão de benefícios financeiros e creditícios que causaram prejuízo ao Banco do Estado de São Paulo - Banespa. Afirma o MPE/SP na inicial que "A partir de denúncias veiculadas na imprensa em dezembro de 1993, a propósito da denominada 'CPI do Orçamento', veio à tona que o então Deputado Federal pelo PMDB-SP, juntamente com Diretor Financeiro da CPFL - COMPANHIA PAULISTA DE FORÇA E LUZ, foram beneficiados ilicitamente com empréstimos e conseqüentes perdões de dívidas negociados com o Banespa, nos exercícios de 1987 a 1992, em detrimento das finanças daquela instituição financeira pública estadual, contando com o prestativo auxílio do Diretor de Operações da DIROP-4 do Banespa, membro do Comitê de Crédito da instituição, por ela responsável na região de Campinas, e membro da Executiva do PMDB na Cidade de Campinas" (fls. 08/15). 2. Requer, ao final: a) a nulidade dos atos de concessão de crédito e dos atos de aprovação e liquidação das dívidas realizados pelo Comitê de Crédito do Banespa, em relação às operações que especifica; b) condenação solidária das pessoas físicas e jurídicas que especifica ao ressarcimento integral do dano em favor do Banespa, equivalente à diferença entre o valor pago e o efetivamente devido em 3.5.1989, a ser apurado em liquidação ou em perícia no curso da lide, atualizada monetariamente desde cada desembolso e acrescida de juros de mora a partir da citação; c) condenação das pessoas físicas e jurídicas à perda da função pública; suspensão dos direitos políticos por prazo determinado; pagamento de multa civil; proibição de contratar com o poder público; ou dele receber incentivos ou benefícios fiscais e creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, por prazo determinado; ressarcimento integral do dano, solidariamente, equivalente à diferença entre o valor pago e o efetivamente devido em 9.11.1992, a ser apurado em liquidação ou em perícia no curso da lide, atualizado monetariamente. Valor da causa fixado em R$ 225.000,00 (duzentos e vinte e cinco mil reais). 3. A sentença julgou extinto o processo sem análise do mérito, nos termos do art. 267, I e IV do CPC/1973, argumentando, em síntese: a) o MPE/SP não teria legitimidade ativa para ajuizar ação de ressarcimento dos danos causados ao Banespa, devendo a pretensão ser exercida pela própria instituição financeira; b) a perda superveniente da legitimidade ativa com a privatização do Banco, primeiramente com o repasse à União e, posteriormente, ao Banco Santander S/A, o que faria desaparecer o interesse público que busca proteger a Lei 8.429 /1992; c) a inépcia da petição inicial, considerando que veicula pedido de nulidade de ato jurídico estranho aos limites da Lei da Ação Civil Pública , sendo pedido próprio de Ação Popular, na qual o Ministério Público não possui legitimidade ativa. 4. O Tribunal a quo negou provimento à Apelação do MPE/SP acolhendo a tese da ilegitimidade ativa superveniente do Parquet em razão da privatização do Banco estatal. INTERESSE E LEGITIMIDADE ATIVA DO MPE/SP 5. O interesse jurídico e a legitimidade do Parquet à pretensão reparatória do patrimônio público para o ajuizamento da Ação Civil Pública por ato de improbidade devem estar presentes por ocasião do ajuizamento da ação (art. 3º do CPC/1973 e art. 17 do CPC/2015 ), aplicando-se a norma de regência vigente ao tempo da prática do ato ilícito lesivo ao erário (tempus regit actum). 6. O STJ entende existir legitimidade ativa do Ministério Público para a Ação Civil Pública proposta na defesa de pessoas jurídicas que integravam a Administração Pública Indireta e posteriormente foram submetidas a processo de privatização, não ocorrendo, nessas situações, a perda superveniente da legitimidade ad causam. A propósito: REsp XXXXX/RJ , Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 14/8/2007, DJ 23/8/2007, p. 243; EDcl no REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, Segunda Turma, julgado em 20/3/2003, DJ 26/5/2003, p. 296. 7. A legitimidade do órgão ministerial para a atuação na defesa da sociedade abrange toda e qualquer demanda que vise à proteção do patrimônio público. Pode valer-se da Ação Civil Pública como objeto constitutivo negativo, não tendo esta por objeto, apenas, a condenação em dinheiro ou em obrigação de fazer ou não fazer, sendo possível ter como objeto pedido constitutivo ou desconstitutivo de ato jurídico. São cumuláveis os pedidos em que se pretende a condenação pela prática de ato de improbidade administrativa, tendo em vista a natureza difusa do interesse tutelado. CUMULAÇÃO DE PEDIDOS EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA 8. Também se mostra lícita a cumulação de pedidos de natureza condenatória, declaratória e constitutiva nesta ação, quando sustentada nas disposições da Lei nº 8.429 /1992. Nesse sentido: AgInt nos EDcl no AREsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 27/2/2018, DJe 12/3/2018; REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 23/6/2015, DJe 30/6/2015; REsp XXXXX/MG , Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, julgado em 18/3/2008, DJe 1/4/2008. 9. Ademais, a tutela do interesse público realizada pela Lei de Improbidade Administrativa não está adstrita apenas à reparação de conteúdo econômico (ressarcimento ao erário e multa civil), prevendo-se sanções que repercutem no no interesses do réu, como a suspensão dos direitos políticos e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. 10. A Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa tutela a ética e a boa gestão da coisa pública, zelando pelos princípios reitores do Estado brasileiro encartados no texto constitucional e na Lei 8.429 /1992. Visa punir o desonesto, o corrupto, aquele desprovido de lealdade e boa-fé. 11. Por fim, eventual reconhecimento judicial de fato que impeça a análise do mérito quanto a um dos pedidos formulados na Ação Civil Pública não obsta a apreciação dos demais, considerando a independência dos pedidos e a possibilidade de apreciação desde que sejam compatíveis entre si, haja competência do juízo e seja adequado o tipo de procedimento em relação a todos eles (art. 292 do CPC/1973 e art. 327 do CPC/2015 ). Precedentes: EREsp XXXXX/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 22/8/2012, DJe 28/9/2012; REsp XXXXX/RO , Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 4/11/2010, DJe 18/11/2010; REsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 28/10/2008, DJe 13/3/2009; AgRg no Ag XXXXX/SP , Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 12/2/2008, DJe 17/3/2009; REsp XXXXX/MA , Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Segunda Turma, julgado em 6/3/2007, DJ 26/3/2007, p. 219. 12. Recurso Especial provido para afastar a alegada ilegitimidade ativa do MPE/SP, retornando os autos à origem para processar e julgar a Ação Civil Pública.