AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. MATERIALIDADE INCONTROVERSA. INDÍCIOS DE AUTORIA QUE NÃO DECORREM, EXCLUSIVAMENTE, DE TESTEMUNHOS INDIRETOS E ELEMENTOS INFORMATIVOS. ANIMUS NECANDI NÃO EVIDENCIADO. DESNECESSIDADE DE REVOLVIMENTO PROBATÓRIO. MOLDURA FÁTICA ASSENTADA NA ORIGEM. CONDUTA QUE NÃO IMPLICOU RISCO À VIDA DO OFENDIDO. AGENTE QUE DESFERIU UM ÚNICO GOLPE CONTRA A VÍTIMA E NÃO PROSSEGUIU COM OS ATOS EXECUTIVOS. DESCLASSIFICAÇÃO DA IMPUTAÇÃO DE RIGOR. AGRAVO REGIMENTAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Dentro dos limites cognitivos possíveis na via do writ, constata-se que, no caso, os indícios de autoria decorrem de elementos colhidos tanto na fase inquisitorial quanto em juízo.Ainda que tenham sido valorados o depoimento e os reconhecimentos feitos pela vítima na fase de investigação preliminar, também foi considerado o testemunho prestado sob o manto do contraditório e da ampla defesa por um policial civil, sem olvidar ainda o teor do próprio interrogatório do Agravado. 2. No hospital, o ofendido apontou a autoria para o Agravado e esclareceu que o crime ocorreu porque teria se recusado a pagar o "pedágio" - cobrado pela Facção "Bala na Cara" - para trabalhar no local como flanelinha. Na delegacia, tornou a indicar o Réu como autor da facada que lhe foi desferida, reafirmando a mesma motivação do crime. 3. O policial civil, ouvido em juízo, informou que acompanhou as duas oitivas da vítima, no hospital e na repartição policial, tendo confirmado o relato do ofendido quanto à motivação, à forma de execução e à autoria do delito. O agente da persecução penal destacou, ainda, quando questionando a respeito do reconhecimento do Réu feito pelo ofendido, que este não teve dúvidas, porque já conhecia o Acusado. 4. O Agravado, embora tenha negado ser o autor do delito, confirmou parte da versão da vítima. Disse que já conhecia o ofendido desde pequeno e que a facção "Bala na Cara" realiza mesmo a cobrança de "pedágio" no local do crime. 5. O que o art. 155 do Código de Processo Penal veda é que a decisão seja amparada, exclusivamente, em elementos informativos. No entanto, é juridicamente possível que o julgador forme sua convicção a partir do cotejo da prova produzida sob as garantias do contraditório e da ampla defesa com os indícios reunidos na fase extrajudicial. É o que se vê no caso em tela, pois, em juízo, foi colhido o depoimento do policial civil, o que ainda foi sopesado com o interrogatório do Agravado, que confirma parte da versão do ofendido, embora negada a autoria delitiva. 6. Somado a isso, o depoimento do policial, nesse caso, não pode ser considerado mero hearsay testimony. O depoente não veio a juízo para simplesmente reproduzir a vox pública (relatar que ouviram dizer alguma coisa), mas sim para revelar informações valiosas que angariou no curso das investigações. O policial civil relatou que acompanhou a vítima em suas duas oitivas na fase preliminar, sendo certo que o depoimento do agente da persecução penal corresponde às declarações prestadas pelo ofendido. A precisa e particularizada indicação da fonte também é fator que, in casu, diferencia o testemunho do policial civil do mero hearsay testimony: a fonte do testemunho está devidamente referenciada nos autos, qual seja, a própria vítima. 7. Embora haja prova de materialidade e indícios válidos de autoria, não se visualiza o animus necandi na conduta do Réu. Essa constatação não implica nem a impronúncia - requerida como pedido principal na exordial do writ - tampouco, obviamente, a pronúncia do Acusado, mas sim a desclassificação da imputação, justamente o que fez o Julgador de Primeiro Grau, mais próximo das provas produzidas. 8. A conclusão quanto à ausência de animus necandi, especificamente, nesse caso, prescinde de análise vertical do conjunto probatório, pois decorre (i) da própria descrição da imputação feita pelo Parquet e (ii) da moldura fática delineada pela Jurisdição Ordinária. Não é necessário, portanto, inverter qualquer premissa assentada na origem como fruto de exame mais aprofundado do acervo probatório, razão pela qual a apreciação da matéria é cabível neste writ. 9. O relato da vítima e o testemunho do policial civil indicam não haver conduta dolosa contra a vida. Segundo atestado pelas instâncias antecedentes, em razão da recusa da vítima em pagar um suposto pedágio exigido por uma facção criminosa local, o Réu teria lhe desferido uma facada e dito "só paga o bagulho", tendo saído, logo em seguida, caminhando do local (palavras da própria vítima). A autoridade policial questionou ao perito se a conduta teria gerado risco à vida do ofendido (quesito n. 5 do Laudo Pericial), tendo sido negativa a resposta do expert. 10. O Réu desferiu um único golpe de faca contra a vítima, conduta esta que, embora de todo reprovável, não chegou a gerar risco concreto para a vida do ofendido. Ademais, se o autor estivesse, realmente, imbuído de animus necandi poderia ter continuado sua ação, pois, conforme delineado na decisão de primeiro grau, não havia impeditivos para o prosseguimento da empreitada delitiva. 11. No caso, as premissas fáticas delineadas na decisão e no acórdão de origem não deixam dúvidas quanto à inexistência de conduta dolosa contra a vida, razão pela qual deve ser restabelecida a decisão de primeiro grau que desclassificou a imputação para delito de competência do Juízo Criminal Comum. 12. Agravo regimental parcialmente provido para restabelecer a decisão de primeiro grau de jurisdição.