APELAÇÃO CRIME. PENAL. PROCESSUAL PENAL. 33 , CAPUT, DA LEI 11.343 /06. APELANTE CONDENADO À PENA 01 (UM) ANOS 08 (OITO) MESES DE RECLUSÃO, EM REGIME INICIAL ABERTO, ALÉM DE 137 (CENTO E TRINTA E SETE) DIAS-MULTA. NULIDADE SUSCITADA PELA PROCURADORIA DE JUSTIÇA. ACOLHIMENTO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO DA NULIDADE DA SENTENÇA EM VIRTUDE DA NÃO OBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO ART. 400 DO CPP . Em virtude do reconhecimento da nulidade, julgo prejudicado a análise das teses suscitadas pela defesa. I- Trata-se de apelação interposta contra a sentença que condenou o réu Eliomar Cunha Dias como incurso na pena prevista no art. 33 , caput, da Lei Federal nº 11.343 /06. Presente os pressupostos processuais de admissibilidade, conheço do apelo. Emerge dos autos, precisamente da denúncia acostada às fls. 01 usque 03, que no dia 23 de novembro de 2015, por volta das 22:30, na Rua das Pedrinhas, nas proximidades do Alto do Tanque, nesta cidade, a Polícia Militar se encontrava em ronda de rotina, quando avistaram o denunciado e resolveram abordá-lo. Na posse do inculpado, apreendeu-se vinte e três papelotes de substância compatível com cocaína e setenta e cinco reais, em espécie. Consta, ainda, na exordial, que na Delegacia de Polícia, o denunciado confessou ser o entorpecente de sua propriedade, informando que já vendera três papelotes da droga por vinte reais e que começou a traficar entorpecentes, há dois meses, por não ter encontrado emprego. Processado e julgado, o Apelante foi condenado à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano, e 08 (oito) meses de reclusão e multa de 137 (cento e trinta e sete) dias-multa, em regime inicial aberto, em razão da prática dos delitos previstos no art. 33, caput. da Lei nº 11.343 /2006. Na hipótese sob descortino, adstringe-se o mérito deste recurso a absolvição do crime imputado ao Acusado, por insuficiência probatória. Caso não seja este o entendimento, que o delito ao qual foi condenado, seja desclassificado para aquele previsto no art. 28 da mesma Lei. A Procuradoria de Justiça, em seu parecer de fls. 08 usque 11, manifestou-se pela nulidade da sentença, determinando que se renove o ato de qualificação e interrogatório do réu, seguindo o procedimento previsto no art. 400 do CPP , para que seja proferida nova sentença condenatória em razão do descumprimento da regra insculpida no art. 400 do Código de Processo Penal , que trata-se do rito comum aos procedimentos penais, o qual estabelece que o interrogatório deve ser o último ato da instrução criminal. Conforme sustenta o douto Procurador, o interrogatório do Acusado, ocorreu antes da oitiva de uma das testemunhas arroladas pela acusação, representando, total desrespeito ao estabelecido no supracitado artigo e consequente prejuízo para a defesa. Por esta esta razão, opinou para que seja realizado novo interrogatório, reabrindo prazo para novas alegações finais e posterior prolação da sentença condenatória. II - Acolho a tese suscitada. Compulsando os autos, constata-se realmente que o interrogatório do acusado ocorreu no dia 03 de agosto de 2016 (fls. 86/88), ou seja, antes da oitiva de uma das testemunhas arroladas pela acusação, que foi inquirida no dia 24 de abril de 2017 (fls. 125/126). Pois bem. Sobre este fato se debruçará a análise do caso em apreço. Na sessão realizada no dia 03 de março de 2016, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no bojo do Habeas Corpus nº 127900 , conforme previsto no art. 400 do Código de Processo Penal , fixou orientação no sentido de que a referida norma aplica-se, a partir da publicação da ata do julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial. Em seu voto, o Relator, Ministro Dias Toffoli, reafirmou jurisprudência da Primeira Turma no que diz respeito à aplicação de dispositivos do Código de Processo Penal mais favoráveis ao réu, garantindo o direito ao contraditório e à ampla defesa, sedimentando o entendimento de que o interrogatório é um instrumento de defesa do réu e, portanto, deve ser colocado ao final. Assim, em vista da previsão da lei 11.719 /08 que modificou o artigo 400 do CPP e transferiu o interrogatório para o final do processo, Lewandowski tem decidido no sentido de que os réus sejam interrogados ao final do processo, considerando a nova sistemática mais favorável a defesa. "Não se pode negar que se trata de um tema de altíssima relevância dado o reflexo que a referida inovação legal exerce sobre o direito constitucional, a ampla defesa" Segundo ele, é mais benéfico à defesa possibilitar que o réu seja interrogado ao final da instrução, depois de ouvidas as testemunhas arroladas, bem como após a produção de outras provas como eventuais perícias. Nesse caso, conforme o ministro, o acusado terá a oportunidade de esclarecer divergências "que não raramente afloram durante a edificação do conjunto probatório". Quanto à discussão sobre o aspecto formal, o ministro entendeu que o fato de a lei 11.343 /06 ser norma especial em relação ao CPP , "em nada influencia o que até aqui se assentou". "É que, a meu sentir, a norma especial prevalece sobre a geral apenas nas hipóteses em que estiver presente alguma incompatibilidade manifesta insuperável entre elas, nos demais casos, considerando a sempre necessária aplicação sistemática do direito, cumpre cuidar para que essas normas aparentemente antagônicas convivam harmonicamente". Desta forma, entendemos acertada e importante a decisão do Supremo Tribunal Federal, assentando que a modificação no procedimento comum quanto ao momento da realização do interrogatório também se aplica aos procedimentos especiais, inclusive, por força de raciocínio, à lei de drogas . Assim, "na lei nova prevalece outra orientação: o interrogatório é o momento mais importante da autodefesa; é a ocasião em que o acusado pode fornecer ao juiz sua versão pessoal sobre os fatos e sua realização após a colheita da prova permitirá, sem dúvida, um exercício mais completo do direito de defesa, inclusive pela faculdade de permanecer em silêncio (art. 5º , LVIII , CF )." Hoje, mais do que antes, se aceita a ideia de que o interrogatório se trata de um meio de defesa, sendo esta a posição adotada por doutrinadores do porte de Tourinho Filho, Bento de Faria e Jorge Alberto Romeiro, dentre outros. Frederico Marques, por sua vez, defendia o contrário. Tornaghi, identificando o problema como uma questão de "política processual" afirmava que o interrogatório "tanto pode ser aproveitado pela lei para servir como método de prova quanto como instrumento de defesa", sendo, portanto, "meio de prova quando a lei o considera fato probante (factum probans) e é meio de defesa e fonte de prova quando ela entende que ele por si nada prova, mas apenas faz referência ao fato probando e, por isso mesmo, é preciso ir buscar a prova de tudo quanto nele foi dito pelo réu". Nessa linha argumentativa, o Tribunal Pleno, do Supremo Tribunal Federal, modificando o seu posicionamento anterior, decidiu, em recente julgado, que o art. 400 , do CPP , aplica-se a todos os procedimentos especiais penais, em o qual inclui-se aquele previsto, na Lei nº 11.343 /06. Nesse particular, por ser mais benéfica (lex mitior) e harmoniosa com a Constituição Federal , há de preponderar, no processo penal militar (Decreto-Lei nº 1.002 /69), a regra do art. 400 do Código de Processo Penal , devendo ser ressaltado que sua observância não traz, sob nenhuma hipótese, prejuízo à instrução nem ao princípio da paridade de armas entre acusação e defesa. A meu ver, a não observância do CPP na hipótese acarreta prejuízo evidente à defesa dos pacientes, em face dos princípios constitucionais em jogo, pois a não realização de novo interrogatório ao final da instrução subtraiu-lhes a possibilidade de se manifestarem, pessoalmente, sobre a prova acusatória coligida em seu desfavor (contraditório) e de, no exercício do direito de audiência (ampla defesa), influir na formação do convencimento do julgador (GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; SCARANCE FERNANDES, Antônio. As nulidades do processo penal. 12. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 75). Nas palavras de Juarez de Freitas, se a norma especial colidir, parcial ou totalmente, com o princípio superior, há de preponderar o princípio superior (A Interpretação Sistemática do Direito. 5ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 108). Assim, o relator concluiu o voto nos seguintes termos: "Em vista das razões de meu voto e das substanciosas ponderações lançadas pelos membros da Corte durante os debates que acolho, proponho, como orientação, que: a norma inscrita no art. 400 do Código de Processo Penal comum se aplique, a partir da publicação da ata deste julgamento, aos processos penais militares, aos processos penais eleitorais e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial, incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado."(grifo nosso) E arrematou"Não há dúvida, sob a minha ótica, de que a realização do interrogatório do acusado após a oitiva das testemunhas tem como efeito maximizar as garantias do contraditório, ampla defesa e devido processo legal (art. 5º , LV e 5º, LVI, da Constituição da Republica ). Afinal, como é um ato de autodefesa, ao acusado se dá a oportunidade de esclarecer ao julgador eventuais fatos contra si relatados pelas testemunhas. Falando por último, o réu tem ampliada suas possibilidades de defesa". III - Por todo o exposto, verifica-se na hipótese solvenda, apesar do interrogatório do apelante ter sido realizado, em 03/08/2016 (fl. 86/88), a testemunha, Antonio Marcos Pinheiro de Barros, arrolada pela acusação, foi inquirida, só e somente, em 24/04/2017 (fl. 125/126). Bem é de ver, portanto, que a instrução processual, de referência à ação penal encimada, não havia, ainda, sido encerrada, quando publicado o pré-aludido julgado (03/08/2016). No caso dos presentes autos, o interrogatório do réu foi realizado em 03 de agosto de 2016. A incidência da norma prevista no art. 400 do Código de Processo Penal nos ritos especiais, conforme a orientação da Suprema Corte, devem incidir somente nos atos praticados após a publicação do referido julgado e a todos os procedimentos penais regidos por legislação especial incidindo somente naquelas ações penais cuja instrução não se tenha encerrado, o que se adequa ao caso em apreço. Em julgado recente, datado de fevereiro de 2017, o Ministro Relator Dias Toffolli, no julgamento do HC n. 127/900/AM , de igual forma, concluiu que a realização do interrogatório do réu, ao final da instrução criminal, conforme prevê o art. 400 do CPP , deve ser aplicável a todos os procedimentos especiais, preponderando o princípio da ampla defesa sobre o princípio da especialidade. ( RHC XXXXX/PB , rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, DJe 1º/2/2017). Por todo o exposto, voto pela proclamação da nulidade processual, sob referência, com o desiderato de ser anulada a sentença, determinando que se renove o ato de qualificação e interrogatório do réu, seguindo o procedimento previsto no art. 400 do CPP , determinando-se o retorno dos autos ao juízo de origem. Em virtude do reconhecimento da nulidade, julgo prejudicado a análise das teses suscitadas pela defesa. IV- A Procuradoria de Justiça pronunciou-se, as fls. 08 usque 11, pela "nulidade dos atos a partir das alegações finais, bem como que seja proferida nova sentença, à luz do novo interrogatório e das novas alegações finais." RECURSO CONHECIDO e JULGADO PREJUDICADO, em virtude do reconhecimento de ofício, da nulidade da sentença, determinando que se renove o ato de qualificação e interrogatório do réu, seguindo o procedimento previsto no art. 400 do CPP , determinando-se o retorno dos autos ao juízo de origem Des. Abelardo Paulo da Matta Neto