EMENTA: RECURSO INOMINADO. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO ILÍCITO. CHEQUE. DESACORDO COMERCIAL. INOPONIBILIDADE DE CAUSA DEBENDI A TERCEIRO DE BOA-FÉ. SENTENÇA REFORMADA. I. Em sede vestibular, o reclamante alega ser portador de sete cheques (n. XXXXX, 850043, 850044, 850045, 850046, 850052 e XXXXX), emitidos pela parte reclamada, no dia 01/02/2019, totalizando a quantia atualizada de R$ 37.569,05 (trinta e sete mil, quinhentos e sessenta e nove reais e cinco centavos). Diante do não pagamento dos títulos, pugna pela condenação da parte reclamada ao pagamento da referida quantia. O magistrado de origem julgou improcedente o pedido inicial, ao argumento de adimplemento da relação jurídica que embasou a emissão dos cheques. Irresignado, o reclamante suscita a abstração do cheque, repisando os fundamentos da inicial e, assim, requer a procedência do feito. II- O crédito constante em cheque pode ser exigido judicialmente por meio de execução, com prazo de 6 (seis) meses, contados da apresentação (art. 59 da Lei. n. 7.357 /85); ação de locupletamento ilícito, com prescrição de 2 (dois) anos, iniciada no dia em que se consuma a prescrição para a execução (art. 61 da Lei n. 7.357 /85); ação de cobrança ou monitória, caso em que a prescrição é de cinco anos, a contar da emissão do cheque (Súmula 503 do STJ). No caso, cuida de ação de locupletamento ilícito: ?Art. 61 A ação de enriquecimento contra o emitente ou outros obrigados, que se locupletaram injustamente com o não-pagamento do cheque, prescreve em 2 (dois) anos, contados do dia em que se consumar a prescrição prevista no art. 59 e seu parágrafo desta Lei.?. III- A medida elencada dispensa a comprovação da causa debendi, tendo em vista a incidência dos princípios cambiários da autonomia e abstração sobre o cheque, instrumento que constitui ordem de pagamento por si só, sem necessidade de demonstração do negócio jurídico que precedeu sua existência. Neste sentido entendimento do STJ: "DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA EMBASADA EM CHEQUE PRESCRITO. VIABILIDADE. MENÇÃO AO NEGÓCIO JURÍDICO SUBJACENTE. DESNECESSIDADE. OPOSIÇÃO DE EMBARGOS À MONITÓRIA DISCUTINDO O NEGÓCIO QUE ENSEJOU A EMISSÃO DO CHEQUE. POSSIBILIDADE. 1. O cheque é ordem de pagamento à vista, sendo de 6 (seis) meses o lapso prescricional para a execução após o prazo de apresentação, que é de 30 (trinta) dias a contar da emissão, se da mesma praça, ou de 60 (sessenta) dias, também a contar da emissão, se consta no título como sacado em praça diversa, isto é, em município distinto daquele em que se situa a agência pagadora. 2. Se ocorreu a prescrição para execução do cheque, o artigo 61 da Lei do Cheque prevê, no prazo de 2 (dois) anos a contar da prescrição, a possibilidade de ajuizamento de ação de locupletamento ilícito que, por ostentar natureza cambial, prescinde da descrição do negócio jurídico subjacente. Expirado o prazo para ajuizamento da ação por enriquecimento sem causa, o artigo 62 do mesmo Diploma legal ressalva a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança fundada na relação causal. 3. No entanto, caso o portador do cheque opte pela ação monitória, como no caso em julgamento, o prazo prescricional será quinquenal, conforme disposto no artigo 206 , § 5º , I , do Código Civil e não haverá necessidade de descrição da causa debendi 4. Registre-se que, nesta hipótese, nada impede que o requerido oponha embargos à monitória, discutindo o negócio jurídico subjacente, inclusive a sua eventual prescrição, pois o cheque, em decorrência do lapso temporal, já não mais ostenta os caracteres cambiários inerentes ao título de crédito. 5. Recurso especial provido. ( REsp 926312 / SP RECURSO ESPECIAL 2007/XXXXX-0, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, data do julgamento 20/09/2011). Outrossim: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO ILÍCITO. CHEQUE. DEMONSTRAÇÃO DA CAUSA DEBENDI. DESNECESSIDADE. ÔNUS DA PROVA DO REQUERIDO. SENTENÇA MANTIDA. 1. A ação de locupletamento ilícito tem natureza cambial e é regida pelos princípios da cartularidade, literalidade, autonomia e abstração, sendo dispensada a prova do negócio jurídico subjacente à emissão, já que o cheque continua sendo título de crédito, ainda que sem força executiva, desta forma, não há a necessidade de constar nada mais do que a ocorrência do não pagamento. Apelação cível conhecida e improvida. (TJGO, 1ª Câmara Cível, Apelação Cível n. XXXXX-13.2015.8.09.0137 , rel. Desª. Maria das Graças Carneiro Requi, julgado em 15/08/2018, DJe de 15/08/2018). V- Nesse ínterim, a ação foi instruída com prova escrita demonstrativa da certeza e liquidez do débito (ev. 01, arq. 05), tratando-se de documento hábil, por si só, a embasar o feito, pois milita a favor de seu portador. VI- Ademais, conforme dispõe o artigo 17, da Lei do Cheque , o cheque pagável a pessoa nomeada, com ou sem cláusula expressa à ordem, é transmissível por via de endosso. No caso em apreço, a despeito de ter admitido o Reclamante que recebeu os cheques em questão das mãos de terceiro (loja Dot Acabamentos), com quem a parte reclamada haveria negociado a aquisição de louças e revestimentos, é certo que a transferência desses títulos nessa hipótese se deu por mera tradição, tendo a parte reclamada emitido-os ao portador. VII- A circulação, nesse caso, dando-se, conforme dito, com a simples tradição, torna-se credor o seu último portador. Assim, admitindo-se que os cheques tenham se originado de outra relação causal, estabelecida entre a parte reclamada e terceiro, ocorrendo a circulação do título, este adquire abstração em relação ao negócio que lhe deu causa, sendo imponível exceções pessoais do emitente contra terceiro portador da cártula, salvo má-fé deste a cargo do devedor emitente. No caso, apesar de demonstrado o desacordo comercial com o portador primitivo, incabível a defesa alicerçada nesses questionamentos, sem comprovação de má-fé do reclamante, terceiro portador do título. VIII- Destarte, tendo o cheque circulado de maneira regular, o legítimo beneficiário fica protegido contra eventuais exceções levantadas pelo emitente em relação ao negócio que originou o título. Assim, não constando nos autos prova do pagamento da quantia retratada no cheque, a pretensão da parte reclamante é legítima. IX- RECURSO CONHECIDO E PROVIDO, para reformar a sentença e julgar procedente o pedido inicial, para condenar a parte reclamada ao pagamento de valor principal de R$ 33.822,86 (trinta e três mil oitocentos e vinte e dois reais e oitenta e seis centavos). Nos termos definidos pelo colendo Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp nº 1.556.834/SP (Tema 942 do STJ), sob o rito dos recursos repetitivos, tratando-se de crédito resultante de emissão de cheque, ainda que prescrito, deve o montante da dívida ser corrigido monetariamente pelo INPC a partir das datas de emissão das cártulas, além de receber a incidência de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a contar da primeira apresentação à instituição financeira. Sem custas e honorários, nos termos do artigo 55 da Lei 9.099 /95.