PENAL. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. RECONHECIMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. IMPOSSIBILIDADE. REGIME MAIS GRAVOSO. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE. 1. Apelação criminal interposta pelos réus contra sentença que os condenou pela prática do delito previsto no art. 33 , caput, c/c o art. 40 , I , ambos da Lei 11.343 /2006, às penas de 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 800 (oitocentos) dias-multa. 2. Narra a denúncia que os réus foram presos em flagrante, no dia 02/02/2018, na cidade de Boa Vista/RR, por importar, transportar e trazer consigo 2.130 (dois mil cento e trinta) gramas de cocaína, provenientes da República Bolivariana da Venezuela. Afirma também que os acusados confessaram que cada um havia ingerido, na Venezuela, 64 (sessenta e quatro) cápsulas de cocaína, com o fim de transportá-las para o Brasil, com a finalidade comercial, e em troca de quinhentos reais. 3. A materialidade e a autoria do delito ficaram comprovadas pelo Auto de Apreensão e Apresentação; Laudo Preliminar de Constatação; Laudo Pericial de Química Forense nº 044/2018, que resultou positivo para a substância "cocaína", droga relacionada na lista de substâncias entorpecentes de uso proibido no Brasil; assim como pelo depoimento das testemunhas e interrogatório dos réus que confessaram o delito, tanto em sede policial quanto em juízo. 4. Os réus confessaram ter ingerido, ainda na Venezuela, 64 (sessenta e quatro) cápsulas contendo cocaína, cada um, com o intuito de transportá-las para o Brasil, sob a promessa de paga feita por pessoa que não identificada nesses autos, tendo afirmado também já terem realizado o transporte de droga outras vezes entre a Venezuela e o Brasil e que quando chegavam ao Brasil, várias pessoas diferentes entravam em contato para buscar a droga. 5. Dosimetria. Levando em conta, preponderantemente, a natureza e a quantidade da droga o magistrado fixou a pena-base em 05 (cinco) anos e 06 (seis) meses de reclusão. Na segunda fase, presente a atenuante da confissão a pena foi fixada em 05 (cinco) anos de reclusão. Na terceira etapa, ante a existência da causa de aumento prevista no art. 40 , I , da Lei 11.343 /2006, a pena foi majorada em 1/3 (um terço), ficando em 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão e 800 (oitocentos) dias-multas. 6. O § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343 /2006 dispõe que, para o crime de tráfico de entorpecentes e suas figuras equiparadas, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), desde que o agente seja primário, possua bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e não integre organização criminosa. 7. No caso, muito embora a participação dos réus no delito não deixe antever que estes integrariam organização criminosa, fica evidente que se dedicam às atividades criminosas, pois confessaram não ser a primeira vez que viajavam a serviço do tráfico internacional de drogas. Além disso, A quantidade de drogas trazidas foi de 2.130 (dois mil cento e trinta) gramas de cocaína, o que não pode ser considerado ínfimo. Portanto, apesar da quantidade da droga e do modo de transporte (ingestão), os réus não têm direito ao reconhecimento o tráfico privilegiado. 8. O Superior Tribunal de Justiça possui jurisprudência no sentido de que não preenche os requisitos para o reconhecimento da figura do tráfico privilegiado o réu que se dedica às atividades ilícitas, fazendo do tráfico seu meio de vida (AgRg no HC XXXXX/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 05/05/2020, DJe 12/05/2020; HC XXXXX/SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 19/05/2020, DJe 27/05/2020). 9. No tocante ao regime da pena, melhor sorte socorre aos recorrentes, pois prevê o art. 33 , § 2º , b, do CP que para "o condenado não reincidente, cuja pena seja superior a 4 (quatro) anos e não exceda a 8 (oito), poderá, desde o princípio, cumpri-la em regime semi-aberto". 10. O magistrado fixou o regime mais gravoso, o fechado, fundamentando sua decisão no fato de "na situação concreta, a substância e quantidade da droga em questão, mais de dois quilos de cocaína, droga que possui maior grau de nocividade, bem como a forma de execução do crime (trazer cocaína ingerida), recomenda a imposição de regime prisional mais gravoso", circunstância aliada ao fato de os réus serem estrangeiros "e não possuir residência no Brasil implica num risco de o sentenciado furtar-se da aplicação da lei penal, o que, também, justifica o cumprimento da pena inicialmente no regime fechado". 11. A jurisprudência do Superior de Justiça é no sentido de que a quantidade e qualidade da droga apreendida podem ser utilizadas como fundamento para a fixação do regime mais gravoso e a vedação à substituição da sanção privativa de liberdade por restritiva de direitos. Precedente: AgRg no AREsp XXXXX/SP , Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 28/6/2016, DJe 1º/8/2016. 12. Na espécie, em atenção ao art. 33 , § 2º , alínea b, do CP , c/c o art. 42 , da Lei n. 11.343 /2006, em que pese a reprimenda corporal final tenha sido fixada em patamar superior a 04 (quatro) e não excedente a 08 (oito) anos - 06 (seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão -, o magistrado a quo concluiu pela impossibilidade de imposição de regime semiaberto para o início do cumprimento da pena. 13. No caso concreto, a quantidade da substância entorpecente apreendida, embora não possa ser considerada ínfima - porquanto totaliza 2.130 (dois mil cento e trinta) gramas de cocaína -, por si só, não justifica a imposição de regime prisional mais gravoso, o qual deve ser afastado. 14. O fato de os réus serem estrangeiros também não pode ser invocado para recrudescer o regime de cumprimento da pena, pois a jurisprudência de nossos tribunais é no sentido de que "[...] A condição jurídica de não-nacional do Brasil e a circunstância de o réu estrangeiro não possuir domicílio em nosso país não legitimam a adoção, contra tal acusado, de qualquer tratamento arbitrário ou discriminatório. ( HC n. 94.016 , Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 16/9/2008, publicado em 27/2/2009). 15. Consoante a orientação do Supremo Tribunal Federal o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a condição de estrangeiro, em situação irregular no país, não constitui óbice, por si só, à concessão do benefício da progressão de regime prisional ( HC XXXXX/SP , Rel. Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, julgado em 22/10/2013, DJe 19/12/2013). 16. Diante da primariedade dos réus, das circunstâncias judiciais favoráveis, do quantum de pena fixado e da quantidade de entorpecentes apreendidos - que não se mostra elevada o suficiente para o recrudescimento do regime prisional - o regime inicial deve ser o semiaberto. 17. Mantêm-se, no mais, os termos da sentença, inclusive sobre a subsistência dos fundamentos da prisão preventiva que foi mantida para resguardar a ordem pública. 18. Apelações providas em parte apenas para fixar o regime de pena semiaberto para o início de cumprimento da pena.