PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. TENTATIVA DE HOMÍCIDIO QUALIFICADO (ART. 121 , § 2º , INCISOS I E IV , C/C O ART. 14 , INCISO II , E ART. 69 , TODOS DO CÓDIGO PENAL ). PRELIMINARES DE NULIDADE AFASTADAS. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA. 1. Apelação interposta pelo Ministério Público Federal contra sentença que absolveu os réus Faberson Mattos de Oliveira, Fábio Diego Mattos de Oliveira e Paulo Roberto de Souza Simões, da pretensão punitiva estatal de condená-los pela prática do crime previsto no art. 121 , § 2º , incisos I e IV , c/c o art. 14 , inciso II , e art. 69 , todos do Código Penal . 2. Narra a denúncia que, na madrugada do dia 19/04/2019, na Avenida Pedro Teixeira, próximo à casa noturna "Le Gens 300", Bairro Dom Pedro, Manaus/AM, Alan Kennedy de Souza Nascimento (processo desmembrado), Faberson Mattos Oliveira, Fábio Diego Mattos Oliveira e Paulo Roberto de Souza Simões, em concurso de agentes, tentaram matar os agentes da Polícia Federal Rafael de Paiva Panno e Glayson de Almeida Guimarães. 3. Ao apelar, o MPF suscita, preliminarmente, pela nulidade do julgamento realizado pelo Júri Popular, na medida em que houve inobservância da regra prevista no art. 479 do CPP , bem como irregularidade da entrega de documentos aos jurados contendo grifos, marcas e/ou anotações. No mérito, sustenta que as provas dos autos são aptas a confirmar que os réus saíram da boate "Le Gens 300" logo após as vítimas (agentes da Polícia Federal) e dispararam os projéteis de arma de fogo quando estas se aproximavam de viatura disfarçada da Polícia Federal. Diante desse contexto, requer a cassação da decisão absolutória, pois manifestamente contrária às provas dos autos. 4. Preliminar de inobservância da disposição do art. 479 do CPP . Respeitado o prazo mínimo de 03 (três) dias, previstos no art. 479 do CPP , não há qualquer vedação legal no tocante à apresentação de documentos que auxiliem a parte na sustentação de sua tese. As fotografias protocoladas 03 (três) dias antes da sessão de julgamento configuram somente mais um documento, além daqueles já insertos nos autos, atinente à matéria sobre a tortura praticada por agentes da polícia federal em face dos apelados, a qual já era conhecida de ambas as partes muito antes da sessão de julgamento, não se comprovando como um elemento surpresa para a acusação. 5. Desse modo, não foram suficientes a causar qualquer prejuízo, inclusive sem afetar os ânimos e a íntima convicção dos jurados na análise dos fatos narrados na denúncia. 6. Preliminar de irregularidade da entrega de documentos marcados e grifados aos jurados na sessão de julgamento. Quanto à distribuição aos jurados de documentos previamente grifados pela defesa, melhor sorte não socorre a irresignação do órgão de acusação. 7. Limita-se o órgão acusatório a afirmar, pura e simplesmente, que os jurados foram influenciados pelas marcações realizadas no texto de alguns documentos que teriam sido distribuídos aos julgadores leigos, sem, contudo, demonstrar a ocorrência de algum acontecimento durante o julgamento que possa fazer chegar a essa conclusão. As marcações, por elas mesmas, sem qualquer outra digressão, não podem ser consideradas suficientes a ensejar alteração na convicção do conselho de sentença, até porque, como bem asseverado pelo juízo de primeiro grau, os mesmos documentos estão insertos nos autos da ação penal, de forma original, além de não terem sido alterados em sua substância, razão por que estavam aptos a serem mostrados aos jurados. Não há, neste particular, qualquer demonstração pelo MPF da ocorrência de prejuízo. Trata-se de mera alegação retórica, desprovida de fundamento jurídico e repleta de subjetividade. Precedente do STJ. Preliminar afastada. 8. A conclusão do Júri somente deve ser afastada se as provas contidas nos autos, vistas em conjunto e na apreciação de um julgador racional e razoável, forem suficientes para demonstrar, de forma clara e convincente, que a decisão é "manifestamente contrária à prova dos autos", conforme previsão do art. 593 , III , d , do CPP . 9. No tocante aos apelados, o Júri respondeu negativamente ao segundo quesito, relativo à autoria, negando que eles tivessem concorrido para o crime, ou seja, que tenham desferido disparos de arma de fogo contra as vítimas. 10. É cediço que "no Processo Penal cabe à acusação demonstrar e provar que a conduta do agente se amolda ao tipo penal, com a presença de todos os seus elementos" (TRF1, ACR XXXXX-94.2006.4.01.3500/GO , Rel. Desembargador Federal MÁRIO CÉSAR RIBEIRO, Quarta Turma, e-DJF1 p. 50 de 22/03/2012). 11. No caso, embora as imagens do circuito interno de TV da boate "Le Gens 300" tenham mostrado a saída dos apelados logo após as vítimas, não existe uma prova cabal que foram eles que, após esse momento, praticaram o crime tentado de homicídio qualificado em face dos agentes da Polícia Federal. 12. O depoimento prestado pela testemunha Dayseanne Aguiar Duarte na fase de investigação, no qual o MPF entende que pelo sorriso oferecido pelo acusado Allan Kennedy, ao ser questionado acerca do tiroteio próximo a boate, é condição suficiente a comprovar a ação criminosa, mostra-se vazio e despido de força jurídica. O esboço de sentimentos não é e nem nunca foi motivo para condenar nenhum cidadão, ainda mais quando não alicerçado de qualquer prova objetiva capaz de confirmar que um sorriso pode ser equivalente a um "sim" na consumação de determinada infração penal. 13. Da interceptação telefônica colacionada nas razões recursais pelo MPF, em que há um diálogo transcrito entre Marley e Boca, ainda que faça referência à prisão do acusado Allan Kenney e que isso decorreu por ato praticado pelo "o filho da galinha", não se verifica qualquer informação útil e hábil a demonstrar que essas informações estão relacionadas ao crime, em análise. 14. Não se olvide argumentar, ainda, que a resposta escrita da defesa apresentada em favor dos apelados e o depoimento do apelado Fábio Diego Mattos de Oliveira no máximo podem ser consideradas como confissões qualificadas, visto que se pode concluir dos atos processuais que ocorreu uma reação dos apelados à ação praticada pelas vítimas, recaindo a hipótese em legítima defesa (excludente de ilicitude). 15. É possível a condenação de acusados com base em confissão, ainda que qualificada, utilizada para a formação do convencimento do julgador, conforme previsão da Súmula 545 do STJ. Nos julgamentos proferidos pelo Tribunal do Júri, a aferição exigida pelo enunciado sumular mostra-se particularmente complicada, tendo em vista que os jurados não necessitam fundamentar sua decisão, de modo que, na maioria das vezes, não é possível concluir se o Conselho de Sentença levou em conta a confissão do acusado para formar sua convicção. 16. Ainda que fosse possível o reconhecimento da confissão para efeito condenatório, os jurados concluíram em sentido diverso, isto é, que os apelados não concorreram para a prática delitiva, mostrando-se, portanto, inviável tal consideração pelo Tribunal revisor, de forma a assegurar a soberania dos veredictos. 17. Apelação a que se nega provimento.