ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PODER JUDICIÁRIO Juízo de Vitória - Comarca da Capital - 3º Juizado Especial Criminal e Fazenda Pública Rua Pedro Palácios, 105, Fórum Criminal, Centro, VITÓRIA - ES - CEP: 29015-160 Telefone:(27) 31983122 PROCESSO Nº XXXXX-15.2023.8.08.0024 PROCEDIMENTO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA (14695) REQUERENTE: CARLOS HENRIQUES MARTINS PEREIRA REPRESENTANTE: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO REQUERIDO: ESTADO DO ESPÍRITO SANTO PROJETO DE SENTENÇA Vistos, etc. Dispensado o relatório, a teor do artigo 38 da Lei 9.099 /95. I - FUNDAMENTAÇÃO Trato, aqui, de “Ação de Obrigação de Fazer” ajuizada por Carlos Henrique Martins Pereira , ora Requerente, em face do Estado do Espírito Santo, ora Requerido. O Requerente argumenta que tem dificuldades para enxergar e que após realizar diversos exames lhe foi receitado o uso de óculos multifocal, em Julho/2023. Afirma que procurou o Centro Regional de Especialidades e foi informado que o item está indisponível e sem previsão de quando será adquirido para fornecimento no programa de órtese e prótese oftalmológica. Postula o fornecimento do óculos nas condições prescritas pelo laudo médico. Tutela de urgência indeferida no id XXXXX. Citado, o Requerido traz preliminar e argumenta que não há urgência médica a justificar a burla à fila e que o deferimento do pedido importa em violação ao princípio da isonomia, inexistindo risco ao Requerente. Reputo o feito pronto para julgamento, mormente considerando que a matéria fática já foi devidamente demonstrada e que resta apenas aferir o direito aplicável à espécie, na forma do art. 335 , inciso I , do Código de Processo Civil . A preliminar de ausência do interesse de agir não merece acolhida, na medida em que restou demonstrada a pretensão resistida e a intenção do Requerente em obter insumo médico que até o presente momento não foi efetivamente realizado. REJEITO. Diz o Requerente que o médico oftalmologista do Hospital da Santa Casa de Misericórdia de Vitória lhe receitou óculos multifocal no id Num. XXXXX - Pág. 1 e que por não ter condições financeiras de adquiri-lo, compareceu no CRE Metropolitano, de onde recebeu a declaração de id Num. XXXXX com o seguinte teor: “Declaramos que o item solicitado não está sendo fornecido no momento [...] aguardamos nova licitação”. O Requerido trouxe a declaração da Superintendência Regional de Saúde de Vitória, com acréscimo de que “prótese encontra em processo de licitação sem data prevista de retorno” (id XXXXX). O parecer do NAT, reproduzido no id Num. XXXXX concluiu que: “As lentes multifocais ou lentes progressivas corrigem a presbiopia, a famosa vista cansada, que costuma aparecer a partir dos 40 anos. Então, elas recebem esse nome (multifocais/progressivas) devido aos diferentes pontos de foco em uma única lente. Sabe-se que o Fornecimento de “Óculos com lentes corretivas iguais/maiores que 0,5 dioptrias” é ofertado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), segundo o Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos do SUS (Tabela SIGTAP), inscrito sob o código XXXXX-0, que consiste em óculos para corrigir miopias, hipermetropias, astigmatismos, presbiopia e para baixa visão. Sabe-se que o Governo do Estado do ES por meio do Programa de Órtese e Prótese Oftalmológica da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), oferta óculos para os pacientes, mediante encaminhamento por oftalmologista do Sistema Único de Saúde (SUS). Assim, cabe a Requerente obter a prescrição de óculos por um serviço do SUS, e se dirigir ao CRE Metropolitano para solicitar a confecção do mesmo. Considerando que o paciente apresenta ao exame oftalmológico indicação de uso de lentes multifocais, considerando que este tipo de lente é ofertada pelo SUS, entendemos que há indicação do uso de óculos com lente multifocal. Cabe a SESA disponibilizar o item pleiteado..” Noto que o NATJUS entendeu pela necessidade de fornecimento do óculos, com a ressalva de que o prazo de espera não pode ser considerado excessivo. As normas constitucionais que versam sobre concessões e proteção de direitos e garantias devem ser interpretadas extensivamente e não de modo a restringir o seu alcance, principalmente quando estão sopesados interesses antagônicos, de um lado o patrimonial dos entes públicos e de outro o da dignidade da pessoa humana, da vida, da saúde. Ademais, a limitação das finanças do poder público não pode ser invocada pelo Requerido, para eximir-se de sua responsabilidade de prestar assistência à saúde do Requerente, mormente quando estão em comento o seu direito à vida e à saúde que encontram amparo no princípio da dignidade da pessoa humana e que são um "mínimo existencial" que o Judiciário possui o dever de garantir. Alicerçado nos princípios mais essenciais do Estado Social Democrático, a Constituição Republicana, nos termos preconizados no artigo 196, consagra que a saúde é direito de todos e dever do Estado, que a prestará mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação, prevendo, ainda, a responsabilidade do Estado em assegurar a prestação de cuidados de saúde à população, com caráter obrigatoriamente gratuito. Pretende-se, desta forma, assegurar ao cidadão um serviço nacional de saúde universal, prestado de forma gratuita e igualitária. Assim, a atividade médica prestada por meio do SUS, nos serviços hospitalares de natureza pública e privada prestadora de serviços públicos, seja qual for a sua estrutura jurídica, deve ser considerada como atividade de gestão pública. Em sendo função do poder público a garantia da saúde dos cidadãos, é dever do ente público fornecer as lentes de que necessita a Requerente, pois indispensável à sua saúde, sob pena de afronta à Constituição Federal , bem como à Lei Estadual que regulamenta a matéria. Notória a necessidade de uso do óculos prescrito pelo médico assistente, também é evidente a obrigação do Requerido no seu fornecimento, como extraio do seguinte julgado proveniente do TJ/RS: Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. SAÚDE PÚBLICA. ASTIGMATISMO. FORNECIMENTO DE ÓCULOS DE GRAU. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FADEP. ISENÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. O fornecimento gratuito de medicamentos e demais serviços de saúde constitui responsabilidade solidária da União, dos Estados e dos Municípios, derivada do artigo 196 da Constituição Federal c/c o art. 241 da Constituição Estadual. Na espécie, analisando o Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos do Sistema Único de Saúde (SIGTAP), verifica-se que o fornecimento de óculos de grau consta na tabela do SUS. Conforme decisão do Ministro Gurgel de Faria , no Agravo em Recurso Especial nº 1612247 - MG (2019/XXXXX-6), julgado em 25 de junho de 2020, nos moldes do art. 11 , § 2º , do Estatuto da Criança e do Adolescente , incumbe ao Poder Público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem medicamentos, órteses, próteses e outras tecnologias assistivas relativas ao tratamento, habilitação ou reabilitação para crianças e adolescentes, de acordo com as linhas de cuidado voltadas às suas carências específicas. Assim, tem-se o dever do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Viamão em fornecerem o tratamento pretendido pela demandante. É descabida a condenação do Estado do Rio Grande do Sul ao pagamento de honorários advocatícios em favor de órgão do próprio Estado (Defensoria Pública). Apelos desprovidos. (Apelação / Remessa Necessária, Nº XXXXX20168210039, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marco Aurélio Heinz , Julgado em: 06-09-2022) Penso que o médico que acompanha o paciente possui competência para determinar a urgência e especificar qual o procedimento correto e a forma de realizá-lo, de sorte que a demora ou a inadequação do atendimento prescrito, acarretará sérios prejuízos à vida e à saúde da paciente já fragilizado pela doença, que não pode ficar aguardando em filas nem sujeitar-se aos entraves internos adotados pela administração, pois estes dificultam e atrasam o fornecimento do tratamento médico adequado, competindo ao Poder Público criar mecanismos céleres para a disponibilização dos procedimentos prescritos, aos quais o cidadão somente obtém acesso mediante a concessão de medidas judiciais. Vale lembrar, por oportuno, que os argumentos invocados pelo ente público estão estampados na Carta Constitucional, da mesma forma que os direitos da Requerente se consubstanciam em preceitos constitucionais, impondo-se, desse modo, a realização de uma ponderação de princípios quando ambos direitos forem constitucionalmente previstos. Nessas circunstâncias, não há falar em quebra da ordem de atendimento, tampouco em violação aos princípios da isonomia e da legalidade, impondo-se a concessão da tutela pretendida. Friso que deve ser observado o que estabelece o Enunciado nº 93 da III Jornada de Direito de Saúde do Conselho Nacional de Justiça, que assim dispõe: "Nas demandas de usuários do SUS por acesso a ações de serviços de saúde eletivos previstos nas políticas públicas, considera-se excessiva a espera do paciente por tempo superior a 100 (cem) dias para consultas e exames e de 180 dias para cirurgias e tratamentos" (destaquei). II - DISPOSITIVO Por todo o exposto, REJEITO a preliminar e JULGO PROCEDENTE, a pretensão deduzida na inicial, para condenar o requerido Estado do Espírito Santo, a disponibilizar ao Requerente Carlos Henriques Martins Pereira os óculos multifocais prescritos no id Num. XXXXX, no prazo de 60 (sessenta) dias, sob pena de multa a ser oportunamente fixada e sem prejuízo da adoção de outras providências para o cumprimento da ordem. Por conseguinte, JULGO EXTINTO O PROCEDIMENTO EM PRIMEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO, o que faço amparado no que preceitua o art. 487, inciso I, do Estatuto Processual Civil. Ante a possibilidade de dano e, considerando que eventual recurso contra a sentença terá somente efeito devolutivo, conforme art. 43 da Lei nº 9.099 /95, CONCEDO A TUTELA DE URGÊNCIA para determinar ao Requerido que cumpra a obrigação de fazer imediatamente, sob pena de multa diária a ser oportunamente arbitrada. Intime-se pelo PLANTÃO JUDICIÁRIO para ciência da antecipação de tutela, servindo-se esta de mandado. Sem custas nem verba honorária (arts. 55 da Lei Federal nº 9.099 /1995). Opostos Embargos de Declaração e, havendo efeitos infringentes, intime-se a parte embargada para, querendo, oferecer contrarrazões, no prazo de 05 (cinco) dias úteis. Em seguida, voltem os autos conclusos. Havendo interposição de recurso inominado, intime-se a parte recorrida para, querendo, apresentar contrarrazões, no prazo de 10 (dez) dias úteis (art. 42 da Lei Federal nº 9.099 /1995 c/c 219 do Estatuto Processual Civil). Após, encaminhem-se os presentes autos para a Turma Recursal, sendo desnecessário o juízo de admissibilidade nesta instância, nos termos do artigo 1.010, § 3º, do Estatuto Processual Civil. CPC . Certificado o trânsito em julgado e tudo cumprido, arquive-se. Submeto à apreciação do Juiz Togado para homologação do projeto de sentença, nos termos do artigo 40 da Lei nº 9.099 /95. Vitória/ES, 20 de fevereiro de 2024. FELIPE GUEDES STREIT Juiz Leigo SENTENÇA Homologo o projeto de sentença apresentado pelo Juiz Leigo, na forma do art. 40 da Lei no 9.099 /95. P. R. I. VITÓRIA-ES, 20 de fevereiro de 2024. Juiz (a) de Direito