STJ - HABEAS CORPUS: HC XXXXX RJ XXXX/XXXXX-5
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO MAJORADO. ESTUPRO. CONDENAÇÃO FUNDAMENTADA EM RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO. CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 226 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL . INCONSISTÊNCIAS NAS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA. FRAGILIDADE PROBATÓRIA. AUSÊNCIA DE OUTRA FONTE MATERIAL INDEPENDENTE DE PROVA. LEADING CASE D A SEXTA TURMA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: HC XXXXX/SC , REL. MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PE RDA DE UMA CHANCE PROBATÓRIA. ACUSAÇÃO QUE DEIXOU DE PRODUZIR PROVA RELEVANTE. FILMAGENS DO LOCAL EM QUE PRATICADO O DELITO NÃO SOLICITADAS OU ANALISADAS PELOS ÓRGÃOS DE PERSECUÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO DE RIGOR. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. 1. O reconhecimento pessoal realizado em solo policial e judicial não observou o procedimento previsto no art. 226 do Código de Processo Penal e inexiste fonte material independente de prova apta a fundamentar o édito condenatório. Ademais, as declarações da vítima apresentaram diversas inconsistências e houve interferência direta dos agentes estatais no ato de reconhecimento, prejudicando, assim, a fiabilidade da prova. 2. Além das sérias inconsistências e das indevidas interferências no procedimento de reconhecimento, houve grave falha na persecução penal, relativamente à produção de provas. De fato, os crimes teriam sido praticados no interior de um ônibus e a própria denúncia indica que haveria outros passageiros no referido veículo no momento dos fatos, todos eles, in casu, potenciais testemunhas da ação delitiva. No entanto, nenhum dos referidos passageiros, à exceção da ofendida, foi ouvido, seja em juízo ou em solo policial. Ainda, durante a investigação preliminar, a autorida de policial requisitou à empresa responsável pelo ônibus em que praticados os crimes informações sobre a existência de imagens do momento da conduta. A referida empresa indicou não notar "nenhuma ação anormal em nenhum dos 12 coletivos" no interregno de tempo mencionado pela autoridade, e se prontificou a enviar os arquivos contendo as imagens para os órgãos estatais competentes, os quais, contudo, se mantiveram inertes e não solicitaram o traslado das imagens ao caderno probatório, o que chama a atenção, pois, em um contexto de fragilidade probatória, o depoimento dos demais passageiros do veículo coletivo e a filmagem do circuito interno de monitoramento do ônibus onde foi praticado o crime poderiam pôr a termo esse cenário de incerteza, comprovando a tese acusatória ou até mesmo atestando a inocência do Acusado. 3. Aplica-se, ao caso, a teoria da perda de uma chance probatória, a qual dispõe que "o Estado não pode perder a oportunidade de produzir provas contra o acusado, tirando-lhe a chance de um resultado pautado na (in) certeza. Todas as provas possíveis se constituem como preceitos do devido processo substancial, já que a vida e a liberdade do sujeito estão em jogo" (ROSA, Alexandre Morais da. RUDOLFO, Fernanda Mambrini. A teoria da perda de uma chance probatória aplicada ao processo penal. In Revista Brasileira de Direito. v. 13, n. 3, dez. 2017, p. 464; sem grifos no original.Disponível em: php/revistadedireito/article/view/2095/1483>). 4. Apesar de os fatos serem gravíssimos e ser dever do Estado não incorrer em proteção insuficiente aos bens jurídicos merecedores de tutela penal, essa obrigação não pode ser cumprida da maneira mais cômoda, com a prolação de condenações baseadas em prova frágil, mormente quando possível a produção de elemento probatório que, potencialmente, possa resolver adequadamente o caso penal. É de se concluir, portanto, que a prova produzida não pode lastrear, por si só, o decreto condenatório, impondo-se a absolvição do Paciente. De fato, em razão da grave falha instrutória, a condenação foi amparada tão somente no reconhecimento fotográfico realizado com a interferência direta de agentes estatais e no depoimento da vítima prestado em juízo que apresentou inconsistências substanciais na descrição do sujeito. Não foram ouvidas outras testemunhas, não houve confissão por parte do Réu e a res furtiva não foi apreendida em s eu poder. 5. Ordem de habeas corpus concedida para absolver o Paciente, nos termos do art. 386 , inciso V , do Código de Processo Penal .