PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Segunda Câmara Criminal 2ª Turma Processo: APELAÇÃO CRIMINAL n. XXXXX-71.2021.8.05.0146 Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal 2ª Turma APELANTE: HIAGO SOUZA SANTOS CARVALHO Advogado (s): DOUGLAS SOUZA LISBOA APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA Advogado (s): DIREITO PENAL. DIREITO PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE DROGAS (ART. 33 , CAPUT, DA LEI Nº 11.343 /2006), DIREÇÃO PERIGOSA E SEM HABILITAÇÃO, EM CONCURSO MATERIAL (ARTS. 309 E 311 , AMBOS DA LEI Nº 9.503 /1997). APELANTE CONDENADO ÀS PENAS DE 3 (TRÊS) ANOS RECLUSÃO E 150 (CENTO E CINQUENTA) DIAS-MULTA PELO CRIME DE TRÁFICO, ALÉM DE 12 (DOZE) MESES DE DETENÇÃO PELOS CRIMES DE DIREÇÃO PERIGOSA E SEM HABILITAÇÃO. REGIME SEMIABERTO. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR PENA PRIVATIVA DE DIREITO. RECURSO DEFENSIVO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DAS PROVAS COLHIDAS NA FASE INVESTIGATÓRIA. INACOLHIMENTO. DILIGÊNCIAS POLICIAIS PRECEDIDAS DE FUNDADAS RAZÕES QUE LEVARAM À SUSPEITA DA PRÁTICA DELITIVA. CRIME PERMANENTE. ESTADO DE FLAGRÂNCIA. PRESCINDIBILIDADE DE MANDADO JUDICIAL. PLEITO ABSOLUTÓRIO COM RELAÇÃO AO CRIME DE DIREÇÃO PERIGOSA. REJEIÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS CONFIRMADAS. CREDIBILIDADE DOS DEPOIMENTOS PRESTADOS PELOS POLICIAIS MILITARES. RECURSO MINISTERIAL. PEDIDO DE REVISÃO DA DOSIMETRIA DA PENA. PLEITO DE NÃO APLICAÇÃO DO ART. 33 , § 4º DA LEI DE DROGAS . REVALORAÇÃO DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. PLEITO PARA AFASTAMENTO DO TRÁFICO PRIVILEGIADO. ACOLHIMENTO. REQUISITOS DO TRÁFICO PRIVILEGIADO NÃO PREENCHIDOS. REINCIDÊNCIA CONFIGURADA. PRECEDENTES. PARECER DA D. PROCURADORIA DE JUSTIÇA PELO CONHECIMENTO E IMPROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO E ACOLHIMENTO DO RECURSO DA ACUSAÇÃO. APELO DA DEFESA CONHECIDO E IMPROVIDO. APELO MINISTERIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. Trata-se de Apelação Criminal interposta contra sentença prolatada pelo MM. Juízo de Direito da 1ª Vara Criminal da Comarca de Juazeiro/BA, Dr. Eduardo Ferreira Padilha, que, nos autos de nº XXXXX-71.2021.8.05.0146 , julgou procedente o pedido constante na denúncia oferecida pelo Ministério Público do Estado da Bahia para condenar o Réu à pena de 03 anos de reclusão, com pena de multa de 150 (cento e cinquenta) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo, com relação ao crime previsto no artigo 33 , § 4º , da Lei 11.343 /2006 (tráfico), bem como 12 meses de detenção, pelos crimes previstos nos arts. 311 e 309 (direção perigosa e sem habilitação), ambos da Lei nº 9.503 /1997, em concurso material, em regime semiaberto. 2. Extrai-se, ainda que foi convertida a pena privativa de liberdade em duas penas restritivas de direito, nas modalidades previstas no art. 43 , IV e III do Código Penal , ou seja, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, por um período igual ao da pena privativa de liberdade aplicada, em entidade a ser designada pela execução, bem como a limitação de final de semana na forma indicada pelo Juízo da execução. 3. Narra a inicial acusatória que no dia 25 de maio de 2021, a Polícia Civil, que já vinha investigando o acusado, recebeu informações da prática de tráfico de drogas e que o ora acusado estaria se utilizando de um veículo para fazer a entrega. Ato contínuo, dirigiram-se até o local informado, entre a Rua Evilásio da Silva, no Bairro Novo Encontro e a Escola da Polícia Militar, na cidade de Juazeiro/BA, e avistaram o referido veículo, placa PLC0639. Ao identificar os policiais, o Réu empreendeu fuga utilizando o seu veículo, pondo em risco várias pessoas diante da alta velocidade empregada no momento, sendo abordado próximo à Escola Militar, onde foi constatado que o Apelante conduzia veículo sem habilitação, relatando aos agentes da lei ter dispensando as drogas e o celular no trajeto e indicando ainda possuir entorpecentes em depósito na casa dos seus pais, situada a Rua C, no 07, bairro 5 Jardim Novo Encontro, onde foram apreendidas duas pedras médias de crack, uma pedra média de cocaína, uma sacola plástica com um invólucro de cocaína, outra contendo maconha e uma balança de precisão ressaltando que os policiais o encontraram o celular dispensado pelo acusado durante a sua fuga. 4. Após a realização da perícia, restou constatado que havia dois invólucros plásticos com 22,07g (vinte e dois gramas e sete centigramas) com resultado positivo para cocaína, 02 fragmentos de substância sólida com peso de 63,64g (sessenta e três gramas e sessenta e quatro centigramas) com resultado positivo também para cocaína, 01 invólucro com resultado para cocaína com peso de 55,24g (cinquenta e cinco gramas e vinte e quatro centigramas), outro invólucro com peso de 8,33g (oito gramas e trinta e três centigramas) com resultado para cocaína e mais um outro invólucro plástico com resultado positivo para maconha com peso de 466,07g (quatrocentos e sessenta e seis gramas e sete centigramas), além da balança de precisão. 5. Não há nulidade por violação de garantia fundamental, pois o Apelante autorizou a entrada dos policiais, abrindo a porta com o controle remoto do portão e, mesmo se assim não fosse, o policial tem legitimidade para adentrar o domicílio do suspeito sem sua autorização ou ordem judicial, na hipótese de fundada suspeita de tráfico de drogas e comprova o fato, caracterizando a situação de flagrante excepcionada no art. 5º , XI , da CF , mormente diante do fato de o delito de tráfico de drogas ser de natureza permanente. 6. Oportuno registrar que a função de policial não afasta a credibilidade dos depoimentos prestados, mormente quando se apresentam coerentes e harmônicos com os demais elementos e circunstâncias colhidos dos autos, e quando oferecidos em juízo, sob o manto do contraditório e da ampla defesa. 7. Convém gizar, ainda, que o princípio da inviolabilidade do domicílio é excepcionado pela própria Constituição Federal nas hipóteses de flagrante delito, desastre, prestação de socorro ou determinação judicial, consoante previsto no art. 5º, XI. 8. Saliente-se que não houve irresignação por parte do Réu com relação a autoria e materialidade nos crimes previstos no art. 309 da Lei 9.593 /97 (dirigir sem habilitação), sendo, neste caso, réu confesso, e do crime de tráfico, limitando-se a alegar a nulidade da produção de provas por violação de domicílio, inexistência de provas relativas ao crime de direção perigosa, bem como pleitear a manutenção da benesse por tráfico privilegiado. 9. A materialidade e autoria delitivas com relação ao crime de direção perigosa restaram suficientemente comprovadas pelo conjunto probatório, em especial, pelo inquérito policial ID nº 25731401, bem como pelos depoimentos dos policiais que realizaram o flagrante. 10. In casu, as provas coligidas no presente feito demonstram que, de fato, o Apelante conduzira o veículo Crossfox empreendendo alta velocidade. Destaque-se que o próprio Réu, durante seu interrogatório, confessou mais de uma vez que na ocasião em que fora preso, estava dirigindo em alta velocidade e só parou quando os policiais ligaram as sirenes e apontaram as armas. Afirmou também que não possuía carteira de motorista. 11. À vista deste cenário, portanto, conclui-se que a defesa não se desincumbiu do ônus de provar a sua versão dos fatos, sendo de rigor a manutenção da condenação do Réu por direção perigosa, nas proximidades de uma instituição escolar, gerando, portanto, perigo. 12. Em atenção ao princípio da ampla devolutividade do apelo manejado contra a sentença proferida por juízo singular, registro que a pena imposta ao condenado referente ao crime de tráfico merece reparo com relação à dosimetria. 13. Na primeira fase, o magistrado a quo, sopesando as circunstâncias judiciais, com valoração negativa aos vetores antecedentes e circunstâncias, fixou a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão, estando ausentes agravantes e atenuantes. Observa-se que para o réu foi fixada a basilar de 06 (seis) anos de reclusão, em razão da existência de duas circunstâncias judiciais negativas, a saber: antecedentes e circunstâncias do crime. 14. Considerou como antecedente a condenação criminal do Réu pelos crimes de lesão corporal e ameaça em contexto de violência doméstica, nos autos tombados em nº XXXXX-14.2018.8.05.0146 e transitado em julgado em 26/08/2019. 15. Entendo necessária a reforma da dosimetria operada pelo juízo a quo, a fim de afastar o desvalor atribuído aos maus antecedentes, isto porque, em verdade, trata-se de constatação de reincidência e esta é circunstância agravante específica, prevista no art. 61 , I , do Código Penal e, por isso deverá ser levada em consideração na segunda fase do processo de dosimetria da pena. Assim sendo, fixo a pena base em 06 (seis) anos e 03 (três) meses. 16. Na segunda fase, verificou-se a inexistência de atenuantes a serem consideradas, no entanto há a circunstância agravante de ser o Acusado reincidente na ação criminosa, consoante se vê nos autos do processo supra mencionado, de nº XXXXX-14.2018.8.05.0146 . 17. Conclui-se, por conseguinte, que com o aumento de 1/6 da pena, por conta de existência de circunstância agravante na segunda fase, a condenação alcançou o patamar de 7 (sete) anos, 3 (três) meses e 15 (quinze dias). 18. São requisitos para que o condenado faça jus à benesse do tráfico privilegiado: ser primário, ter bons antecedentes e não se dedicar a atividades criminosas ou integrar organizações criminosas, cumulativos entre si, tanto que ausência de qualquer um deles inviabiliza a aplicação da dádiva. 19. No caso em exame, restou comprovado que o Réu é reincidente conforme condenação transitada em julgado alhures referida (autos tombados em nº 0504904-14.2018.8.05.014 e transitado em julgado em 26/08/2019). 20. Nesse diapasão, não procedeu corretamente o magistrado sentenciante ao reconhecer a figura do tráfico privilegiado, previsto no artigo 33 , § 4º , da Lei nº 11.343 /06, tendo em vista tratar-se o acusado de reincidente. 21. Por conseguinte, resta demonstrada a necessidade de revisão da condenação também na terceira fase, para retirar a benesse prevista no § 4º , do art. 33 , da Lei 11343 /06, restando definitiva a pena em 07 (sete) anos 3 (três) meses e 15 (quinze dias) de reclusão, além de 655 (seiscentos e cinquenta e cinco) dias-multa, no valor unitário de 1/30 avos do salário mínimo vigente a época dos fatos. 22. Tendo em vista que a pena privativa de liberdade foi majorada para 07 (sete) anos 3 (três) meses e 15 (quinze dias), não poderá prosseguir a substituição da pena por privativa de direitos, por força do art. 44 , I , do Código Penal . 23. Deve ser mantido o regime semiaberto, nos termos do art. 33, § 2º, b, do CPB, incumbindo ao juízo da execução proceder à detração penal, levando-se, em conta o período em que o Réu permaneceu preso, no curso da ação penal, bem como a inexistência de elementos efetivos, nos autos, para se proceder, de pronto, à detração, nesta instância. 24. Mantenho ainda a condenação em 06 (seis) meses de detenção, pelo crime previsto no art. 311 , da Lei nº 9.503 /1997 (direção perigosa), que acrescida da condenação em 6 (seis) meses pelo crime direção sem habilitação (art. 309 , da Lei 9503 /97), mantendo inalterada a condenação em concurso material em 12 (doze) meses de detenção. 25. Parecer da douta Procuradoria de Justiça, Tânia Regina Oliveira Campos, pelo conhecimento e improvimento do recurso de apelação interposto pela defesa dos réus e pelo conhecimento e provimento da Apelação interposta pelo Ministério Público. 26. RECURSO DA DEFESA: Conhecido e improvido. 27. RECURSO MINISTERIAL: Conhecido e provido, redimensionando-se a pena para 07 (sete) anos 3 (três) meses e 15 (quinze dias), com a retirada da benesse do tráfico privilegiado. RECURSO DA DEFESA CONHECIDO E IMPROVIDO. RECURSO MINISTERIAL CONHECIDO E PROVIDO. ACORDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº XXXXX-71.2021.8.05.0146 , provenientes da 1ª Vara Criminal da Comarca de Juazeiro/BA, em que figuram, simultaneamente, como Apelante e Apelado HIAGO SOUZA SANTOS e o Ministério Público do Estado da Bahia. ACORDAM os Desembargadores integrantes da Segunda Turma da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, em CONHECER A APELAÇÃO INTERPOSTA PELO RÉU E NEGAR-LHE PROVIMENTO, bem como CONHECER E DAR PROVIMENTO AO APELO MINISTERIAL e assim o fazem pelas razões a seguir expostas no voto do Desembargador Relator. Salvador,2022. (data constante na certidão eletrônica de julgamento) Des. Antonio Cunha Cavalcanti Presidente/Relator (assinado eletronicamente)