EMENTA: JUIZADO ESPECIAL CÍVEL. RECURSO INOMINADO. ENERGIA ELÉTRICA. FATURAS EM VALORES EXORBITANTES. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE REGULARIDADE DA COBRANÇA. ÔNUS DA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DO DÉBITO EXORBITANTE E EM DESACORDO COM A MÉDIA DE CONSUMO. DÉBITOS ILEGÍTIMOS. REEMISSÃO DAS FATURAS DE CONSUMO DE ACORDO COM A MÉDIA MENSAL. CORTE NO FORNECIMENTO (RETIRADA DO RELÓGIO MEDIDOR). DANO MORAL IN RE IPSA. ASTREINTE ARBITRADA. VALOR EXCESSIVO. REDUÇÃO QUE SE IMPÕE. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. Insurge-se a parte ré, ora recorrente, em face de sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos inaugurais, e declarou inexistentes os débitos apurados de setembro a dezembro de 2017, bem como para que sejam reemitidas as faturas no valor de R$ 74,72; pagamento de indenização por dano moral, no valor de R$ 1.000,00, e ao pagamento de multa diária que totalizam o valor de R$ 23.500,00, além do pagamento de repetição de indébito na quantia de R$ 2.086,10. 2. Aduz a parte recorrente, preliminar de incompetência do juízo, ante a necessidade de realização de perícia técnica no medidor da unidade consumidora de titularidade do autor, com vistas a apurar eventual irregularidade na medição. Assevera a recorrente, em suma, a regularidade da cobrança e corte no fornecimento, justificando que houve regular medição do consumo, através de equipamento adequado, o qual inclusive fora vistoriado. Obtempera que é obrigada a entregar o serviço de energia elétrica até o ponto de entrega, e que possivelmente o aumento no consumo se deu em razão de fuga de energia elétrica na unidade consumidora da residência da parte autora, de sua responsabilidade. Diz que não restou configurado o dano moral aventado e que não há que se falar em repetição de indébito. Busca cassação ou minoração das astreintes fixadas, eis que exorbitante o seu valor. Pugna assim pelo conhecimento e provimento de seu recurso, para julgar improcedentes os pedidos inaugurais. 3. Inicialmente, resta indiscutível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor na espécie, pois trata-se de evidente relação de consumo existente entre a concessionária de energia elétrica e a consumidora recorrente, incidindo, portanto, ao caso as normas consumeristas. 4. Afasta-se a preliminar de necessidade de perícia técnica. A presente lide não reclama a produção de prova pericial, eis que os elementos de convicção colacionados ao processo possibilitam o julgamento da lide, prescindindo, pois, de prova pericial, razão pela qual rechaça-se a preliminar de incompetência. 5. No caso em que se avalia, verifica-se que a parte autora comprovou que tinha uma média de consumo de energia elétrica em valores que variavam entre R$ 70,00 e R$ 100,00, conforme se verifica dos documentos que acompanham a exordial. Contudo, nos meses de setembro (R$ 1.43,05), outubro (R$ 3.195,66), novembro (R$ 3.963,56) e dezembro (R$ 2.116,35) de 2017, se verificou a cobrança de valores exorbitantes, não condizentes com a média de consumo de energia registrada no imóvel. 6. Viu-se dos autos que a ré busca legitimar a cobrança afirmando que efetuou vistoria no relógio medidor, emitindo o Relatório de Aferição e Avaliação Técnica, e que o mesmo reafirmou a regularidade do equipamento de medição. Contudo, verifica-se que do referido relatório constata-se que a análise realizada aconteceu somente em 13.04.2018, posteriormente ao aumento súbito das faturas de consumo de energia elétrica. 7. Denota-se ainda que o autor argumenta em sua inicial que a cobrança de valores equivocados, ocorreram relativamente ao consumo dos meses de setembro a dezembro de 2017, e que ao buscar solução junto a ré, esta efetuou a troca do medidor, justamente no mês de dezembro, e a partir do consumo de janeiro, os valores cobrados foram regularizados. 8. A ré nada se manifesta acerca dessa troca do medidor e da regularidade da medição na média mensal, antes e após este acontecimento. Desta feita, a mesma não se desvencilhou de seu ônus processual previsto no artigo 373 , II do CPC , de demonstrar que efetivamente o relógio medidor encontrava-se em perfeito funcionamento, ou ainda que tenha ocorrido fuga interna (como sustentou na contestação), ou qualquer outro problema de ordem técnica de responsabilidade do consumidor titular da unidade consumidora. 9. Deve ser frisado que o documento jungido aos autos pela ré consistente no Relatório de Aferição e Avaliação Técnica, não lhe aproveita, eis que a mencionada aferição ocorreu em 13.04.2018, após a constatação de irregularidade na medição pela parte autora, e da troca do medidor que ocorreu em dezembro de 2017, conforme afirmado pelo autor em sua inicial, e não refutado pela ré em sua defesa, logo, fato incontroverso. 10. Conforme se verifica do histórico de pagamentos jungidos aos autos pela parte autora, somente as faturas com referência ao consumo de setembro a dezembro de 2017 apresentaram valores exorbitantes, o que torna inexorável a constatação de que não houve demonstração da regular aferição e cobrança, o que tornam esses débitos inexistentes. 11. Dessa maneira, a concessionária de energia elétrica não demonstrou a regularidade da cobrança das faturas referentes aos meses referidos, deve também reemitir as faturas em conformidade com a média de consumo, conforme consignado na sentença de primeiro grau. 12. Diante de toda essa constatação, verifica-se que os débitos são ilegítimos. A autora teve o fornecimento de energia elétrica suspenso em sua unidade consumidora (com a retirada do relógio medidor), situação que gera dano moral na modalidade in re ipsa. 13. Na quantificação do dano moral, há de se avaliar que o valor fixado a título de indenização por danos morais deve cumprir a função de, senão reparar, ao menos minorar o mal causado, devendo ser observado, na fixação do quantum, os requisitos da proporcionalidade, razoabilidade e efetividade, levando sempre em conta a condição financeira do ofensor, inclusive para efeito de evitar que volte a reiterar na conduta violadora dos direitos do consumidor. 14. O quantum indenizatório arbitrado, R$ 1.000,00, apesar de encontrar-se aquém à média aplicada nesta Corte de Julgamentos, não há de ser modificado, considerando a proibição de Reformatio in Pejus. 15. No que importa à repetição do indébito, considerando que o autor quitou uma das faturas indevidas que lhe foram enviadas ? setembro de 2017 no valor de R$ 1.043,05 ? tenho que deve ser mantido o julgado de origem, também quanto a este ponto, nos termos do artigo 42 , § único do CDC , por se tratar de pagamento indevido. 16. Entrementes, no que concerne à multa diária arbitrada, por descumprimento da tutela de urgência concedida e confirmada na sentença a quo (restabelecimento do serviço de energia elétrica), a qual alcançou a quantia de R$ 23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos reais), tem-se que a mesma deve ser minorada. 17. A respeito da multa diária, os Tribunais Pátrios bem como a jurisprudência pacífica do STJ, já firmaram entendimento no sentido de ser possível a revisão do seu valor, sua limitação, ou mesmo o afastamento da cominação a qualquer tempo, e de ofício, nos termos do que dispõe o artigo 537 , § 1º , do CPC , observe: Art. 537. A multa independe de requerimento da parte e poderá ser aplicada na fase de conhecimento, em tutela provisória ou na sentença, ou na fase de execução, desde que seja suficiente e compatível com a obrigação e que se determine prazo razoável para cumprimento do preceito. § 1º O juiz poderá, de ofício ou a requerimento, modificar o valor ou a periodicidade da multa vincenda ou excluí-la, caso verifique que: I - se tornou insuficiente ou excessiva. 18. Convém ressaltar ainda, sob esse enfoque, que a decisão que arbitra a multa diária, não faz coisa julgada material, podendo ser alterada a qualquer tempo, inclusive de ofício. Esse é o entendimento do STJ: RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. MULTA COMINATÓRIA. VALOR. PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA. ALTERAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE NA ESPÉCIE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. PRINCÍPIOS RESPEITADOS. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. CONDENAÇÃO MANTIDA. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. A decisão que arbitra astreintes, instrumento de coerção indireta ao cumprimento do julgado, não faz coisa julgada material, podendo, por isso mesmo, ser modificada, a requerimento da parte ou de ofício, seja para aumentar ou diminuir o valor da multa ou, ainda, para suprimi-la. Precedentes. 3. omissis. 4. omissis. 5. omissis. 6. omissis. ( REsp XXXXX/SC , Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2019, DJe 06/03/2019). grifei 19. Não obstante, considerando que o artigo 537 , § 1º , do Código de Processo Civil possibilita a revisão, da multa diária fixada, bem como que há indicativo de desproporcionalidade em sua fixação, passa-se a análise da matéria, neste momento. Ocorre que, quando o valor da multa astreinte, em razão do lapso temporal de descumprimento da ordem, alcança valor expressivo, tornando-se penalidade excessiva, surge a possibilidade de sua revisão.20. O procedimento se justifica a fim de evitar o desvio de finalidade na aplicação da medida, bem como o enriquecimento injustificado do beneficiário. Nesse mesmo sentido, vem decidindo o STJ, já na vigência do atual CPC ( AgInt no AREsp XXXXX/PR , Relatora Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, DJe 10/09/2019 que, em respeito ao princípio da razoabilidade, firmou entendimento no sentido de que "O valor da multa cominatória não é definitivo, pois poderá ser revisto em qualquer fase processual, inclusive em cumprimento de sentença, caso se revele excessivo ou insuficiente (art. 537, § 1º,do Código de Processo Civil)".21. Diante de tais assertivas, o caso é de minoração do valor arbitrado a título de astreinte para a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais).22. Recurso conhecido e parcialmente provido. Sentença parcialmente reformada, tão somente para reduzir o valor da multa diária arbitrada para a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), mantendo-se inalterada em seus demais termos. Sem custas e honorários.