EMENTA: ASSÉDIO MORAL. TRATAMENTO VEXATÓRIO E OFENSAS DIRIGIDAS AO TRABALHADOR POR PARTE DO PREPOSTO DA EMPRESA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR EM MANTER AMBIENTE DE TRABALHO SEGURO E SÁDIO, INCLUSIVE NO ASPECTO PSICOLÓGICO. LESÃO CONFIGURADA. DEVER DE REPARAR O DANO. 1. Sobre o assédio moral, Marie-France Hirigoyen, psiquiatra, psicanalista e psicoterapeuta da família, pondera, em obra clássica sobre a matéria: "por assédio moral em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degrada o ambiente de trabalho. Essa guerra psicológica no local de trabalho agrega dois fenômenos: - o abuso do poder, que é rapidamente desmascarado e não é necessariamente aceito pelos empregados; - a manipulação perversa, que se instala de forma mais insidiosa e que, no entanto, causa devastações muito maiores. O assédio nasce como algo inofensivo e propaga-se insidiosamente. Em um primeiro momento, as pessoas envolvidas não querem mostrar-se ofendidas e levam na brincadeira desavenças e maus-tratos. Em seguida, esses ataques vão se multiplicando e a vítima é seguidamente acuada, posta em situação de inferioridade, submetida a manobras hostis e degradantes durante um período maior. Não se morre diretamente de todas as agressões, mas perde-se uma parte de si mesmo. Volta-se para casa, a cada noite, exausto, humilhado e deprimido. E é difícil recuperar-se. (...) É a repetição dos vexames, das humilhações, sem qualquer esforço para abrandá-las, que torna o fenômeno destruidor" (in Assédio Moral - A violência perversa no cotidiano - 3ª edição - Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro, 2002 - p. 65). 2. O assédio moral no ambiente de trabalho, infelizmente, é tão comum que são inúmeras as reclamações trabalhistas em razão desse comportamento do empregador, que tem a seguinte definição: "É a exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado (s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego. Caracteriza-se pela degradação deliberada das condições de trabalho em que prevalecem atitudes e condutas negativas dos chefes em relação a seus subordinados, constituindo uma experiência subjetiva que acarreta prejuízos práticos e emocionais para o trabalhador e a organização. A humilhação repetitiva e de longa duração interfere na vida do trabalhador e trabalhadora de modo direto, comprometendo sua identidade, dignidade e relações afetivas e sociais, ocasionando graves danos à saúde física e mental, que podem evoluir para a incapacidade laborativa, desemprego ou mesmo a morte, constituindo um risco invisível, porém concreto, nas relações e condições de trabalho." (definição estava contida no site www.assediomoral.org, porém, atualmente, não está disponível na internet. 3. Sobre essa questão, Maria Ester de Freitas, Roberto Heloani e Margarida Barreto, na obra "Assédio Moral no Trabalho" - Coleção Debates em Administração -Cengage Learning, Brasil, 2008, p. 108, asseveram que: "o empregador deve manter boas condições de segurança e higiene e zelar para que o local de trabalho não se transforme num lugar perigoso à vida e à saúde dos seus trabalhadores. A defesa de um ambiente laboral seguro e com boas condições é um direito inerente a todos os que trabalham. Ou seja, zelar na prática diária pela integridade e pela saúde dos trabalhadores, não omitindo doenças e não demitindo os adoecidos, não constitui uma caridade ou um ato virtuoso e sim um dever ético-jurídico. As políticas relacionadas ao bem-estar do pessoal, à mediação de conflitos e ao zelo pelo clima organizacional podem não apenas reparar erros atuais, mas também auxiliar na construção de um ambiente mais saudável, de forma que se possa falar em qualidade de vida no trabalho sem nenhuma ambiguidade ou dubiedade. Erradicar a cultura da impunidade, da falta de respeito, da promiscuidade e da indigência moral no ambiente de trabalho é tarefa coletiva, que precisa da cooperação dos ocupantes de cargos mais elevados, pois os subalternos esperam que venha de cima a certeza de que o assunto será tratado seriamente e sem omissões. Um discurso desmentido pela prática pode ter efeitos ainda mais devastadores do que o silêncio organizacional." 4. Clara, portanto, a responsabilidade da empresa, seja por não adotar uma política preventiva contra o assédio no ambiente de trabalho, seja por não adotar providências para combater a conduta danosa por parte de seus prepostos. Como explica Márcia Novaes Guedes, na obra "Terror Psicológico no Trabalho", Editora Ltr, São Paulo, p. 35/36: "Na empresa a evolução do conflito se verifica em face da completa inoperância dos seus dirigentes, seja por falta de habilidade de seus administradores para lidar com o que se denomina de"recursos humanos", seja pelo conforto da indiferença, seja porque a empresa tira proveito dessa situação estressante e acredita nesse tipo de procedimento como método eficaz para obrigar os assalariados a produzir mais. O certo, porém, é que o psicoterror dentro de uma empresa só é possível quando os dirigentes fingem não vê-lo ou o incentivam. Se o ambiente é permissivo desse tipo de procedimento, a perversão gera a emulação entre indivíduos que não são propriamente perversos, mas perdem seus referenciais e se deixam persuadir. Aos poucos perdem a capacidade de se indignar e não se chocam ao ver alguém ser tratado de forma caluniosa, injuriosa ou humilhante." 5. Assim, independentemente da política empreendida pelo empregador, a fiscalização das condutas adotadas pelos seus empregados, dentro da instituição, é de sua responsabilidade, cumprindo lembrar, no particular, a Súmula do n. 341 do STF, no sentido de que "é presumida a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto". 6. Na mesma linha, o artigo 932 do Código Civil , estabelece que: "São também responsáveis pela reparação civil: III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele, ainda que não verificada culpa de sua parte." 7. No caso dos autos, a prova testemunhal produzida revelou que o reclamante foi submetido a constrangimento perante seus colegas de trabalho, o que lhe causou dor e sofrimento. 8. Comprovada, portanto, a conduta ofensiva do superior hierárquico do reclamante, que acarretou violação aos princípios da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho (art. 1º, III e IV, da CR88). 9. Recurso patronal a que se nega provimento.