APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL. ADVOGADO. RESPONSABILIDADE CIVIL. LEVANTAMENTO DE VALORES EM AÇÃO JUDICIAL. NÃO REPASSE AO CLIENTE. RETARDAMENTO INJUSTIFICADO. APROPRIAÇÃO INDEVIDA. ATO ILÍCITO. DANOS MATERIAIS. ENCARGOS MORATÓRIOS. DANOS MORAIS. CONFIGURAÇÃO.VALOR ADEQUADO. SENTENÇA MANTIDA. 1. O advogado é responsável pelos atos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa, atuando de forma incompatível ou inadequada (art. 32 da Lei 8.906 /1994; art. 186 e 927 do Código Civil ; art. 14, § 4º da Lei 8.078/1990). 2. A relação de confiança que se estabelece entre cliente e advogado impõe a esse, dentre inúmeras outras obrigações, o dever de informação e absoluta transparência, incluindo a proibição de locupletamento, por qualquer forma, à custa do cliente ou da parte adversa, por si ou por interposta pessoa; a recusa injustificada de prestar contas ao cliente de quantias recebidas dele ou de terceiros por conta dele, a conduta incompatível com a advocacia (arts. 31 , 32 , 34 XX , XXI e XXV da Lei 8.906 /1994). Conforme previsto no Código de Ética da OAB, a conclusão satisfatória ou desistência da causa, com ou sem a extinção do mandato, obriga o advogado à devolução de bens, valores e documentos recebidos no exercício do mandato, e à pormenorizada prestação de contas, não excluindo outras prestações solicitadas pelo cliente, em qualquer momento (art. 9º). 3. Ainda que tenha procuração com poderes especiais, ao levantar valores em nome da parte que o constituiu, o advogado se torna fiel depositário, cuja responsabilidade somente cessa após a prestação de contas e o repasse dos valores ao cliente. Afinal, o fato mais importante para a parte vencedora em uma demanda judicial é o efetivo recebimento do bem da vida pretendido. 4. Tanto o levantamento dos valores pertencentes à apelada, quanto o não repasse pelo advogado, que sacou o numerário e o reteve por mais de um ano, repassando à cliente somente após ter sido destituído, confrontado e ter tido a conduta investigada em inquérito policial por crime de apropriação indébita, constituem fato incontroverso. Desde a época da expedição do alvará, assim como nos meses posteriores, o advogado foi questionado várias vezes pela cliente, mas, mesmo já tendo sacado o numerário, sempre respondia que não tinha conhecimento, alterando a verdade da situação e negando que os valores já estivessem disponíveis. Somente mais de um ano após o levantamento dos valores pelo apelante, e mediante iniciativa da própria apelada, que procurou a serventia judicial, que lavrou certidão atestando a situação, é que a cliente soube que os valores há muito tempo já haviam sido liberados e sacados por seu advogado. E, ao contrário do sustentado pelo apelante, ao longo desse período, foi cobrado diversas vezes sobre o recebimento de valores, o que expressamente negava. Trata-se de retardamento prolongado e de sucessivas omissões que sequer foram esclarecidas. Além de ferir a ética profissional, a conduta do apelante causou efetiva quebra da confiança na relação estabelecida com a apelada, violando a boa-fé objetiva. Nesse contexto, configurada causa suficiente para a resolução do contrato e revogação do mandato, como definido em sentença. 5. Por se tratar de encargo legal e ônus relevante, tão logo disponível o numerário em favor da cliente, deveria o advogado ter comunicado e repassado o valor correspondente à contratante, sobretudo porque inexistente alegação ou demonstração de óbice para o cumprimento da obrigação. Evidenciado o levantamento da quantia e o fato do não repasse voluntário e oportuno ao seu titular, traduzindo indevido retardamento, cabível a incidência dos encargos moratórios, legais e contratuais, pois, como bem destacado em sentença, raciocínio contrário ultimaria por condescender com a não observância do princípio da boa-fé objetiva e com o enriquecimento ilícito da parte contratada em detrimento da contratante. Igualmente deve ser mantida a determinação de restituição da diferença correspondente ao valor maior cobrado referente ao recolhimento de custas para o cumprimento de sentença, posto que nenhuma despesa ou serviço adicional foi comprovado, como exigia o próprio contrato, além do que deveria ter sido previamente especificado. 6. As verbas pertinentes aos honorários contratuais e sucumbenciais não se confundem. Aqueles são convencionados em contrato, antecipadamente ou com cláusula de êxito, e pagos pelo cliente. Estes, por sua vez, decorrem da sucumbência fixada em juízo, sendo pagos pela parte contrária. No caso, foi assegurado o direito do advogado aos honorários de sucumbência, assim como a percepção dos honorários contratuais, pactuados com cláusula de êxito, sobre os valores efetivamente calculados e alcançados durante a atuação do escritório. Sobre o numerário posteriormente apurado e obtido por depósito efetuado nos autos sob trabalho e responsabilidade do novo escritório, incabível a pretendida incidência de honorários contratuais. 7. O advogado que, descumprindo as determinações legais de prestação de contas e de repasse dos valores devidos ao cliente, retardando-a injustificadamente, deve responder pelos danos ocasionados com sua conduta. Esse dever de indenizar não decorre do mero inadimplemento contratual, mas da quebra da confiança estabelecida entre as partes, da transgressão aos postulados da boa-fé e da ética profissional. 8. Nos termos da jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça, a retenção indevida pelo advogado de valores pertencentes ao cliente, resultantes do êxito de demanda judicial, extrapola o simples descumprimento contratual e configura dano moral indenizável. 9. No caso, patente a abusividade da conduta do advogado, que se apropriou indevidamente de valores significativos pertencentes à cliente sem dar nenhuma satisfação; que omitiu dolosamente o recebimento, por mais de um ano, apesar das cobranças e reiterados questionamentos; que causou transtornos à apelada, que precisou buscar a serventia judicial para ter conhecimento da situação negada pelo advogado; que, além da necessidade de contratar novo profissional, de solicitar a suspensão de alvarás, de registrar ocorrência policial e de mover ação contra o apelante. A situação vivenciada, devidamente contextualizada, extrapola o mero dissabor cotidiano. Além de suportar a frustação pela injusta violação da boa-fé, da confiança e da transparência por aquele que havia sido contratado para representá-la, configurando abuso profissional (conduta grave) e ultrapassando os limites do mero inadimplemento contratual eventual, tal significa acontecimento relevante suficiente a infligir à apelada sofrimento pela situação e pela injusta privação de quantia monetária expressiva, que havia investido na compra de um imóvel, que poderia servir para melhor atender a suas necessidades e qualidade de vida, e que fazia mais de três anos que buscava reaver. 10. Dano moral traz implícito o caráter nitidamente punitivo para o ofensor e satisfativo para a parte ofendida. Na inexistência de critérios objetivos, o arbitramento da compensação deve ser feito com prudência, bom senso e razoabilidade, de modo que se atenda à função reparatória e ressarcitória o mais completamente possível, observando o disposto no art. 944 do Código Civil . Caso em que, diante do acontecimento e das suas consequências, mostra-se adequado o valor indenizatório definido em sentença, que além de não destoar do que vem sendo razoavelmente reconhecido pela jurisprudência, não se mostra exorbitante a ponto de proporcionar o enriquecimento sem causa, como sustentado genericamente e sem nenhum respaldo probatório pelo apelante, nem ínfimo ou irrisório a ponto de tornar insuficiente a reparação. 11. Recurso conhecido e não provido.