E M E N T A DIREITO CONSTITUCIONAL ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. ANVISA. AUTO DE INFRAÇÃO. LEGISLAÇÃO SANITÁRIA. PROPAGANDA ILEGAL. MEDICAMENTO SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA E SUJEITO A CONTROLE ESPECIAL. LEI 9.873 /1999. COMPETÊNCIA NORMATIVA. DOSIMETRIA DA SANÇÃO. SUCUMBÊNCIA. 1. A liberdade de manifestação de pensamento, criação, expressão e informação (artigo 220 , CF ) não se confunde com o direito de veiculação de propaganda técnica ou comercial sem controle ou critério, independentemente de avaliação do interesse público. O dever estatal de promoção e preservação da saúde pública é compatível com o controle da veiculação de divulgação ou propaganda de produtos nocivos ou perigosos, como cigarros e bebidas alcoólicas, ou produtos cujo consumo exija prescrição e acompanhamento técnico especializado, a exemplo de certos medicamentos. 2. Neste sentido é que se coloca, de forma legítima e constitucional, o poder de fiscalização do órgão de controle sanitário sobre veiculação de informações sobre determinados medicamentos a fim de que, sem prejuízo da divulgação em caráter técnico a destinatários específicos, não seja permitida mera propaganda comercial acessível ao público em geral. 3. Em consonância com o regime constitucional, o artigo 10 , V, da Lei 6.437 /1977 dispõe serem infrações sanitárias "fazer propaganda de produtos sob vigilância sanitária, alimentos e outros, contrariando a legislação sanitária"; e o artigo 9º da Lei 9.294 /1996, ao tratar das restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, estipula as sanções aplicáveis, prevendo, ainda, que se considera "infrator, para os efeitos desta lei, toda e qualquer pessoa natural ou jurídica que, de forma direta ou indireta, seja responsável pela divulgação da peça publicitária ou pelo respectivo veículo de comunicação" (§ 3º). 4. A Portaria 344/1998, que aprova o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial, prevê no artigo 90, com redação dada pela RDC 197/04, que “a propaganda de substâncias constantes das listas deste Regulamento Técnico e de suas atualizações, e dos medicamentos que as contenham, sujeitos à venda sob prescrição médica com notificação de receita ou retenção de receita, somente poderá ser efetuada em revistas de conteúdo exclusivamente técnico, referentes a patologias e medicamentos, dirigidas direta e unicamente a profissionais de saúde habilitados a prescrever e/ou dispensar medicamentos”. 5. Quanto à atribuição da ANVISA para regulamentar a publicidade de medicamentos, tem-se que, criada pela Lei 9.782 /1999, detém, entre suas competências, no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, a de "definir a política nacional de vigilância sanitária" (artigo 2º, I) e "normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde" (artigo º 2, III), competindo-lhe, assim, "estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária" (artigo 7º, III), podendo ainda "regulamentar outros produtos e serviços de interesse para o controle de riscos à saúde da população, alcançados pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária" (artigo 8º, § 4º), definidos tais produtos e serviços no artigo 4º do Decreto 3.029 /1999. No exercício de tal poder regulamentar, não se cogita, pois, de violação ao princípio da legalidade. 6. A autora, indústria farmacêutica, teve contra si lavrado auto de infração sanitária com base na legislação citada e, impugnado, a Decisão 2046/2011 – GGPRO/ANVISA manteve a autuação e, considerando que a empresa é de grande porte e reincidente em infrações sanitárias, sem atenuantes ou agravantes, fixou as penalidade de multa de R$ 32.000,00 e de proibição de propaganda irregular, nos termos do artigo 2º da Lei 6.437/1977 c.c. artigo 9º da Lei 9.294 /1996. 7. No caso, tratou-se de divulgação ou propaganda de medicamento CONSTANTE, inserido na lista de substâncias psicotrópicas, sujeito a controle especial. A divulgação ou propaganda do medicamento foi veiculada em bloco de anotações, e ainda que dirigida e exclusivamente distribuída à classe médica, conforme alegado pela apelante, concluiu a ANVISA que tal fato “não a exime da necessidade de obedecer à legislação aplicável, que não comporta exceções em seus comandos no que tange à restrição do veículo em que é divulgada a propaganda”, além de conter expressões (“eficaz nos estados de ansiedade”, “indicado no tratamento dos estados de ansiedade”, “indicado no tratamento do transtorno do pânico, com ou sem agorafobia”, “ansiedade associada à abstinência do álcool”, “o real alcance do tratamento”, “lançamento”) que “podem induzir a sua prescrição de forma indiscriminada”, colocando em risco a necessidade de que “a prescrição do medicamento seja consequente apenas da ação médica, sem sofrer outras influências”, “de modo a proteger a saúde da população”, pelo que “não há que se falar em ausência de risco à saúde”. 8. A legislação prevê, portanto, que não basta que seja enunciado que a propaganda é dirigida a profissionais da saúde, é necessário que a publicação, no todo (revista) e no particular (divulgação específica), seja de natureza técnica, adotando e veiculando linguagem, reportagens, informações, estudos e dados, cujo conteúdo, enfim, seja de tal modo técnico, que a respectiva compreensão não seja possível a outros que não os profissionais da área de saúde. Tais cautelas são as necessárias, segundo a legislação, para impedir que, a pretexto de se cuidar de divulgação técnica de medicamentos a profissionais, através de revistas e outros meios de comunicação, seja veiculada, na prática, publicidade comercial para consumidores em geral. 9. A avaliação técnica da propaganda cabe ao órgão investido do poder de polícia administrativa, presumindo-se legítima e veraz as conclusões extraídas e fundamentadas na decisão administrativa, cumprindo ao sancionado a prova de que foi ilegal a autuação. Do quanto exposto pela autora e constante do feito em termos de instrução probatória à elucidação da causa, não se tem elementos suficientes à impugnação desconstitutiva do ato administrativo de sancionamento da conduta. 10. No contexto, portanto, não demonstrou a autora a ilegalidade da autuação, cuja lavratura registrou a prática de infração consistente em divulgar medicamento sujeito à venda sob prescrição médica em meio sem caráter técnico-científico, segundo critérios técnicos de conteúdo e forma não verificados na espécie, direcionado e acessível não exclusivamente a profissionais da área médica, configurando, pois, publicidade vedada pela legislação, por riscos sanitários envolvidos com incentivo publicitário a consumo de fármacos, sendo imputável à empresa veiculadora da propaganda a responsabilidade por violar regras objetivas e as restrições aplicáveis à publicidade e exposição de produto, ainda que sem eventual comprovação de efetivo dano ao bem jurídico tutelado, nos termos do artigo 10 , V, da Lei 6.437 /1977, e do artigo 9º , § 3º , da Lei 9.294 /1996. 11. Quanto à sanção, restou expressamente consignada na via administrativa a inexistência de atenuante ou agravante em geral, tendo sido, ainda, considerados o grande porte e a reincidência da autuada para infrações sanitárias, bem como o risco sanitário da conduta, tendo sido arbitrada multa muito aquém do valor máximo legal (artigo 9º , V , da Lei 9.294 /1996), pelo que não se cogita de qualquer vício formal ou material na dosimetria da penalidade. 12. Fixada verba honorária pelo trabalho adicional em grau recursal, em observância ao comando e critérios do artigo 85 , §§ 2º a 6º e 11 , do Código de Processo Civil . 13. Apelação desprovida.