A prescrição nas ações por reparação civil contra a Fazenda Pública
Por Diogo Felin Cantarelli,Servidor público estadual do DETRAN/RS - Advogado (OAB/RS nº 80.619)
Há algum tempo tenho lido sobre as divergências doutrinárias a respeito do prazo prescricional a ser considerado quando se busca reparação material contra a Fazenda Pública, a partir da vigência do Código Civil de 2002. A polêmica se instaura sobre a aplicação da prescrição trienal do art. 206, § 3º, inc. V do referido diploma legal ou da incidência da prescrição qüinqüenal (art. 1º do Dec. Nº 20.910/32).
Preliminarmente à análise do mérito propriamente dito, proponho a reflexão sobre a aplicação de um dos princípios constitucionais mais glorificados na atualidade e aplicável de igual modo na discussão em apreço. O princípio da isonomia, de incidência tanto no campo do direito material [1] quanto no direito processual, traduz a idéia de que a igualdade material só é alcançada quando é conferido tratamento diferenciado aos desiguais, na medida da sua desigualdade.
Nessa senda, a fixação do prazo prescricional menor para as ações contra a Fazenda Pública é justamente para conceder-lhe um tratamento favorável. Tratamento privilegiado calcado sob o princípio da razoabilidade, uma vez que não se pode olvidar que o direito protegido pela Fazenda Pública representa um direito indisponível e, via indireta, é um direito de todos os administrados, cidadãos.
Feitas tais premissas e indo diretamente ao ponto nevrálgico da questão, o qual me parece, data venia, ser facilmente resolvido com a mera análise literal do disposto do art. 10º, do Decreto nº 20.910/32, e que diante do meu inconformismo contra aqueles que defendem pela aplicação do prazo qüinqüenal, negando-lhe a sua aplicação, creio de suma importância a sua transcrição:
Art. 10º. - O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes, das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.
Há de se ressaltar ainda que os diplomas legais especiais que trataram sobre a prescrição contra a Fazenda Pública, tais como art. 1º do Dec. nº 20.910/32; art. 2º do DL nº 4.597/42; e, finalmente, art. 1º-C da Lei nº 9.494/97, acrescido pela MP nº 2.180-35/01 constituíam prazos menores do que o vigente no art. 178, § 10º do então vigente Código Civil de 1916. A norma existia no propósito de beneficiar a Fazenda Pública. Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, entender de modo diverso, não se realiza a leitura correta.
Logo, parece-me cristalina a aplicação do prazo trienal, uma vez que o supratranscrito dispositivo legal vigente contém a ressalva de que se forem conferidos prazos menores, não se aplica a prescrição qüinqüenal. Corroboram tal entendimento os ensinamentos de Leonardo J. C. da Cunha, em sua obra A Fazenda Pública em juízo e as decisões do STJ (RESP. 1.066.062/RS; RESP 982.811/RR; e RESP 1.137.354/RJ).
Quanto à tese de que o art. 206, § 3º, inc. V é aplicável tão somente a particulares não merece prosperar. Não se trata de aplicar o Código Civil à Administração Pública apenas quando existirem lacunas no campo administrativo. As normas de Direito Civil, ainda que peculiares e com aplicação de certa forma mais restrita no Direito Administrativo, são aplicadas naquilo em que lhe couberem, o que é o caso em discussão.
Também ainda para não deixar dúvidas, inaplicável o art. 205 do Código Civil à espécie quando se tratar da Fazenda Pública.
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