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6 de Maio de 2024

Advogado obteve droga não testada para mãe com câncer

Ele conseguiu fosfoetanolamina via STF, mas especialistas criticam falta de segurança

Publicado por Gustavo Escher
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Ao acionar a Justiça solicitando acesso a uma droga contra câncer que jamais foi testada em humanos, o advogado Dennis Cincinatus agiu no desespero. Sua mãe, Alcilena Cincinatus, de 68 anos, tem tumores no fígado e no pâncreas, está em fase terminal. Mas, quando saiu a liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) o autorizando a obter cápsulas de fosfoetanolamina sintética, ele não imaginava que desencadearia um efeito cascata.

Mesmo ainda sem caráter definitivo, a decisão assinada pelo ministro Edson Fachin levou o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) a obrigar a Universidade de São Paulo (USP), que conduz pesquisas com a droga, a distribuir a substância a centenas de pessoas que já vinham movendo ações para isso. Desde terça-feira, filas se formam na porta do Instituto de Química no campus da instituição em São Carlos, no interior do estado, para retirar doses de fosfoetanolamina.

- Imagina você ver sua mãe pesando 33kg? Se minha mãe não estivesse assim eu não apelaria para este tratamento. Nosso médico explicou que não há comprovação, mas nos deixou à vontade para usar - conta o advogado Dennis Cincinatus, morador do Rio, que conseguiu a liminar no STF quinta-feira da semana passada. - Não imaginava que iria criar alarde. Mas acho que cada um deve consultar seu médico.

Cientistas da área médica, porém, são contundentes ao afirmar que é uma irresponsabilidade autorizar acesso público a uma droga antes de realizados os testes em seres humanos. As qualidades anticancerosas da substância só foram testadas em animais e em células humanas em laboratório. A própria USP divulgou nota dizendo que a fosfoetanolamina não é remédio. E a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informa que não há sequer pedido de teste e que, portanto, seria impossível garantir sua segurança.

Cincinatus perdeu o pai para o câncer há cinco anos. Ele vinha buscando diferentes formas de tratamento para salvar a mãe. Foi quando um tio falou sobre a droga que vem sendo estudada na USP. Pesquisando, ele encontrou diferentes grupos de pessoas nas redes sociais tratando a fosfoetanolamina como um remédio milagroso. Para o advogado, é a "última chance".

- Vi diversas imagens de regressão de tumores em outros pacientes. Ninguém falou de efeitos colaterais. Minha mãe está em fase terminal, esta é nossa última chance - conta o advogado. - A indústria não divulga isso porque os tratamentos existentes são caros. Minha mãe gasta R$ 15 mil por mês, mas tem plano médico.

Coordenador do programa de pós-gradução em Bioética da Universidade de Brasília (UnB), Volnei Garrafa, que é membro do Comité Internacional de Bioética da Unesco, foi um dos especialistas a criticar as decisões judiciais:

- Quem autorizou isso é um irresponsável. Não se pode liberar uma substância sem comprovação de eficácia, não há segurança nenhuma para os pacientes dessa forma. Com isso, a Justiça abriu uma fresta que pode colocar a represa abaixo.

Nesta quinta-feira, o ministro Fachin explicou que concedeu liminar a Cincinatus porque as informações repassadas a ele deixaram claro que a decisão era fundamental para garantir a saúde da paciente. E afirmou que o uso do medicamento não implica em prejuízo à ordem pública, mas admitiu que pode rever a decisão.

— Os elementos indicaram que estavam presentes os pressupostos para a concessão da medida cautelar — declarou o ministro, que explicou que a defesa da paciente entrou com uma petição, mas o instrumento jurídico ideal era um recurso extraordinário. Por isso, deu prazo de dez dias para a defesa entrar com o procedimento correto, quando poderá reformar sua decisão, se considerar conveniente.

O presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, Evanius Wiermann, chama a atenção para a falta de informações sobre efeitos colaterais, interações medicamentosas e do perigo de os pacientes abandonarem seus tratamentos convencionais. Segundo ele, não bastam testes em animais de laboratório: é preciso avançar à fase clínica, em que os exames acontecem em humanos, inclusive com a comparação com o placebo, com os medicamentos padrões e de doses diversas. De mil substâncias promissoras, segundo ele, apenas uma chega à aprovação final.

- Toda droga tem de passar pelos procedimentos - alerta o oncologista. - Entendo o desespero, mas é preciso cautela. As pessoas já acreditaram que a babosa e o cogumelo-do-sol ajudavam no tratamento do câncer.

O oncologista Carlos Gil conheceu a fosfoetanolamina há três anos, quando era coordenador da Rede Nacional de Fármacos Anticâncer, um programa do Ministério da Saúde voltado à avaliação de compostos químicos para o desenvolvimento de anticancerígenos. A substância não foi aprovada por sua equipe.

- Nosso parecer era que a molécula tinha potencial, mas os estudos não estavam completos - diz Gil, pesquisador do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino.

Coordenador de estudos com a substância, o pesquisador aposentado Gilberto Chierice não foi encontrado pela equipe do GLOBO. O médico e pesquisador Renato Meneguelo, que estudou a fosfoetanolamina sintética na USP, revoltou-se com a posição da unidade:

— A gente fez um trabalho, defendeu em bancadas, e agora não tem comprovação? Publiquei a primeira tese que fala do composto em tumores e melanoma em 2007. Há trabalhos indexados em revistas internacionais dizendo que a fosfoetanolamina funciona em tumores.


Fonte: oglobo

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