Após reclamar do “miserê do salário”, procurador recebe R$ 124 mil em dois meses
Matéria publicada ontem (2) no portal do jornal O Estado de S. Paulo – assinada pelos jornalista Fausto Macedo e Pedro Prata – revelou que o procurador de Justiça Leonardo Azeredo dos Santos, do Ministério Público de Minas, recebeu R$ 100 mil líquidos nos dois meses seguintes após reclamar, em agosto, que seu contracheque de R$ 24 mil (livre de descontos) era um ‘miserê’.
Seus vencimentos totais, somados no período de agosto e setembro, chegaram a R$ 124.029,85.
Azeredo chamou o próprio salário de ‘miserê’ durante a quinta sessão extraordinária da Câmara de Procuradores de Justiça de Minas, realizada no dia 12 de agosto. O assunto na pauta era a proposta orçamentária para 2020. “Como é que o cara vai viver com 24 mil reais?” - questionou, na ocasião.
O fato, à época, ganhou repercussão nacional e foi, também, publicado pelo Espaço Vital.
No contracheque de julho, todavia, somaram-se aos R$ 24 mil as indenizações e remunerações retroativas ou temporárias que elevaram o vencimento de Azeredo para R$ 65.152,99 – mantendo a média de R$ 68 mil líquidos recebidos pelo procurador mês a mês, desde janeiro.
Ao desabafar contra o suposto “miserê”, Azeredo perguntara se “dentro do orçamento não há qualquer perspectiva, nenhum sonho da administração de incrementar qualquer vantagem que aumente nossa remuneração?”. O áudio da sessão foi disponibilizado pelo próprio saite do MP-MG, no início de setembro.
A situação levou um advogado mineiro a, na ocasião, promover uma campanha nas redes sociais para ajudar o procurador a escapar do aperto. O movimento teve um apelo: “Doe aqui e ajude o procurador de Minas a sair do miserê”. Não foi possível apurar se algo foi arrecadado.
Detalhes e dúvidas
• Após a repercussão em torno do “miserê” a Procuradoria Geral de Justiça de Minas Gerais informou que o procurador tirou licença médica. Ele retornou às atividades no dia 7 de novembro.
• Não é possível saber quanto Azeredo recebeu durante todo o período de sua licença para não comparecer ao trabalho, visto que no portal Transparência do Ministério Público de Minas só há informações até setembro.
• Em agosto, mês do ‘chororô’ de Azeredo, ele recebeu R$ 35.462,22 – mais indenizações e remunerações retroativas/temporárias que elevaram seu contracheque para R$ 76.794,29. Em setembro, o holerite básico do procurador se manteve nos R$ 35.462,22. Com os complementos, foi porém a R$ 47.235,56.
• Apesar de ser Azeredo quem manifestou sua insatisfação com o contracheque, ele não foi o campeão de salários entre os procuradores do Ministério Público mineiro. Em julho, ele recebeu R$ 65.152,99 líquidos. O valor, no entanto, não esteve nem entre os cem mais altos pagos pela Procuradoria naquele mês – 138 procuradores e promotores de Justiça ganharam de R$ 65,2 mil a R$ 88 mil no período, em cifras limpas.
Voracidade argentária
Levantamento da Câmara dos Deputados publicado em setembro mostra que, no Brasil, 71% dos magistrados e membros do MP têm ganhos que superam o teto constitucional (R$ 39,2 mil), por meio do renitente auxílio-moradia, alimentação, viagens, gratificações e variados penduricalhos remuneratórios que o sistema jurídico permite conceber e implantar no serviço público.
Há três anos o Senado aprovou um projeto para limitar os supersalários. Recebido na Câmara, o texto foi debatido, convertido em relatório negociado durante 18 meses pelo deputado-relator Rubens Bueno (Cidadania-PR). No primeiro semestre deste ano, o presidente da Casa, Rodrigo Maia, adiou a votação para “não atrapalhar a reforma da Previdência”. E o assunto parou em alguma gaveta burocrática.
O vagar legislativo chancela o escândalo repetitivo que é o pagamento de super salários num país em que metade dos trabalhadores do setor privado recebe um salário mínimo por mês, segundo o IBGE.
Contraponto
O Espaço Vital fez tentativas de contato com o procurador Leonardo. Ficaram recados, mas não houve retorno.