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30 de Abril de 2024

Aposentadoria compulsória: prêmio ou castigo?

Publicado por Espaço Vital
há 12 anos
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Por Meigla Maria Araújo Merlin,

procuradora do Município de Belo Horizonte

As regras da aposentadoria compulsória foram fixadas com base na presunção de que a aptidão para o trabalho e a atividade intelectual se tornam cada vez menores à medida que a idade avança.

No entanto, essa lógica anacrônica não corresponde a uma visão atual, baseada em indicadores sociais da realidade brasileira, e nem todos os países a adotam.

Sem pretender fazer uma incursão pelo direito administrativo, rememorando os ensinamentos transmitidos em sala de aula pelo saudoso professor Paulo Neves de Carvalho, na vetusta Casa de Afonso Pena, é imperioso propor uma revisão e uma reavaliação das regras vigentes sobre a aposentadoria compulsória.

Nos termos do artigo 40, § 1º, da Constituição Federal, os servidores abrangidos pelo regime de previdência serão aposentados por uma das três modalidades: invalidez permanente, que pode ou não decorrer de acidente em serviço, de moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável; compulsoriamente, aos 70 anos; ou voluntariamente, desde que preenchidas as condições expressas no mencionado dispositivo constitucional.

A alegoria da Antiguidade clássica, segundo a qual a ave de Minerva levanta voo ao entardecer, pode muito bem ilustrar essas linhas, por meio das quais se busca demonstrar que a sabedoria é cultivada através de longos anos e alcança seu ápice na idade madura. É preciso ousar discordar dessa cultura cristalizada de associação entre idade e incapacidade para o trabalho.

Até mesmo consagrados juristas como Maria Sylvia Zanella di Pietro, ao abordar essa questão, consideram que, na modalidade de aposentadoria compulsória, a invalidez é presumida. Segundo a ilustre doutrinadora, a norma se justifica, uma vez que a idade de 70 anos cria uma presunção absoluta de incapacidade para o serviço público.

Contra essa presunção absoluta de incapacidade pode-se argumentar que a regra em questão não atinge os altos mandatários, como presidente da República e ministros de Estado. Paradoxalmente, os cargos para os quais se exige maior responsabilidade podem ser ocupados por pessoas acima de 70 anos.

A propósito, o país assistiu recentemente à cerimônia de posse do chanceler Celso Amorim, que está prestes a completar 70 anos, no cargo de ministro da Defesa. Ninguém duvida que ele possa trazer relevante contribuição a um dos ministérios estratégicos para a soberania brasileira, da mesma forma como participou de forma brilhante como ministro das Relações Exteriores durante o governo Lula.

Em outros países, os exemplos são incontáveis: Adenauer governou a Alemanha dos 73 aos 87 anos. Churchill tinha 76 anos quando foi reeleito como primeiro-ministro inglês, em 1951. Os juízes da Suprema Corte americana são vitalícios.

A aposentadoria por invalidez permanente, modalidade também prevista na Carta Magna, deveria ser a única forma de aposentadoria involuntária no serviço público. Se os servidores mais jovens são bem-vindos pela sua força e dinamismo e pela sua capacidade de adaptação às novas tecnologias, os servidores maduros, em plena atividade física e intelectual, são também indispensáveis, pela sua experiência, prudência e sabedoria.

É preciso considerar que, da época em que foram lançadas as bases da legislação sobre a aposentadoria compulsória até hoje, houve um avanço significativo nos indicadores sociais do país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos 30 anos a esperança de vida ao nascer passou de 62,57 para 73,15 anos. Nesse mesmo período, duplicou o percentual da população com 70 anos ou mais. A previsão é que essa faixa etária duplique mais uma vez, representando 8,63% dos brasileiros em 2030.

Um contingente enorme de pessoas se aposenta compulsoriamente a cada ano no Brasil, quando ainda está em plena capacidade física e intelectual. O país se priva de valiosos servidores, que passam a atuar na iniciativa privada, apenas porque completaram 70 anos.

A aposentadoria compulsória tem sido aplicada como pena para alguns servidores públicos flagrados em atos ilícitos, o que, na verdade, constitui mais um prêmio que um castigo. Paradoxalmente, uma legião de servidores exemplares que, com a sua atuação, honram a advocacia pública e o serviço público em geral, têm sido penalizados ao ser ceifados, contra a sua vontade, da categoria dos servidores ativos.

Assim ocorre com grandes juristas, desembargadores dos tribunais de Justiça dos estados, ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. Assim ocorre com procuradores da União, dos estados e dos municípios.

A propósito, não pode ficar sem registro a aposentadoria compulsória neste mês de Saulo Converso Lara, um dos mais ilustres procuradores do município de Belo Horizonte. Sua ausência deixará um vácuo na Procuradoria Geral do Município e seu nome será sempre lembrado pela atuação brilhante nos quadros da advocacia pública. Seu exemplo certamente permanecerá como inspiração e incentivo para as futuras gerações de procuradores.

Que essa homenagem a um servidor que se retira do serviço público no auge da sua capacidade intelectual, levando consigo a experiência adquirida ao longo de mais de três décadas de relevantes serviços prestados ao município de Belo Horizonte, sirva de alerta à sociedade brasileira, desencadeando movimento nacional pela mudança na legislação sobre a aposentadoria compulsória.

imprensa@pbh.gov.br

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