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2 de Maio de 2024

ARTIGO DO DIA: Responsabilidade da pessoa jurídica: princípio da dupla imputação

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LUIZ FLÁVIO GOMES

Doutor em Direito penal pela Universidade Complutense de Madri, Mestre em Direito Penal pela USP, Diretor-Presidente da Rede de Ensino LFG e Co-coordenador dos cursos de pós-graduação transmitidos por ela. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). Twitter: www.twitter.com/ProfessorLFG. Blog: www.blogdolfg.com.br - Pesquisadora : Áurea Maria Ferraz de Sousa.

Como citar este artigo : GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Responsabilidade da pessoa jurídica: princípio da dupla imputação . Disponível em http:// www.lfg.com.br - 09 de julho de 2010.

A Lei Maior cuidou de maneira especial do direito a que todos têm ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; por imposição constitucional, trata-se de bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, devendo o Poder Público e a coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Pois bem, dentre os instrumentos impostos para a efetiva proteção ambiental constitucionalmente almejada está a responsabilidade que recai sobre aquele que pratica um dano ambiental. Neste sentido, dispõe a Carta Magna: Art. 225, 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas , a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Tendo em vista o texto constitucional ter mencionado expressamente a possibilidade de a pessoa jurídica estar sujeita a sanções penais, surgiram na doutrina e na jurisprudência entendimentos diversos sobre a possibilidade de a pessoa jurídica cometer crimes ou não. São três as correntes. A primeira entende ser impossível que a pessoa jurídica pratique crime e que seja responsabilizada penalmente, pois isso equivaleria à responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio ( societas delinquere non potest ). Um segundo entendimento é no sentido de que a pessoa jurídica pratica crime ambiental, por previsão constitucional e legal (Lei 9.605/98), logo pode ser responsabilizada penalmente a CF/88 pode excepcionar-se a si mesma ( societas delinquere potest ). Terceiro entendimento, adotado pelo STJ, é o de que a pessoa jurídica não pode praticar crime, mas pode ser penalmente responsabilizada nas infrações contra o meio ambiente, pois em verdade há responsabilidade penal social. Cabendo observar o princípio da dupla imputação, ou seja, jamais a pessoa jurídica pode aparecer na ação penal de forma isolada. Sempre deve estar junto com a pessoa física responsável pelo ato criminoso.

É este o entendimento que vem prevalecendo. E a responsabilidade se dá nos termos do que a Lei de Crimes Ambientais (art. 3º) prevê, ou seja, a pessoa jurídica será responsabilizada penalmente nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade, sendo que a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.

Neste sentido, a Sexta Turma do Tribunal da Cidadania explanou sobre a necessidade de na peça inaugural da ação penal o representante do Ministério Público descrever, ainda que de maneira mínima, a ligação entre a empreitada criminosa e o denunciado pessoa física, representante da pessoa jurídica.

Sexta Turma

CRIME. MEIO AMBIENTE. PESSOA JURÍDICA.

Conforme a jurisprudência deste Superior Tribunal, nos crimes que envolvem sociedades empresárias (nos quais a autoria nem sempre se mostra bem definida), a acusação tem que estabelecer, mesmo que minimamente, a ligação entre a empreitada criminosa e o denunciado. O simples fato de ser sócio, gerente ou administrador não permite a instauração da persecução penal pelos crimes praticados no âmbito da sociedade, se não se comprovar, ainda que mediante elemento a ser aprofundado no decorrer da ação penal, a relação de causa e efeito entre as imputações e a função do denunciado na sociedade, sob pena de acolher indevida responsabilidade penal objetiva. Na hipótese, foi denunciada, primeiramente, a pessoa jurídica e, por meio de aditamento, a pessoa física. Em relação a esta última, o MP, quando do aditamento à denúncia, não se preocupou em apontar o vínculo entre ela e a ação poluidora. Só isso bastaria para tachar de inepto o aditamento à denúncia. Contudo, soma-se a isso o fato de haver, nos autos, procuração pública que dá poderes para outrem gerir a sociedade. Daí que o aditamento não se sustenta ao incluir a recorrente apenas por sua qualidade de proprietária da sociedade. A inépcia do aditamento também contamina a denúncia como um todo, em razão de agora só figurar a pessoa jurídica como denunciada, o que é formalmente inviável, pois é impossível a responsabilização penal da pessoa jurídica dissociada da pessoa física, a qual age com elemento subjetivo próprio. Precedentes citados : RHC 19.734-RO , DJ 23/10/2006; HC 86.259-MG, DJe 18/8/2008, e REsp 800.817-SC, DJe 22/2/2010. RHC 24.239-ES, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 10/6/2010 .

Note-se: de acordo com o relato do caso julgado no RHC 24.239 ES, o STJ reafirma o entendimento a que fizemos menção acima sobre a impossibilidade de a pessoa jurídica figurar como sujeito ativo na prática de crimes. Ela não é sujeito ativo porque não tem capacidade de ação, capacidade de motivar de acordo com a norma etc.

Num primeiro momento o parquet fez constar na denúncia a pessoa jurídica, sendo que posteriormente procedeu ao aditamento da peça inaugural, mas de maneira insatisfatória, pois não demonstrou a relação de causa e efeito entre as imputações e a função do denunciado na sociedade, o que configura, sem sombra de dúvidas, espécie de responsabilidade penal objetiva.

De qualquer forma, o Ministro relator Og Fernandes concluiu pela impossibilidade de se prosseguir a mencionada ação penal, já que incorreto também o aditamento, a denúncia continua a prever apenas a pessoa jurídica, cuja responsabilização dissociada da pessoa física não existe.

O respeito ao princípio da dupla imputação (imputação à pessoa física e à pessoa jurídica) é uma imperiosidade lógica, visto o surrealismo de só se denunciar a pessoa jurídica, deixando de fora o verdadeiro criminoso. Permitir que somente a pessoa jurídica seja a processada criminalmente seria incrementar a produtividade da nossa fábrica de delinqüentes (que já transita por patamares bastante elevados).

Assistam nossos comentários em "Jurisprudência Comentada", nosso "Direito em Pílulas" na TVLFG e no LFG News .

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