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30 de Abril de 2024

Assédio sexual como dispositivo de opressão à mulher no ambiente de trabalho

há 7 anos
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A dinâmica patriarcal das sociedades impõem condições subalternas à mulher. Nota-se a posição de inferioridade nos grupos que envolvem a figura feminina. Na política, os ministérios brasileiros contam com representatividade mínima, e os cargos de liderança executiva pelo mundo seguem a mesma tendência. Na esfera econômica, os salários continuam menores em cargos iguais. Dentro das empresas, universidades e demais ambientes, por mais que sejam maioria em muitos quadros de funcionários, nas posições de chefia, os homens prevalecem.

Diante desse cenário, a luta das mulheres pela igualdade de direitos atravessou os séculos. Muitas batalhas foram travadas com o objetivo de barrar as restrições impostas a elas, quebrar paradigmas, reivindicar espaço e reconhecimento na educação e no trabalho. Manifestações em busca da inserção profissional e de salários igualitários eclodiram no século XIX e são praticadas até os dias atuais. O trabalho se tornou uma ferramenta que possibilita a ascensão vertical e a independência da mulher.

Tendo em vista a função sócio-política, o assédio sexual representa mais um dos mecanismos de inferiorização feminina. Segundo dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em todo o mundo, 52% das mulheres economicamente ativas já sofreram assédio sexual. Uma pesquisa divulgada pelo grupo ABC revelou ainda que, nos Estados Unidos, uma em cada quatro mulheres sofreu essa violência. Destas, 59% não denunciaram o agressor por acreditarem que a denúncia não surtiria efeito. Na maioria das vezes, o assédio envolve a opressão de gênero para garantir a posição histórica conferida ao homem. As ações se caracterizam como uma forma de discriminação, violando o direito de segurança e de igualdade das mulheres no espaço profissional.

Segundo a psicóloga Fabiane Oliveira, a ação pode estar presente em uma cantada ou um simples convite para sair, mas principalmente em situações como “procedimentos ou expressões acompanhados de linguagem sexista; exibição de fotos e textos com material pornográfico; disponibilização de informações da vítima que somente o assediante detém (ameaça de revelação de um segredo, por exemplo); toques, encurralamentos, apertos, esbarrões e agarramentos; telefonemas com declarações de amor; bilhetes; e-mails e postagens nas redes sociais; convites para relações sexuais no ambiente de trabalho; beijos furtivos e carícias”.

Marcas de um assédio

O termo “cultura do estupro” se tornou muito conhecido após o caso envolvendo uma garota no Rio Janeiro, violentada por, pelo menos, 30 homens. Isso porque muitas pessoas, principalmente nas redes sociais, culpabilizaram a vítima e relativizaram o ato ao tentar encontrar elementos no comportamento da jovem para justificar o estupro. Mesmo em situações extremas como essa, com grande divulgação, as manifestações sociais se mostram contrárias à mulher, fato que denuncia a maneira com a qual a figura feminina é vista na história.

De acordo com o artigo de Louise Helene Teixeira, advogada trabalhista de LBS Advogados, não há como discutir o papel da mulher na sociedade atual sem olhar para o passado porque, ainda hoje, é clara a herança de um tempo no qual o gênero determinaria possibilidades de atuação no meio social. “Em linhas gerais, sempre coube à mulher os deveres de zelar pela sua imagem de boa filha para o casamento e, ao sair dos domínios do pai, servir ao marido, assumindo o dever de cuidar dos desejos do mesmo, dos filhos e do lar. A mulher era desprovida de direitos civis e políticos e um objeto de servidão ao homem”, pontua.

A cultura do estupro demonstra uma realidade em que opiniões, comportamentos sutis, piadas e atitudes opressoras objetificam a mulher e a diminuem a ponto de se tornarem indivíduos feitos para servir os desejos masculinos. Tais fenômenos defendem os homens, que se sentem seguros para violar o espaço e próprio corpo feminino.

Ao transferir essa realidade para o assédio sexual dentro do ambiente de trabalho, o sentimento das vítimas com relação aos sinais se torna problemático. O medo, a insegurança, a culpa e a certeza da impunidade são pontos considerados antes de que uma denúncia seja realizada.

Louise destaca que, ainda que exista algum avanço, com as mulheres conquistando direitos e ocupando postos importantes, essa posição de submissão permanece presente, não apenas nas relações afetivas, mas principalmente nas relações de trabalho. “Por conta da conquista dos espaços de formação e profissionalização, a dificuldade em continuar rotulando a mulher como ser incapaz e incompetente profissionalmente é cada vez maior, tendo em vista que esta conquista se deu exatamente pela produção, pela capacidade. Não foi um espaço concedido, foi um espaço conquistado”, afirma a advogada.

A profissional ainda explica que, apesar dos progressos, ainda subsiste a imagem da mulher como objeto de satisfação do desejo, sendo este o ponto fraco e o terreno confortável para o assédio, em especial, no ambiente profissional.

Aos olhos da justiça

Os avanços na legislação do país ajudaram a mulher a conquistar espaço e direitos. O principal deles foi ao voto, estabelecido na Constituição de 1932, fato que movimentou o cenário político do país. De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a participação feminina é de quase 53% do total de 146.470.880 eleitores no Brasil. Apesar de desproporcional, a presença feminina também é realidade em cargos eletivos.

A violência contra a mulher é outra cruzada ao longo da história. A criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher em meados da década de 80 buscou eliminar disparidades e a discriminação. No entanto, a segurança feminina ganhou respaldo de vez somente no século XXI, com a Lei nº 11.340 de 2006 — Lei Maria da Penha — e a Lei nº 13.104 de 2015 — Lei do Feminicídio.

Da mesma maneira, a defesa das vítimas de assédio sexual é recente. Pela Lei nº 10.224, de 15 de maio de 2001, o Código Penal Brasileiro define o assédio sexual como “constranger alguém com intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

Rogério Cury, advogado especialista em direito penal, em entrevista ao site Delas, aponta o aspecto brando da lei: “Infelizmente, se você analisar, é a infração de menor potencial ofensivo, com uma das menores penas do Brasil. A detenção por assédio sexual é de um a dois anos, caso o crime seja comprovado”.

Outras duas formas de pena são as previstas no Código Civil e na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que seriam uma reparação por dano moral à vítima (no caso do Código Civil) e verbas indenizatórias (próprias da CLT).

Uma vez que as denúncias são apresentadas, é necessário provar que houve o crime de assédio. É nesta etapa em que estão os grandes problemas. Poucos são os casos nos quais o assédio é público ou existem testemunhas que possam contribuir para que o assediador não passe impune. Portanto, a vítima precisa recolher o máximo possível de evidências para garantir a condenação do criminoso. “Ela deve relatar o ocorrido ao superior imediato do assediador, aos colegas e a todos os que estiverem ao redor, bem como dirigir-se à autoridade policial e fazer um boletim de ocorrência. É importante reunir provas, podendo ser e-mails, bilhetes, testemunhas, áudios, vídeos e o que mais for possível”, aponta Viviana Callegari, advogada do consultório Posocco & Associados Advogados e Consultores.

Alguns casos

É possível ter noção do quão importante é obter evidências documentadas — e-mails, bilhetes, áudios e vídeos — ao buscar alguns casos de denúncia por assédio sexual que estão em trâmite na justiça (e podem ser conferidos no Portal da Justiça).

Evento 1

A primeira situação apresentada é a de S.C.S.*, uma empregada doméstica que teria sido molestada por S.L.C., seu contratante. De acordo com S.C.S., ela esteve por duas semanas prestando serviços domésticos na residência, mas teria sido assediada em diversas ocasiões por S.L.C., sendo que tais investidas consistiam em olhá-la durante a troca de vestimentas; mostrar-lhe fotografias de natureza erótica e, inclusive, dele próprio nu; apalpar as suas partes íntimas e proferir dizeres de cunho sexual. Relatou ainda que, durante um episódio de carona, o contratante expôs o órgão genital e tentou fazer com que ela o masturbasse. Em razão do constrangimento sofrido, S.C.S. teria abandonado o emprego. Na defesa, S.L.C. negou as práticas e creditou as acusações pela negativa de um adiantamento de salário.

Não havia algo além dos relatos. A defesa do réu utilizou o argumento da falta de provas, o que acabou sendo definidor na sentença do juiz. “Revela-se imperioso que a versão da vítima, além de segura, encontre respaldo em outros elementos de prova, sob pena de, isoladamente como se mostra in casu, não servir de base à expedição de decreto condenatório”, relata nos autos o magistrado.

*Os nomes dos envolvidos foram ocultados conforme o parecer jurídico

Evento 2

Diferentemente do caso inicial, este conta com algumas provas além do relato da provável vítima. Entre elas, estão boletim de ocorrência, atestado médico comprovando afastamento do trabalho referente a “outros transtornos ansiosos”, além de emails enviados a outro funcionário contando sobre o ocorrido. Contudo, não houve uma prova direta que envolvia o denunciado. “Não houve produção de quaisquer outras provas que pudessem confirmar as alegações da autora, nem mesmo oitiva de testemunha que pudesse corroborar as afirmações da autora”, analisou o juiz, que rejeitou o pedido de indenização.

Ao avaliar os casos, é possível perceber as deficiências de políticas públicas a fim de proteger a integridade das trabalhadoras. Se na maioria das vezes o assediador não comete a violência em público e se preocupa com o registro dos seus atos, as dificuldades em encontrar provas materiais do ato contribuem para um cenário de opressão à mulher e o assédio se torna mais uma das ferramentas de uma sociedade machista.

Esta reportagem foi escrita por Érika Alfaro, Fabio Toledo e Juliana Borges para o blog Jornalismo Especializado Unesp

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