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29 de Abril de 2024

Caixa postal pode ser utilizada para citação de empresa

Publicado por Expresso da Notícia
há 14 anos
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Se for o único endereço fornecido por pessoa jurídica, a caixa postal é válida para citação judicial pelo correio, em ação em que se discute relação de consumo. A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao negar provimento ao recurso do Banco Fininvest S/A. A Turma acompanhou, por unanimidade, o voto da relatora do processo, ministra Nancy Andrighi.

Um cliente ajuizou ação revisional de contrato bancário e pedido liminar para retirar seu nome de cadastro de inadimplentes. O endereço indicado para citação do banco foi uma caixa postal localizada em São Paulo. Como o Fininvest não contestou a ação, o julgamento se deu à revelia. No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), a sentença foi mantida. O banco deveria adotar como índice de correção o IGP-M e reduzir os juros remuneratórios para 12% ao ano, e não poderia cobrar taxa de permanência e multa diária de R$ 240, até a retirada do nome do cliente do cadastro de inadimplentes.

No recurso ao STJ, já na fase de execução do julgado, a defesa do banco alegou que o processo deveria ser anulado, pois a caixa postal não seria meio válido para a citação. Ela se prestaria apenas para fins de devolução de correspondências para a empresa, recolhidas por empregados de empresa terceirizada. Também alegou ofensa ao artigo 223 do Código de Processo Civil (CPC), pois a citação pelo Correio deve ser por carta registrada entregue ao citado, com assinatura de recebimento de quem tem poderes de gerência ou administração. Também sustentou haver dissídio jurisprudencial (julgados com diferentes conclusões acerca do mesmo tema).

A ministra relatora apontou que a jurisprudência pacífica do STJ é no sentido de que a citação pelo Correio de pessoa jurídica é válida mesmo que o funcionário que receba a correspondência não tenha poderes expressos para isso. A ministra Nancy Andrighi reconheceu que muitas vezes há dificuldade em localizar o funcionário habilitado para receber citações nas empresas, dificultando o trabalho do oficial de justiça.

No julgamento, a relatora ponderou que, consoante o acórdão recorrido, “a ré não informa, em suas correspondências aos clientes, o seu endereço, disponibilizando apenas telefones das centrais de atendimento e a caixa postal para a qual foi remetido o AR, provavelmente para dificultar o recebimento de citações e tornar inválidas as realizadas em outros endereços”. Nessas condições, ela observou que, “se o endereço da caixa postal é suficiente para eventuais reclamações do consumidor para a comunicação de fatos importantes para ele, seria contraditório pensar que não o seja para resolver questões que tragam, em contrapartida, transtornos à fornecedora de bens em serviços”. Concluiu, portanto, com fundamento no princípio da boa-fé objetiva, ser válida a citação.

Ao acompanhar a relatora, o ministro Massami Uyeda afirmou que muitas vezes o consumidor fica “atado a essas situações, sem ter como enviar citações”. Ele também apontou que em nenhum ponto do processo se alegou que a caixa postal não era do Fininvest.

Processo RESp Nº 981.887

Leia, abaixo, a íntegra da decisão:

"RECURSO ESPECIAL Nº 981.887 - RS (2007/0202786-9)

RECORRENTE : BANCO FININVEST S/A

ADVOGADO : ALICE BATISTA HIRT E OUTRO (S)

RECORRIDO : GILSON ROSA DOS SANTOS

ADVOGADO : ALBINO BENO MAURER

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto por BANCO FININVEST S/A para impugnação de acórdão exarado pelo TJ/RS no julgamento de agravo de instrumento.

Ação: revisional de contrato bancário, com pedido de medida liminar para retirada de seu nome de cadastros de inadimplentes, ajuizada por GILSON ROSA DOS SANTOS em face do Banco.

Medida liminar: deferida, determinando-se a retirada do nome do autor dos cadastros de inadimplentes sob pena de pagamento de multa diária de R$ 240,00.

Citação: Na petição inicial, o endereço indicado para a citação do réu era, simplesmente, o da Caixa Postal nº 66.129, em São Paulo, SP. Promovida a citação por carta enviada a esse endereço, a instituição financeira não apresentou contestação.

Revelia: reconhecida.

Sentença: julgou procedente o pedido, para o fim de revisar o contrato discutido de modo que: (i) seja aplicada correção monetária pelo IGP-M; (ii) reduzam-se os juros remuneratórios ao patamar de 12% ao ano; (iii) fique vedada a cobrança de comissão de permanência; (iv) limitem-se também dos juros moratórios a 1% ao mês, observado o limite global de 12% ao ano para a soma de juros moratórios e remuneratórios; (v) seja a multa contratual limitada a 2%; (vi) fique reconhecido o direito à compensação; (vi) tornem-se inválidas “cláusulas contratuais adesivas de efeitos ilegais e/ou abusivos, que aetem concretamente o equilíbrio e a comutatividade das relações jurídico-negociais de consumo objeto desta lide”.

Execução judicial: ajuizada para cobrança da multa diária fixada em medida liminar.

Instado a fornecer um endereço para a citação no processo de execução, o autor ponderou que “este endereço não é divulgado pela central de atendimento da FININVEST S/A” e que “consta nos contratos e faturas de pagamenos de clientes

somente a caixa postal já fornecida” . Assim, pediu que o mandado de citação fosse cumprido na agência mais antiga de Porto Alegre, cujo endereço forneceu.

Exceção de pré-executividade: oposta pela instituição financeira.

Alega-se: (i) que há nulidade da citação no processo de conhecimento, uma vez que (i.1) o mandado não poderia ter sido expedido para simples caixa postal; (i.2) a caixa postal referida é utilizada meramente para fins de devolução de correspondências, pelos correios; (i.3) o AR expedido para a citação é deficiente, já que não contem a advertência de que o ato se referiria a citação judicial; (ii) ausência de concessão de prazo para cumprimento da obrigação de fazer; (iii) incidência da astreinte somente após a citação

na ação de execução.

Decisão: rejeitou a exceção de pré-executividade.

Agravo de instrumento: interposto, foi rejeitado por decisão unipessoal

exarada pelo TJ/RS.

Agravo interno: improvido por acórdão assim ementado:

“AGRAVO INTERNO. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU PROVIMENTO AO AGI. Nada há a modificar na decisão monocrática que negou provimento ao recurso, porque, ao assim se pronunciar, a relatoria evidenciou seu entendimento no sentido da manifesta improcedência da inconformidade, haja vista a orientação jurisprudencial desta Corte, em casos similares, denotando, conseqüentemente, a ausência de razão do agravante quanto ao mérito”

Recurso especial: interposto com fundamento nas alíneas a e c do

permissivo constitucional. Alega-se violação ao art. 223, além de dissídio jurisprudencial.

Admissibilidade: Sem contrarrazões, o recurso foi admitido na origem.

É o relatório.

RECURSO ESPECIAL Nº 981.887 - RS (2007/0202786-9)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

RECORRENTE : BANCO FININVEST S/A

ADVOGADO : ALICE BATISTA HIRT E OUTRO (S)

RECORRIDO : GILSON ROSA DOS SANTOS

ADVOGADO : ALBINO BENO MAURER

VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

I - Delimitação da lide

Cinge-se a lide a estabelecer se é válida a citação enviada, no processo deconhecimento, à Caixa Postal da empresa-ré, constante de faturas enviadas ao consumidor.

II - A citação pela via postal e a teoria da aparência

A jurisprudência desta Corte está pacificada no sentido de que “é possível a citação da pessoa jurídica pelo correio, desde que entregue no domicílio da ré e recebida por funcionário, ainda que sem poderes expressos para isso” (AgRg no Ag 711.722/PE , Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª Turma, DJ de 27/03/2006, com citação, no corpo do acórdão, de diversos precedentes). Trata-se do que a doutrina convencionou chamar citação indireta que, nas palavras de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, consubstancia “uma legítima projeção da teoria da aparência, pela qual se reputa juridicamente relevante a crença naquilo que parece ser, ainda quando na realidade possa não ser o que parece” (Instituições de Direito Processual Civil, vol. III, 6ª edição: São Paulo, Malheiros, pág. 421).

Referida técnica de relativização da norma do art. 215 do CPC fundamenta-se pelo reconhecimento de que “às vezes é difícil identificar com precisão quem é o sujeito habilitado por estatuto ou contrato social a receber citações pela empresa” e de que “a rígida exigência de citar somente tais sujeitos abre amplo espaço para as escusas e negaças do demandado que pretenda furtar-se à citação, dificultando o trabalho do oficial de justiça e retardando a tutela jurisdicional” (op. loc. cit.) Assim, um dos principais motivos da relativização é justamente o de contornar as dificuldades voluntariamente opostas pelo réu à sua cientificação quanto à existência do processo.

O processo em julgamento foge do padrão em que esta Corte usualmente

tem reconhecido a validade da citação indireta das pessoas jurídicas. Aqui, não se está

diante de mandado recebido por pessoa sem poderes para tanto na sede ou em filial da

empresa-ré. Trata-se de correspondência remetida para a caixa postal da empresa,

mantida na agência dos correios. A recorrente alega que a caixa postal se destinava

exclusivamente ao recebimento de cartas devolvidas pelos correios, e que em momento

algum poderia ter se prestado à citação judicial. Por isso, alega que não teve ciência do

processo e deixou de contestá-lo, com o reconhecimento de sua revelia.

A 2ª Turma do STJ já enfrentou questão similar, entendendo que é nula a

citação promovida por correspondência postada para a Caixa Postal de empresa (REsp

489.791/MT, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 19/12/2008).

Contudo, uma nova reflexão sobre a matéria é possível. Consoante se extrai

do acórdão recorrido, a citação neste processo foi remetida à Caixa Postal da empresa

porquanto “a ré não informa, em suas correspondências aos clientes, o seu endereço,

disponibilizando apenas telefones das centrais de atendimento e a caixa postal para a

qual foi remetido o AR, provavelmente para dificultar o recebimento de citações e tornar

inválidas as realizadas em outros endereços” (fl. 124).

Ora, se nas comunicações enviadas ao consumidor a Caixa Postal é

apresentada como único endereço da empresa, é razoável pensar que é para ele que

devem ser expedidas todas as correspondências que tratem da relação de consumo.

Some-se a isso o fato de que há manifestações do consumidor, no processo, no sentido de

que a Central de Atendimento do Banco não fornecia o endereço de sua matriz, o que

corrobora a suspeita, levantada pelo acórdão recorrido, de que a intenção da recorrente

era, de fato, a de dificultar sua localização.

É também interessante ponderar que, se o endereço da Caixa Postal é

suficiente para eventuais reclamações do consumidor, para a comunicação de fatos

importantes para ele, para que ele tente resolver assuntos que lhe tragam transtornos,

seria contraditório pensar que não o seja para resolver questões que tragam, em

contrapartida, transtornos à fornecedora de bens ou serviços. A ausência de contestação

no processo, com fundamento na falta de ciência da recorrente quanto à citação recebida,

somente é mais um elemento que demonstra o descaso com que a empresa trata as

demandas de seus consumidores. Se alguém devidamente orientado tivesse sido

designado para ler as correspondências dos consumidores enviadas para a referida Caixa

Postal, seguramente a citação teria chegado ao conhecimento do departamento jurídico da

recorrente.

É importante lembrar que, tanto nas relações de consumo, como nas relações contratuais em geral, o princípio da boa-fé objetiva deve ser colocado em primeiro plano. Como é cediço, referido princípio apresenta diversas funções, entre as quais se destaca a de criação de deveres anexos ao contrato . A doutrina corrente inclui,

entre tais deveres, o de informação, de assistência, de colaboração, de segurança, entre

outros. A manutenção de um canal eficiente de comunicação com os consumidores é,

portanto, inerente à relação contratual de consumo.

Nesse contexto, a finalidade buscada pela doutrina e pela jurisprudência ao

relativizar as regras de citação se mostram presentes, justificando a convalidação do ato.

Se a instituição financeira fornece como seu único endereço uma caixa postal, ela tem de

zelar pela eficiência dessa modalidade de comunicação e, nas palavras de Dinamarco

(cit., pág. 422), “eventual deficiência interna, pela qual a citação não chegue ao real

destinatário, fica por conta dos riscos do negócio, de grande significado na moderna

teoria das empresas em geral, assim como da" culpa in eligendo ", também inerente a

essas atividades” .

Forte em tais razões, conheço do recurso especial mas lhe nego provimento.

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