Candidato de pele branca e olhos verdes volta a ser aprovado por cotas em concurso do Itamaraty
Mathias Abramovic, que causou polêmica em 2013 ao se declarar negro no concurso, passou na primeira fase
O resultado final na primeira fase e convocação para a segunda fase traz os 60 primeiros candidatos que se declararam pretos ou pardos e mostra a nota obtida pelo participante. Abramovic tirou 46,5, ou seja, 0,5 ponto abaixo da nota de corte na ampla concorrência. O GLOBO entrou em contato com a família do rapaz, mas não obteve resposta.
Desde 2011, quando o Itamaraty instituiu cotas para afrodescendentes como benefício na primeira fase do concurso, Abramovic opta pela autodeclaração. Na edição de 2013, ele passou nas duas primeiras fases do concurso. Na ocasião, a política de cotas era válida apenas para a primeira fase, na qual somente as 100 maiores notas eram classificadas para a segunda etapa. Esta é a primeira edição cuja reserva será adotada em todas as fases do concurso, em função da lei de 2014 que prevê cota de 20% das vagas em concursos públicos federais a candidatos autodeclarados negros ou pardos.
O processo seletivo deste ano oferece 30 vagas, sendo seis para negros e pardos. Ao todo, são 5.271 candidatos na ampla concorrência e 671 para as vagas de afrodescendentes. Também há 61 vagas reservadas a portadores de deficiência. O resultado final deve ser divulgado em dezembro, ao fim de quatro etapas. O salário inicial é de R$ 15.005,26.
Abramovic é morador da Zona Sul do Rio e ex-aluno do Colégio Santo Agostinho do Leblon, um dos mais tradicionais do Rio. Ele também é formado em Medicina pela Uerj em 2003. Na entrevista ao GLOBO, ele afirmou que se enquadrava na política de cotas no aspecto legal e moral, justificando que na árvore genealógica de sua família havia avós e bisavó negros.
- Desde bem pequeno, minha família, minha mãe, meu pai sempre frisaram nossa origem multiétnica. Minha mãe, especificamente, sempre falava que a gente tem negro, índio... Ela mesma é nordestina, vinda do interior do Piauí. Veio para ca quando criança com o resto da família. Meu pai também tem origens variadas. Uma bisavó por parte do meu pai é negra. Por parte da minha mãe, tenho avós pardos - disse. - Meu sobrenome não deixa esconder que tem uma origem judaica também. Então, eu sou de repente uma concentração de minorias. Negro com ascendência negra, indígena, nordestina e judaica.
Na mesma época, sua mãe, Odalia de Souza Lima Abramovic, se pronunciou por meio de e-mail. Ela disse que é nordestinda de Teresina, no Piauí, e descreveu a genealogia de sua família.
ONG VAI ACIONAR PROCURADORIA
O diretor da ONG Educafro, Frei David Santos, acompanha a situação desde 2013 e disse que hoje mesmo a entidade vai pedir uma audiência com a procuradora da República, Ana Carolina Alves Araújo Roman, que aceitou a representação da comunidade negra sobre a falta de critério do Itamaraty em sua política de cotas.
- Vou fazer essa audiência de qualquer jeito. Se o Itamaraty não aceita ter como postura um serviço público responsável e insiste em deixar que qualquer branco passe por cotas, vamos ter que abrir um processo por improbidade administrativa - disse.
Ele lembra que o Superior Tribunal Federal já garantiu que é plenamente constitucional a autodeclaração seguida de comissão para averiguar a autenticidade do que foi informado.
- Sabemos que o direito administrativo do Itamaraty tem conferido de maneira radical documentos, como certificados de conclusão de curso, para barrar qualquer fraude. Por que esse mesmo direito administrativo é relapso quando o direito constitucional fala que tem que ser colocada em prática a autodeclaração seguida de averiguação? - questiona. - E se administração pública deixa um branco de olhos verdes assumir o cargo de embaixador dessa forma, está corroendo a ética na sociedade brasileira.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o Itamaraty informou que o concurso não tem como desobedecer a lei que define a autodeclaração como critério de inscrição às vagas reservadas.
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