Com sangue na boca
Em entrevista à Pública, o delegado Paulo Lacerda, que reestruturou a PF no governo petista, critica protagonismo do MPF e diz que tribunal furou a fila para condenar Lula
Vasconcelo Quadros, da Agência Pública
Quando assumiu o comando do Ministério da Justiça, em 2003, o criminalista Márcio Thomaz Bastos definiu a reestruturação da Polícia Federal (PF) como prioridade de sua gestão. Bastos conhecia como poucos a instituição, seus integrantes e os vícios que esta herdara do regime militar e dos governos civis anteriores, como o hábito de atuar ao sabor dos interesses do poder, fazer vistas grossas à malandragem política e aos desvios internos marcados por alarmantes índices de corrupção.
Inverter essa lógica tornara-se o desafio. Mas a surpresa ficou por conta do anúncio do nome que Bastos escolheu para dirigir a corporação: Paulo Fernando Lacerda, justamente o delegado que, na esteira das investigações que ajudaram a derrubar Fernando Collor, desvendara outros esquemas de corrupção, entre os quais figuravam como alvos os principais clientes do escritório do próprio ministro.
“O Paulo Lacerda é o melhor servidor público que conheço. É um policial profissional”, justificou à época o então ministro da Justiça. Os dois estabeleceram uma rotina diária de conversas reservadas, sempre pela manhã, e tinham um diagnóstico preciso: combater a corrupção enraizada na relação entre empresários financiadores da política e os poderes da República só seria possível cortando na própria carne. Certo dia, enquanto aguardava na antessala do gabinete de Bastos, um jornalista provocou Lacerda, perguntando como agiria a PF no novo governo. “Vocês não escrevem que a Polícia Federal é uma caixa-preta? Pois nós vamos abri-la”, disse, sem entrar em detalhes.