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3 de Maio de 2024

Condenação a crime de colarinho branco cresceu 638% em 12 anos, diz estudo

Publicado por Consultor Jurídico
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Por Jomar Martins

Nunca os crimes de colarinho branco foram tão punidos no Brasil. De 2000 a 2012, o número de condenações desses crimes saltou de 44 para 325 — um aumento de 638%. Para se ter uma ideia, de 1987 a 1995, foram apenas 6 condenações em mais de 682 casos investigados. Os dados estão presentes em uma pesquisa feita pelo advogado e professor de Direito Penal Francis Beck, apresentada no II Congresso Luso-Brasileiro de Criminalidade Econômico-Financeira.

Em números absolutos, de 2000 a 2012, foram 4.684 condenações, 1.490 absolvições e 1.390 decisões extintivas de punibilidade — veja abaixo o infográfico. Os números são referentes às ações que correram no Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, nos cinco tribunais regionais federais, além do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

O evento aconteceu entre dias 13 e 14 de novembro na Pontifícia Universidade Católica, em Porto Alegre. A palestra de Francis Beck, sócio do escritório Beck & Caleffi, teve como base sua tese de doutorado e trouxe números considerados inéditos.

No levantamento, o advogado considerou como de colarinho branco os crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei 7.492/1986), contra a ordem tributária (Lei 8.137/1990), contra a ordem econômica (Lei 8.137/1990), crimes licitatórios (Lei 8.666/1993), contra a ordem previdenciária (artigos 168-A e 337-A do Código Penal) e a lavagem de dinheiro (Lei 9.613/1998).

Identificadas as categorias, Beck se debruçou sobre a atuação da Polícia Federal, do Ministério Público (gaúcho e federal) e de outras instituições com responsabilidade de regulação em temas financeiros — como Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Superintendência dos Seguros Privados (Susep), Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc), Receita Federal e tribunais de contas (do RS e da União).

Em relação às operações da Polícia Federal para investigar os crimes de colarinho branco, os números também são superlativos: foram de 3 operações em 2003 contra 48 em 2010 — um aumento de 1.500%. Entre 2006 e 2012, quando o Sistema Nacional de Procedimento (Sinpro) já estava sendo alimentado com dados, o total de inquéritos produzidos sofreu redução de 60% (de 12.599 para 4.970 inquéritos). Ao contrário da Polícia Federal, o Ministério Público Federal não possui informações unificadas sobre o total de denúncias oferecidas à Justiça.

“Há menos de 30 anos, sequer se falava em criminalidade de ‘colarinho branco’ no Brasil, mas a realidade empírica apresentada hoje indica que muita coisa mudou em pouco tempo. Se ainda não é possível afirmar que existe uma ‘democratização’ na aplicação da lei penal — entre o ‘andar de cima’ [mais abastados] e o ‘andar de baixo’ [os mais pobres]—, ao menos pode ser asseverado, sem dúvida, que o Brasil nunca deu tanto destaque, identificou, investigou, processou e condenou estes crimes como o faz atualmente”, afirma o criminalista gaúcho.

Para ele, a operação “lava jato”, deflagrada há meio ano, é fruto de anos de trabalho dos órgãos administrativos de controle, que agiram de forma integrada com a Polícia Federal. “Se formos pegar os dados destes órgãos de controle, veremos que a curva também é ascendente no número de comunicações. Estes crimes são de alta complexidade técnica e operacional, muitos invisíveis aos olhos de pessoas fora da área, mesmo policiais e membros do MP’’, conclui.

Produção da prova

O professor da Universidade Autônoma de Lisboa Manuel Valente, que fez a palestra de abertura e conduziu todos os trabalhos, afirmou que “há muito a se fazer na dogmática penal, processual e material”. Conforme Valente, que também dirige o Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna (ICPol), com sede em Lisboa, é preciso repensar toda a ‘‘máquina persecutória’’ punitiva do estado, para que os direitos e as garantias individuais dos cidadãos não sejam completamente nulificados, nem a prova invalidada.

Para o delegado Alexandre Isbarrola da Silveira, chefe da delegacia de repressão a crimes fazendários da PF no Rio Grande do Sul, o desafio é utilizar de forma adequada as ferramentas previstas na legislação, especialmente na Lei 12.850/ 2013, que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, as infrações penais correlatas e o procedimento criminal. Nesta, estão previstas a infiltração policial, a delação premiada, a captação ambiental de sinais, além de outras possibilidades.

Os mecanismos, entretanto, não vêm sendo utilizado em sua plenitude pela absoluta ausência de critérios claros. Conforme o delegado, se o legislador não chegar a este detalhamento, a prova colhida — especialmente a derivada de escuta ambiental e interceptações telefônicas e de dados — poderá ser considerada nula na Justiça.

Garantias individuais

O advogado e professor Danilo Knijnik, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirmou que o grande dilema é compatibilizar as garantias individuais com o alto poder invasivo das novas tecnologias. “Gerações de juristas têm se empenhado em achar o ponto de equilíbrio, porque não adianta colocar as garantias com um valor absoluto, já que isso acaba prejudicando a própria sociedade, que precisa do combate à criminalidade”, explica.

Por outro lado, adverte, não adianta conferir poder ilimitado aos órgãos de investigação porque, na outra ponta, acaba prejudicando esta mesma sociedade, que quer segurança, também, na sua individualidade.

O inquérito e o MP

Em um painel sobre o inquérito policial, o advogado e professor de Direito Penal Aury Lopes Júnior, da PUC-RS, afirmou ser preciso definir, constitucionalmente, o papel do Ministério Público na investigação. “Se o MP pode investigar ou não, isso demanda outra disciplina legal sobre o tema. O que não se pode ter são investigações feitas pelo MP de maneira informal. O inquérito é formal, enquanto a investigação pelo MP está na informalidade”, constata.

Para o diretor-regional da Associação Nacional dos Delegados da Policia Federal (ADPF) no RS, Josemauro Pinto Nunes, a PF deve capitanear a investigação, por ser atribuição constitucional da policia judiciária. Caberia ao MP, somente, fiscalizar o trabalho da polícia.

“Pela doutrina que vimos adotando, o trabalho da polícia é conduzir investigação para apurar os fatos — e não apurar os fatos para aquela finalidade acusatória. O MPF tem o viés de promover a ação penal, oferecer a denúncia. Quer dizer: esta mistura pode trazer nulidades para dentro da própria investigação. Se ele é parte da constituição da prova, poderá viciá-la”, justifica.

https://infogr.am/combate-aos-crimes-de-colarinho-branco

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