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6 de Maio de 2024

Criminalidade econômica traz desafios para dogmática penal

Publicado por Consultor Jurídico
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Em 2012, Silva Sánchez publicou na Revista Brasileira de Ciências Criminais um texto sobre teoria do delito e Direito Penal Econômico [1], no qual identifica os problemas dogmáticos que a criminalidade de empresa coloca para os paradigmas clássicos da teoria geral do delito, e aponta que essas dificuldades já estão sendo superadas na práxis judicial sem um correlato suporte consistente por parte dos estudiosos. No Brasil, a situação não é diferente, talvez seja ainda mais grave, especialmente tendo em vista as dimensões continentais de nosso país e o elevado número de litígios penais, tudo a produzir um emaranhado de decisões contraditórias. Quem tiver a curiosidade de acompanhar o dia a dia dos tribunais superiores nos temas a seguir mencionados logo se dará conta do quanto são volúveis as soluções, algo que, além de gerar desigualdade e insegurança aos jurisdicionados, em vários casos implica algo mais nefasto: a violação do princípio da legalidade. E é aos estudiosos que cumpre, antes dos demais, apresentar soluções sistematicamente coerentes aos problemas jurídico-penais concretos [2], debruçando-se sobre os problemas para lhes apontar as possibilidades de abordagem dentro do sistema jurídico positivo.

O texto de Silva Sánchez apresenta um confronto entre o paradigma clássico e as situações características da criminalidade econômica, para evidenciar as dificuldades de responsabilização penal.

Se, no paradigma clássico, predomina a figura do autor individual, no âmbito da criminalidade econômica ocorre justamente o oposto. A divisão de competências e funções no âmbito da administração de gerência de sociedades empresárias é o ambiente natural no qual se dá a prática de crimes econômicos. Isto implica em fragmentação não só da realização objetiva do tipo penal, mas igualmente da fragmentação da informação dentre as camadas operacionais e gerenciais da empresa, com todas as dificuldades que isso traz para tanto para a imputação do tipo objetivo, como para o do tipo subjetivo [3]. Vários são os atores que aportam sua parcela para que o crime seja cometido e, assim, não só a prática criminosa é fragmentada sob o ponto de vista de sua execução, mas também a informação (o conhecimento) necessário à configuração do dolo se encontra dividido entre as camadas da empresa. Algumas das respostas que têm sido dadas a essas dificuldades vão aos extremos, como a aplicação no âmbito empresarial da autoria mediata por aparatos organizados de poder [4], do lado objetivo, à aplicação da teoria da cegueira deliberada [5], do lado subjetivo.

Enquanto o dolo direto de primeiro grau pode ser tido como o paradigma clássico da realização subjetiva do tipo, no âmbito da criminalidade econômica, a ideia de risco e de levar a sério esse risco, dentre outras, tem conduzido ao acolhimento das propostas de abandono do aspecto volitivo, o qual, indemonstrável com segurança senão pela confissão [6], pouco parece poder agregar ao desvalor da conduta [7]. Em um mundo no qual o dolo prescinde de seu elemento volitivo, o peso do conhecimento como centro do desvalor da conduta aumenta, sendo fundamental que se desenvolvam critérios seguros sobre a amplitude e profundidade de conhecimento exigido pelo tipo subjetivo. Aqui também a fragmentação do conhecimento no âmbito da atividade empresarial joga um papel fundamental, especialmente sob o ponto de vista do tratamento do erro sobre os elementos do tipo e sobre a proibição [8].

Enquanto no paradigma clássico predomina a repressão a condutas desvaloradas por si mesmas (mala in se), no âmbito do Direito Penal Econômico predominam proibições de condutas cujo conteúdo sequer pode ser compreendido sem o conhecimento das normas do ramo primário de proibição (mala quia prohibita). Um dos reflexos dessa vinculação entre o tipo de injusto e a regulação no ramo jurídico primário é a afamada afirmação da independência entre as instâncias, tão solene e inutilmente proclamada por nossos tribunais, que não hesitam em negá-la quando a instância tecnicamente competente para avaliar a regularidade ou não de uma conduta considera-a regular [9]. Há vários precedentes nos quais a decisão da esfera administrativa acerca da regularidade da operação conduziu ao trancamento da ação p...

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