Delimitação de território quilombola no Pará é oficializada após trabalho conjunto do MPF, MPPA e Incra
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), por meio da superintendência da instituição no oeste do Pará, publicou na última segunda-feira (3), o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território quilombola Ariramba, localizado no município de Óbidos (PA). A área delimitada é de 12,4 mil hectares, onde foram identificadas 27 famílias remanescentes de quilombos.
A publicação só foi possível porque o Incra, o Ministério Público Federal (MPF) e o Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) fizeram um trabalho conjunto para corrigir erro de georreferenciamento que sobrepôs outro território quilombola ao território do Ariramba. O erro na realização do georreferenciamento havia incluído a área do Ariramba no território quilombola do Erepecuru, e as informações irregulares foram registradas no título concedido ao Erepecuru, limítrofe ao Ariramba.
Para que essa irregularidade não atrasasse ainda mais o processo de regularização do Ariramba — já bastante lento por ter tido áreas afetas às florestas estaduais (flotas) Trombetas e Faro —, o MPF, Incra e MPPA conseguiram a correção do título do território quilombola do Erepecuru no cartório de registro de imóveis de Oriximiná, tendo sido expedida a certidão de retificação. Com a área retificada, foi possível concluir o RTID publicado esta semana.
A área delimitada, conforme os dados apresentados nas peças técnicas que compõem o processo, propõe a demarcação do território com base nas áreas de moradia; nas terras reservadas à execução das atividades produtivas; e nos espaços de uso comum, deslocamentos, lazer, manifestações religiosas e culturais tradicionais.
Desafetação das flotas – “Ainda resta pendente a desafetação das flotas para finalização do processo de demarcação do território quilombola do Ariramba”, alerta a procuradora da República Fabiana Schneider.
Esse tema foi abordado em recomendação conjunta do MPF e MPPA publicada no final de março. O documento recomenda ao Estado do Pará que sejam anuladas as autorizações para exploração florestal e atividade rural em áreas que se sobreponham à Flota Trombetas e ao território quilombola Ariramba, incluindo as concedidas à empresa Nobre Serviços e Logística, referente à fazenda Murta I, cuja área se sobrepõe em grande parte às terras quilombolas.
Em junho de 2015, a Associação dos Remanescentes de Quilombo Ariramba (Acorqa) pediu providências ao Ministério Público após a comunidade perceber a abertura de picadas na floresta, plaqueamento de árvores e presença de não quilombolas transitando pelos rios e áreas de caça da comunidade. Foi instaurado inquérito civil, que resultou na recomendação assinada pela titular da Promotoria de Justiça Agrária de Santarém, Ione Missae Nakamura, e pela procuradora da República Fabiana Schneider.
O Ministério Público recomendou ao Estado do Pará, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas), que cancele, de imediato, as autorizações concedidas em fevereiro deste ano em favor da empresa Nobre Serviços, além do Cadastro Ambiental Rural (CAR) registrado em 2015, e qualquer outra autorização ambiental para exploração florestal sobreposta ao território quilombola.
Ao Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do estado do Pará (Ideflor-Bio), MPF e MPPA recomendaram que seja vistoriada a área para avaliar a existência de exploração florestal e possível dano ambiental em área da Flota Trombetas sobreposta ao território Ariramba.
Ao Estado do Pará foi recomendada a adoção de esforços para titulação definitiva do território quilombola Ariramba na área sob a gestão estadual, cujo processo de reconhecimento está concluído pelo Instituto de Terras do Estado do Pará (Iterpa), aguardando a desafetação da área sobreposta à Flota Trombetas e assinatura da titulação pelo governador do estado.
Danos e agravamento de conflitos - Os documentos fundiários que justificaram as autorizações concedidas para exploração pela Nobre Serviços apresentam inconsistência de informações, conforme demonstrou a apuração do MPPA e MPF, com explorações em áreas externas ao perímetro indicado no título.
Informações do setor de cartografia do Incra indicam sobreposição de grande parte dos imóveis Fazenda Murta I e Fazenda Murta II com o território Ariramba. Tramita na Justiça Federal de Santarém uma ação civil ajuizada pela defensoria pública que requer o cancelamento das matrículas imobiliárias das duas fazendas, no cartório de Óbidos, por “flagrantes violações” das normas no registro.
A recomendação ressalta que a identidade das comunidades quilombolas está atrelada à posse dos territórios tradicionalmente ocupados. O MP considera que "a continuidade da exploração econômica que utilize os recursos naturais do território quilombola Ariramba, pautados em documentos fundiários duvidosos, causam prejuízos à posse tradicional dos quilombolas e contribuem para o agravamento dos conflitos agrários e socioambientais na região".