Delinqüência juvenil não escolhe classe social
Para psicóloga mestre nas áreas da infância e adolescência, atitudes de humilhação e o ''eu em detrimento do outro'' são indicadores de mau comportamento
Crianças mal-educadas, rédeas soltas, adolescentes violentos. Numa equação cujo saldo negativo só faz crescer, pais e educadores se vêem diante de uma sinuca: como combater a delinquência infanto-juvenil? Seria a delinquência um problema de saúde pública?
Para a psicóloga Myrna Elisa Chagas Coelho, mestre em psicologia da infância e adolescência, somente uma ação conjunta e preventiva pode evitar comportamentos não adequados. Nas palavras de Myrna, mais que punir o errado, é preciso valorizar o certo, para que as crianças desenvolvam e aperfeiçoem condutas de civilidade.
Qual a origem da delinquência entre crianças e jovens?
Diferentes níveis de gravidade dos comportamentos delinquentes emergem gradualmente ao longo da infância e adolescência evoluindo em frequência, intensidade e complexidade. Esses comportamentos iniciam-se na primeira infância e vão se agravando com o passar dos anos, associando-se a outros comportamentos anti-sociais mais graves, podendo assumir padrões criminosos na fase adulta. São muitos os fatores que contribuem para a determinação e manutenção dos comportamentos desviantes. Entre eles, práticas parentais ineficazes, ausência de monitoramento parental, maus tratos, abusos físicos ou emocionais e exposição a ambiente social violento. De qualquer modo, é importante ressaltar que nenhum desses fatores deve ser considerado de forma isolada.
Nas escolas, temos cada vez mais notícias de professores vítimas da violência por parte de crianças. Como combater a delinquência infantil?
A escola desempenha um papel importante, não só na formação cultural dos alunos, como também na formação do seu comportamento moral e social. O envolvimento da criança e do adolescente em atividades saudáveis e que explorem suas habilidades cria condições para o fortalecimento de sua auto-estima, autoconfiança, autocontrole e vínculo com o próximo. É importante que eles se destaquem por seus talentos. Quando se sentem valorizados e reconhecidos, menores são as chances de se envolverem em comportamentos anti-sociais.
E qual é o papel dos pais nesse processo?
Os pais precisam estar em cumplicidade com a escola e as regras de boa conduta precisam ser compartilhadas e cobradas das crianças e adolescentes. Caso haja infração do que foi previamente acordado, é necessário que haja consequências. Tais consequências são administradas pela escola e pelos pais e precisam ser proporcionais ao erro cometido, assim como a maturidade da criança. Mais importante que isso, porém, é proporcionar à criança oportunidades para aprender comportamentos alternativos e evitar que novos atos delinquentes ocorram. Não basta punir o comportamento inadequado. É importante que ela se sinta valorizada pelos comportamentos adequados que apresenta e pela pessoa que ela é. Caso contrário, comportar-se de forma opositora passa ser a melhor forma de ser percebida e de obter atenção. Escola e pais precisam ser cúmplices, trabalhando em uma mesma direção para ajudar a criança a desenvolver condutas de civilidade.
A delinquência não escolhe classe social?
Não. A delinquência envolve comportamentos que tendem a ferir ou ferem outra pessoa ou causam danos à mesma. O egoísmo, o individualismo e atitudes de humilhar, prejudicar e violentar os direitos do outro são ações que ocorrem em todas as classes sociais. A diferença está nas tipificações dos comportamentos, mas a essência, que é o ''eu em detrimento do outro'', é a mesma em todas as classes sociais.
Podemos dizer que há uma universalização da maldade?Não me parece adequada a expressão ''universalização da maldade'' porque é uma forma generalizada de compreender padrões complexos de condutas. Tais padrões precisam ser analisados em três níveis: filogenético, individual e cultural. Porém, penso que a sociedade corre o risco de se acostumar com a ''maldade'', ou seja, atribuir normalidade e se dessensibilizar em relação a situações que precisariam causar indignação que, por sua vez, motivariam condutas pró-ativas.
Como a psicologia pode ajudar nesse sentido?
Atuando tanto em contextos sociais mais amplos ou no nível do indivíduo. São muitas as propostas para intervir com crianças e jovens que apresentam este tipo de conduta, diretamente com elas ou através de ações junto à família e à comunidade. Os comportamentos agressivos e indisciplinados podem ser precursores do comportamento anti-social. Assim, é preciso atuar nas primeiras manifestações.