Direito de vizinhança
Nos anos 70, o antepático general brasileiro morava próximo à casa de um engenheiro alemão, cujos filhos passavam o dia jogando bola no meio da calma rua. Às vezes acontecia de a pelota cair dentro do pátio da casa do militar e - tudo ficava mais grave quando batia no reluzente Opala preto.
Certo dia, o general perdeu a paciência e pediu ao delegado de polícia "para dar um jeito nos filhos do alemão". O policial não perdeu a oportunidade para exercitar sua autoridade e determinou que um inspetor intimasse o alemão a comparecer, no dia seguinte, às quatro da tarde na delegacia.
O alemão era tímido e, pelo vestir, não parecia ser o ativo industrial que realmente era. Mas, respeitando a intimação recebida, apresentou-se na delegacia, acompanhado da esposa e do novato advogado que cuidava das poucas causas da empresa. Os três, evidentemente, tomaram um chá-de-banco inicial para "irem se acostumando"...
Cerca de 20 minutos depois, o delegado abriu a porta de seu gabinete e observando a presença do advogado, exclamou autoritário:
- Eu mandei chamar só o "alemón"; a mulher dele pode entrar junto, mas advogado não, porque a revolução não aceita a presença de profissionais da Advocacia em causas que são de direito de vizinhança, que eu costumo resolver aqui mesmo.
O advogado retirou-se e, de imediato, o delegado destilou a sua bílis contra o alemão:
- O senhor nunca deve ter ouvido falar, certamente, em autoridades constituídas...Pois aqui tem! Se seus filhos voltarem a jogar bola na rua, incomodando o general, mando um camburão recolher - e vão todos em cana!...Sei como tratar gringos como o senhor que não sabe o que é direito de vizinhança e que não se impõe perante filhos moleques.
O alemão, humilde, não reagiu, economizou as palavras, disse que tomaria providências e pediu licença para se retirar. Foi quando ocorreu o imprevisto. A esposa dele interveio:
- Isto tudo é o que o senhor tinha a dizer ao meu marido?
O delegado suspirou preparando-se para reagir ante tamanho atrevimento. Mas a mulher continuou:
- Fique sabendo que eu também sei tratar de gente como o senhor. Saiba que meu marido não é gringo, nem meus filhos são moleques. Se minhas crianças acaso importunassem o general, que ele viesse falar com a gente e não transformasse esta banalidade em caso de polícia, em que o senhor é que acaba nos incomodando. E fique sabendo que sou brasileira, sobrinha de um general, prima de um coronel e afilhada de um major! Morou?
O delegado engoliu em seco e, interessado, apenas balbuciou:
- Todos da ativa?
- Sim, todos da ativa, seu tira f.d.p.
O policial evitou que o caso tomasse contornos mais graves e acabou com a cena e os mal-entendidos.
- Meus respeitos a todos eles, então!
E levantando-se abriu a porta para que o casal saisse:
- Agradeço pela visita. Está tudo esclarecido..
Na mesma tarde, os filhos do "alemon" e da valente brasileira voltaram a jogar bola no local de sempre.