Discriminação não pode. Preconceito pode?
Por Dionísio Birnfeld,advogado (OAB/RS nº 48.200)
Chamou-nos a atenção, ontem, na redação do Espaço Vital, o grande número de acessos à notícia do casal gay que foi barrado em uma pousada (23.03.10, Pousada rejeita reserva de casal gay), o que, de certa forma, nos surpreendeu por o caso ocorreu na Inglaterra e não no Brasil.
Apesar do interesse jurídico do fato que o levou a figurar no Espaço Vital imaginávamos que aquela seria uma notícia de pouco relevo pela distância geográfica mencionada e por não termos ouvido falar em nada igual ocorrendo no Brasil.
Entretanto, ficou claro que o tema da discriminação ainda é de amplo interesse no nosso país e, quem sabe, fatos lamentáveis como o noticiado também ocorram no Brasil e poucos saibam.
A propósito desse assunto, também me deparei com a notícia de que Ministério Público teria ajuizado uma ação contra a Globo em função de palavras de Marcelo Dourado, participante do programa Big Brother, que teria dito que heterossexuais não contraem Aids. O MP estaria querendo que a emissora abra um quadro na sua programação esclarecendo sobre o contágio do vírus HIV.
Isso dá o que pensar. Afinal, qual a diferença entre discriminação e preconceito?
Discriminação é, segundo os dicionários, o tratamento desigual ou injusto dado a uma pessoa ou grupo, com base em preconceitos de algum tipo. Já preconceito é a idéia ou conceito formado antecipadamente e sem fundamento sério ou imparcial, sem base em dados objetivos, um estado de cegueira moral.
E o que diz nossa Constituição cidadã sobre essas duas figuras? Que é objetivo da República promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor idade e quaisquer outras formas de discriminação. E que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza.
Sem dúvida, tivesse ocorrido no Brasil o caso da pousada, este teria sido enquadrado como discriminação, vedada pela Constituição Federal, porque um tratamento desigual e injusto foi dispensado ao casal gay com base em preconceito de opção sexual, atitude, portanto, lesiva ao princípio da igualdade. O preconceito da dona do estabelecimento gerou, na prática, um ato de diferenciação prejudicial daqueles hóspedes em relação aos outros.
Agora, a dúvida: pensar e expressar que só gays contraem HIV é ato de discriminação? Parece-me, com todo respeito a pensamentos diversos, que é hipótese unicamente de preconceito, uma idéia que reside na mente e no espírito do preconceituoso, e, como tal, não vejo como ilegal nem inconstitucional. Se essa concepção errada e injusta não for o móvel de atitudes discriminatórias por parte de quem a concebeu, não há glosa legal ao preconceituoso. Só repulsa moral.
Queiramos ou não queiramos, o preconceito não pode ser eliminados de uma pessoa por lei. A lei não retira da alma aquilo que nela reside e temos que lembrar que nem sempre o preconceituoso pratica atos discriminatórios, seja porque tem algum mínimo freio moral, seja porque tem medo da punição.
Podem a lei e as autoridades, sim, fomentar atos e iniciativas que induzam ao abandono do preconceito ou o previnam, para que, com o tempo, desapareça naturalmente. Porém, parece bem pertinente que a Globo veicule esclarecimentos sobre aids e HIV, mas isso caberia a ela decidir, ou pode o Judiciário obrigá-la a fazê-lo?
(*) E.mail: dionisio@marcoadvogados.com.br.