jusbrasil.com.br
5 de Maio de 2024

Faz sentido o BNDES financiar investimentos em infraestrutura em outros países?

Publicado por Roberto F. de Macedo
há 8 anos
6
0
7
Salvar

Sobre o Autor: Marcos Mendes - Doutor em economia. Consultor Legislativo do Senado. Editor de Brasil, Economia e Governo. Autor de "Por que o Brasil cresce pouco? Desigualdade, democracia e baixo crescimento no país do futuro". Ed. Elsevier.

A Empresa

Fundado em 1952, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo e, hoje, o principal instrumento do Governo Federal para o financiamento de longo prazo e investimento em todos os segmentos da economia brasileira.

Para isso, apoia empreendedores de todos os portes, inclusive pessoas físicas, na realização de seus planos de modernização, de expansão e na concretização de novos negócios, tendo sempre em vista o potencial de geração de empregos, renda e de inclusão social para o País.

Por ser uma empresa pública e não um banco comercial, o BNDES avalia a concessão do apoio com foco no impacto socioambiental e econômico no Brasil. Incentivar a inovação, o desenvolvimento regional e o desenvolvimento socioambiental são prioridades para a instituição.

Os instrumentos de apoio financeiro incluem o financiamento; a concessão de recursos não reembolsáveis a projetos de caráter social, cultural e tecnológico; e instrumentos de renda variável.

O BNDES oferece condições especiais para micro, pequenas e médias empresas, assim como linhas de investimentos sociais, direcionadas para educação e saúde, agricultura familiar, saneamento básico e transporte urbano.

Em situações de crise, o Banco também tem fundamental atuação anticíclica e auxilia na formulação das soluções para a retomada do crescimento da economia. O BNDES está presente para apoiar o crescimento do País onde é necessário.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem financiado a construção de infraestrutura em outros países. São portos, rodovias, aeroportos, saneamento básico, plantas de geração de energia entre outros investimentos. Esse tipo de atuação soa estranho a qualquer pessoa que saiba que o Brasil tem precária infraestrutura e é extremamente carente de tais investimentos. Por que razão um banco público brasileiro deve financiar o investimento em outros países, quando o Brasil é tão carente desses mesmos investimentos?

Recentemente o Presidente do BNDES veio a público explicar as razões desse tipo de operação (veja aqui a apresentação em Power Point). Argumentou que se trata de um mecanismo de incentivo à “exportação de bens e serviços de alto valor”. No caso, serviços de engenharia. A ideia, portanto, é de que não se trata de ajudar Cuba a construir um porto ou financiar o metrô de Caracas. O que o BNDES estaria fazendo seria ajudar as grandes empreiteiras nacionais a vender seus serviços no exterior. Isso geraria diversos ganhos para o país.

Em primeiro lugar, as nossas empreiteiras encomendariam insumos da indústria brasileira, demandando bens e serviços de amplos segmentos da cadeia produtiva brasileira, desde a indústria mecânica, de material elétrico e siderurgia, até vestuário e serviços. Em consequência, a economia brasileira cresceria, porque a maior demanda por tais produtos levaria as indústrias a expandir a produção, contratar trabalhadores, etc.

Em segundo lugar, a atividade de exportação de serviços de engenharia induz as firmas a buscar a melhoria nas suas técnicas de produção, impulsionando os ganhos de produtividade e o aperfeiçoamento tecnológico. Mais uma vez, os financiamentos resultariam em impulso ao crescimento da economia brasileira.

Em terceiro lugar, a atividade geraria dólares e fortaleceria o balanço de pagamentos brasileiro, aumentando nossa segurança contra crises externas e ataques especulativos ao real.

Em quarto lugar, o Brasil estaria fazendo nada menos do que fazem outros países: utilizar bancos públicos para, mediante financiamento, abrir caminho para as empresas nacionais no mercado externo. Coutinho cita, em sua apresentação, como países altamente engajados nesse tipo de política: China, EUA, Alemanha, França, Índia, Japão e Reino Unido (slide no 24). Cada um deles contando com o seu próprio banco ou agência de fomento.

Argumenta, ainda, o Presidente do BNDES, que o volume de financiamentos do Banco nessa modalidade é pequeno em relação à carteira de crédito da instituição. Entre 2007 e 2013 foram liberados apenas US$ 7,8 bilhões (slide 27). Entre 2011 e 2013, a média anual ficou em torno de US$ 1,4 bilhão. Trata-se de valor muito pequeno frente aos desembolsos totais do BNDES, que atingiram US$ 82,6 bilhões em 20131: ou seja, os financiamentos a investimentos em infraestrutura no exterior não representariam nem 2% dos desembolsos do BNDES.

O que há de questionável nesses argumentos?

O primeiro problema é que o Presidente do BNDES parece ignorar um fato básico: o BNDES é um banco do governo brasileiro. E esse governo é deficitário, ou seja, tem poupança negativa. Quem tem poupança negativa não dispõe de recursos próprios para emprestar para terceiros.

Imagine o leitor uma situação em que você está no vermelho no cheque especial, e não dispõe de nenhuma reserva financeira ou bens de valor que possam ser vendidos. O seu cunhado lhe faz uma visita de cortesia e lhe pede um dinheiro emprestado. Como gosta muito do seu parente, apesar de estar sem reservas e devendo ao banco, você vai tentar arrumar algum dinheiro para ajudá-lo. A única forma de fazer isso é aumentando o seu endividamento. Ou você pedirá mais dinheiro ao seu banco, ou pedirá um adiantamento salarial, ou recorrerá a um terceiro parente.

A situação do governo é a mesma. Para colocar dinheiro na mão do BNDES, para que este empreste à Venezuela, a Cuba ou a qualquer outra instituição pública ou privada, o governo terá que arranjar dinheiro em algum lugar. Ou seja, ele terá que tomar empréstimo. Quando o governo vai ao mercado de crédito tomar esse dinheiro emprestado, ele retira do mercado dinheiro que poderia financiar investimentos no Brasil.

O banco que comprar títulos do Tesouro, a serem usados para custear os financiamentos externos do BNDES, deixará de usar esse dinheiro para financiar o investimento de uma firma brasileira, em território brasileiro. Ou, alternativamente, o dinheiro que o Tesouro Nacional toma emprestado e carreia para os financiamentos externos do BNDES poderia ser usado, alternativamente, pelo próprio Tesouro Nacional, para financiar investimentos públicos em infraestrutura no Brasil.

A escassez de poupança do governo não seria um problema se o setor privado brasileiro poupasse muito. Nesse caso, haveria poupança de sobra na economia para financiar o governo e os demais agentes privados que desejassem fazer investimentos. Mas esse não é o caso. Nossa poupança nacional agregada (pública e privada) não passa de 15% do PIB. Em um ranking de 156 países, estamos em 112o lugar. Ou seja, entre os 30% de mais baixa poupança2.

Extrair dinheiro do mercado de crédito para repassar ao BNDES diminui a poupança disponível para financiar os demais agentes da economia, e resulta em aumento da taxa de juros (o crédito fica mais caro para todos os demais candidatos a financiamento).

O raciocínio do Presidente do BNDES (e da maioria dos membros e mentores da equipe econômica do governo Dilma) é de que a escassez de poupança não é problema, e de que o importante é estimular o crescimento da demanda, para que os empresários fiquem animados e invistam mais, fazendo a economia crescer (veja, neste site, acerca dos problemas dessa lógica, o texto “Incentivar o consumo ou a poupança para estimular o crescimento econômico?”). Mas como, de fato, a poupança é uma restrição, a conclusão é simples: o dinheiro que financia a infraestrura no exterior deixa de estar disponível para financiar infraestrutura no Brasil.

Como nossa carência de infraestrutura é muito alta, o retorno para a economia brasileira da construção de mais portos, ferrovias, etc. No país possivelmente será maior que o retorno de um impulso à demanda por bens e serviços ofertados pelas indústrias da cadeia de produção de serviços de engenharia. Logo, não faz muito sentido o argumento de que devemos estimular a exportação de serviços de infraestrutura para criar demanda por bens e serviços da cadeia de produção associada aos serviços exportados. Seja porque a infraestrutura é escassa no país (e não se deve exportar o que falta internamente); seja porque os efeitos secundários sobre a demanda agregada não são o melhor caminho para se estimular o crescimento, quando comparado à opção de se expandir a infraestrutura doméstica. Ademais, o estímulo para a demanda agregada seria o mesmo, se não maior, caso o porto ou ferrovia fosse construído aqui, pois o mais baixo custo de transporte daria vantagem aos fornecedores nacionais. Quando as empreiteiras constroem obras em Cuba ou na Venezuela, os fornecedores locais tendem a ser favorecidos.

Tampouco se sustenta o argumento que a atividade de exportação de serviços de engenharia induz as firmas a buscar a melhoria nas suas técnicas de produção, impulsionando os ganhos de produtividade e o aperfeiçoamento tecnológico. Não é a atividade de exportação que estimula os ganhos de produtividade, mas a competição. O mesmo estímulo à competição pode ser dado com licitações para obras domésticas abertas a concorrentes externos. Adicionalmente, como discutiremos à frente, parte significativa das exportações de serviços de engenharia é direcionada para países com economias pouco orientadas para o mercado. Se os critérios para obtenção de contratos forem mais políticos do que econômicos, o estímulo ao aumento de produtividade reduz-se significativamente.

E o que dizer do argumento de que a exportação de serviços de infraestrutura ajuda a equilibrar o balanço de pagamentos? Certamente a expansão das exportações é bem-vinda em uma economia com um histórico de crises de balanço de pagamentos. Mas esse não necessariamente será o efeito final da política de crédito em análise. Como a concessão de crédito pelo BNDES corresponde a uma expansão fiscal (gasto de dinheiro público, financiado por endividamento), haverá um impulso à demanda agregada da economia (comemorada pelo governo), que induzirá o aumento do consumo de produtos importados, pesando negativamente no balanço de pagamentos. Não há porque esperar que o efeito final da política de crédito do BNDES sobre as contas externas seja igual ao valor dos serviços de engenharia exportados.

Quanto ao argumento de que outros países fazem o mesmo que o BNDES está fazendo, vale analisar o perfil das nações apontadas pelo Banco como principais incentivadores das vendas de suas empresas no mercado internacional (slide no 24 da apresentação do BNDES), conforme mostra a Tabela 1.

Dos sete países listados pelo BNDES como os grandes incentivadores de suas exportações, o Brasil é o único que exporta predominantemente commodities, um tipo de produto cuja venda não é dependente de financiamentos à exportação. Ademais, dos países citados, apenas dois não fazem parte do grupo de potências mundiais: China e Índia que, não por coincidência, têm taxas de poupança doméstica muito superiores à brasileira, da ordem de 49% e 29% do PIB, respectivamente. Podem, portanto, se dar ao luxo de alocar parte dessa poupança para crédito ao exterior, pois isso não pressionará o preço do crédito dentro de seus países (taxa de juros).

Tabela 1 –Apoio à exportação, exportações totais e taxa de poupança

Quando olhamos o valor do apoio à exportação como proporção do valor exportado (ignorando a distorção gerada pelo grande peso das commodities nas exportações brasileiras), percebemos que o Brasil não difere muito da Alemanha, que é uma eficiente “máquina” de exportações. Se comparássemos apenas o valor dos incentivos como proporção do valor das exportações incentivadas, certamente o Brasil ultrapassaria a Alemanha. Portanto, não se pode dizer que o Brasil é acanhado na alocação de recursos públicos para o incentivo às exportações.

Quanto ao fato de que os incentivos direcionados especificamente ao financiamento de obras de infraestrutura no exterior somarem “apenas” US$ 7,8 bilhões (ou R$ 18 bilhões) nos últimos sete anos, cabe perguntar o que poderia ter sido feito, no Brasil, com esse dinheiro. Trata-se de recurso suficiente para construir uma hidrelétrica de grande porte3, que ajudaria o país a se afastar do risco de racionamento de energia. Ou, ainda, construir aproximadamente 40 km de metrô em uma grande cidade como São Paulo2, o que atenderia boa parte da demanda por transporte de qualidade nos grandes centros.

É, portanto, um volume significativo de recursos. Dizer que esse montante é pouco significativo por representar uma parcela pequena dos desembolsos do BNDES apenas revela outro problema: o BNDES empresta recursos demais (ou seja, não é o numerador que é pequeno, e sim o denominador que é grande). É de pleno conhecimento que o BNDES praticamente monopoliza o mercado de crédito de longo prazo no Brasil. Os próprios dados apresentados por Luciano Coutinho em sua apresentação (slide no 6) revelam isso. Enquanto o banco de fomento da China é responsável por 8% do estoque de crédito daquele país e o da Alemanha por 12,7%, o BNDES é o credor de nada menos que 21% do estoque de crédito do Brasil! É uma parcela muito grande do crédito nacional, financiada em grande parte por dívida pública, alocada por critérios não necessariamente de mercado.

Por fim, deve-se observar que se as operações do BNDES para financiar investimento no exterior fossem, de fato, uma simples operação de apoio à venda de serviços de engenharia no mercado externo, os países beneficiados por essas vendas seriam definidos com base em critérios de mercado. Faz-se investimento em infraestrutura em todos os lugares do mundo, e nossas “multinacionais da engenharia” deveriam estar buscando clientes em todos os continentes, chegando a qualquer mercado que representasse oportunidade de um bom negócio. Soa muito estranho que nada menos que 76% dos recursos tenham sido carreados para projetos em apenas 4 países: Angola (33%), Argentina (22%), Venezuela (14%) e Cuba (7%) (vide transparência no 27 da apresentação do BNDES). Coincidentemente são países ideologicamente identificados com o Partido dos Trabalhadores. Parece tratar-se muito mais de acordos políticos entre grupos políticos no poder, que se identificam e se apoiam mutuamente, do que operações comerciais de apoio a exportadores de serviços que, após prospectar mercados, vão ao BNDES solicitar financiamento a suas exportações de serviços._____________

1 R$ 190,4 bilhões convertidos para dólares por uma taxa de câmbio de 2,3. A fonte da informação é a apresentação em Power Point acima referida.2 Fonte: CIA Factbook3 A Usina de Santo Antônio, em construção, está com orçamento atualizado de R$ 14,7 bilhões. Ver file:///C:/Users/user/Downloads/SAESA_DF_2013_port. Pdf, p. 3.4 Tomando-se o custo de construção da linha 4 do metrô de São Paulo, conforme http://www.metro.sp.gov.br/noticias/acontecendo/governador-geraldo-alckmin-inicia-2a-fase-da-linha-4amarela.fss

  • Sobre o autorAdvogado, Pesquisador e Entusiasta do Direito
  • Publicações248
  • Seguidores233
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações16258
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/faz-sentido-o-bndes-financiar-investimentos-em-infraestrutura-em-outros-paises/306223905
Fale agora com um advogado online