"Há uma extrapolação da ideia de plasticidade do cérebro"
Entrevista concedida pelo sociólogo, psicólogo e biólogo Nikolas Rose, do departamento de ciência social, saúde e medicina do King’s College Londres, ao jornalista Silio Boccanera, para o programa Milênio, da Globo News. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura Globo News às 23h30 de segunda-feira.
Neurolinguística, neuroeconomia, neurojustiça, neuroteologia, neuro isso, neuro aquilo. Virou quase modismo atribuir tudo o que somos e fazemos às conexões químicas e elétricas de neurônios em nosso cérebro. O ser humano virou para muitos apenas cérebro, pernas e braços. Técnicas modernas de visualização do cérebro em ação alimentam as teorias nem sempre sólidas de que sabemos quais neurônios cuidam de qual tarefa específica no corpo, e que já teríamos encontrado em quais partes do cérebro se escondem mistérios de comportamento acionados por substâncias químicas conhecidas. Está ai a proliferação de remédios para tratar abalos mentais, desde ansiedade até depressão ou esquizofrenia, além de técnicas que supostamente treinariam os neurônios a tornar as pessoas mais espertas. Laboratórios farmacêuticos gostam desse caminho de pesquisa pois resultam em remédios que eles fabricam e vendem. Nem todos os neurocientistas defendem essa trilha, mas existe os que insistem nessa abordagem física e orgânica sustentada por ninguém menos do que Francis Crick, prêmio nobel pela co-descoberta da estrutura do DNA. O neurocientista Crick insistia: mente e cérebro são uma coisa só. Dito de outra forma, a mente seria nada mais do que o cérebro em funcionamento. Crítico dessa perspectiva é Nikolas Rose do departamento de ciência social, saúde e medicina do King’s College Londres, onde o Milênio foi encontrá-lo. Rose tem formação ideal para examinar o assunto porque é graduado em biologia, psicologia e sociologia. Seu livro mais recente trata das ciências do cérebro e a administração da mente.
Silio Boccanera — O que é mito e o que é realidade nas descobertas sobre a plasticidade do cérebro?
Nikolas Rose — Sabemos que o cérebro é “plástico”, para usar esse termo, há 100 anos. A própria memória humana só pode existir graças à plasticidade nas sinapses, na conexão entre os neurônios. Acho que houve dois progressos empolgantes na neurociência nos últimos 10 anos, e o primeiro tem a ver com a genética. A visão convencional é de que herdamos os genes e eles não vão mudar, mas pesquisas recentes, que na verdade começaram há 20, 30 anos, mostram que o mais importante, principalmente no cérebro, não são os genes que herdamos, mas a expressão deles durante a vida das pessoas, e a expressão dos genes é muito afetada pela experiência. Então a expressão gênica varia ao longo da vida conforme a experiência. E uma parte do debate que está se tornando clichê é que somos impregnados pela experiência. A outra parte do debate é o reconhecimento, graças a um trabalho muito elegante feito por Elizabeth Gould e seus colegas, de que novos neurônios podem ser formados no cérebro do mamífero adulto. Essas duas coisas reunidas criaram a ideia de um cérebro é um órgão muito plástico. Mas o que estamos vendo é uma extrapolação muito veloz dessa ideia de plasticidade. Agora dizem que nada é fixo no cérebro, tudo é mutável. É possível reprogramá-lo para ter sucesso, para ter amor, é possível mudar o cérebro dos filhos através de exercícios e por aí vai. E acho que essas extrapolações têm muito pouco fundamento em indícios concretos. Então temos de unir as duas coisas. Por um lado, reconhecer que estamos aprendendo muito sobre como o cérebro é moldado pela experiência humana e recuperado após lesões, mas não devemos imediatamente achar que é possível fazer o que quisermos com ele, então podemos nos tornar o que quisermos se o moldarmos da maneira certa. Não há indícios disso. Os humanos têm uma vida mental, ...
Ver notícia na íntegra em Consultor Jurídico