Holocausto e preconceito
Sou admirador declarado de Hannah Ahrendt pela coragem que teve ao desnudar a banalidade do mal, com relação a um carrasco nazista. Tudo o que diga respeito a sionismo, antissemitismo e adjacências é terreno minado – para qualquer um, imagine-se para uma judia.
O preconceito em torno desses temas, fruto de séculos de exclusão e, recentemente, décadas de propaganda intensa, pertinaz e muito competente, dificulta ao extremo qualquer análise e até mesmo a simples abordagem. O mítico Ahsverus, vitimizado durante séculos pela condição de judeu errante, hoje está solidamente enraizado à sua terra, mas continua a beneficiar-se da compaixão universal.
Hoje, é perigosa até mesmo a intenção de questionar as verdades assentadas sobre holocausto nazista, perseguição aos judeus, Estado Judaico e assim por diante. Mas preconceitos são inimigos dos conceitos e sobretudo dos debates. Não se trata, no particular, apenas da praga do politicamente correto, inibidora da discussão arejada e inteligente em qualquer área, mas também dos inerentes riscos de processo criminal e condenação.
Tudo o que implique rediscussão dessas verdades definitivas (como se pudesse haver alguma), mesmo a simples manifestação de dúvida a tal respeito, pode ser de antemão rotulada, ela própria, de preconceituosa, quando o verdadeiro preconceito pode estar na mão oposta. O mero intento é combatido e descartado sem análise, não raro já sob ameaça de repressão penal. A legislação protetora das minorias, em si mesma salutar e necessária, pode ser facilmente deformada em seus objetivos e atuar como inibidora das liberdades fundamentais. Já se passou da execração social para condenações judiciais.
É de todos conhecida a clara tendência revisionista dos historiadores e historiógrafos contemporâneos, preocupados em passar a limpo os fatos antes incontroversos. Estão conscientes de que a História só pode aspirar ao estado de ciência se estiver disposta a reavaliar infindavelmente as suas verdades: em Ciência, nada é para sempre. Essa visão, contudo, esbarra em algumas certezas a que o novo preconceito conferiu o dom da intocabilidade, com certa aura de sagrado.Mas é mister examinar também esses tópicos, pois a concordância e o dissenso têm de ser fruto de análise.
A palavra holocausto, em todos os dicionários antigos da Língua Portuguesa, sempre significou, com pequenas variantes, sacrifício ritual oferecido a alguma divindade. Em um sentido mais restrito, a palavra designava modalidade específica de oferenda, em que, ao revés de outras variantes, o animal imolado tinha seu corpo inteiramente queimado, sem ressalva das partes comestíveis.
Em qualquer dos casos, trata-se de um substantivo comum, com inicial minúscula. Esse há de ser o resultado da consulta a dicionários de qualquer idioma moderno editados até meados do século XX (holocaust, holocauste, Holocaust, förinstensen). O conceito é universal e manteve-se invariável desde as eras bíblicas, sendo comum a todas as crenças e práticas religiosas da Antiguidade.
Hoje, a todo passo encontramos o mesmo vocábulo, em qualquer das línguas mais conhecidas, grafado com H maiúsculo e designando o morticínio em massa de vítimas do nazismo (majoritariamente judeus) nos campos de concentração e alhures. Esse significado novo, desgarrado da acepção antiga e semanticamente inexplicável, é hoje quase o único em que se emprega o termo, como até a mas aligeirada pesquisa na rede mundial pode revelar.