Intervalo Intrajornada Violado e Já Pago Nos Holerites. Dobra Devida
Por constituir medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública, o intervalo intrajornada do trabalhador, quando violado e costumeiramente pago, deve ser repetido, sob o escopo de repressão da irregularidade, pois nulo tal ato (art. 9º da CLT), para que inexista prevalência do capital sobre a saúde e dignidade da pessoa.
Interessante a decisão proferida pela 5ª Turma do TRT/SP, publicada em 26/04/2016, em que foi relator o magistrado MAURÍLIO DE PAIVA DIAS, no PJe nº 1001499-57.2014.5.02.0316:
(...) Os registros de jornada, no que se refere aos intervalos intrajornada, são imprestáveis, pois a própria empresa dá a entender em sua defesa que o empregado não gozava daquele intervalo conforme escrito nos registros de jornada, mas relata que os quitava corretamente, com acréscimo de 50%, vide (id. 9a3da77 - Pág. 4):
"(...) O Reclamante laborou... , com uma hora de intervalo para descanso e refeições... conforme demonstram os inclusos cartões de ponto. (...) Pelo fato do Reclamante não conseguir usufruir de forma integral o intervalo de uma hora, a Reclamada remunerou todos os intervalos como jornada extraordinária , conforme acusam os comprovantes de pagamentos.(...)"
Analisando os recibos de pagamento (id. 0dee6f9), de fato evidencia-se o pagamento de "HORA EXTRA 50%", na média de 15 horas extras por mês, ou seja: a reclamada "comprava" mesmo o pagamento do intervalo de seu empregado.
Não obstante, importante tecer alguns comentários.
Na Declaração de Filadélfia, referente aos fins e objetivos da OIT, consta:
(...)
A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a
Organização, principalmente os seguintes:
a) o trabalho não é uma mercadoria;
(...)
Consta expressamente da CFRB/88 em seu art. 7º, XXII, como direito do trabalhador "a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e saúde".
Diz a súmula 437 II do TST: "É inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva.".
Diante disso, concluímos que o instituto protegido pela norma imperativa é o descanso em si, pois é este que recondiciona o trabalhador e previne acidentes, não o pagamento em pecúnia. Este apenas visa compensar o trabalhador lesado. Por essa razão, não se pode admitir a formalização da "compra" do intervalo intrajornada, dando ao empregador o direito de cometer irregularidade, que possui proteção de ordem pública, em troca de pagamento, vilipendiando o instituto. Seria a primazia do capital sobre a higiene, saúde e segurança do trabalho, quiçá da dignidade da pessoa humana. Entendimento em sentido contrário importaria em reconhecer que o trabalho é uma mercadoria, contrariando os princípios internacionais do direito do trabalho, insculpido na Declaração de Filadélfia.
Aplica-se ao caso o bom e velho texto do art. 9º da CLT:
"Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação".
Destarte, em tendo a ré confessado que o autor não usufruía regularmente dos intervalos, e que nos termos do citado dispositivo de lei, a paga, previamente, de tal interregno, como extra, é nula, nego provimento ao apelo, ainda que por outros fundamentos.
Oficie-se ao MPT, para ciência da presente decisão e eventuais providências que entender. (...)