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6 de Maio de 2024

Júri, caso de única tese defensiva

Publicado por Correio Forense
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Os mais recentes julgados do colendo STJ têm perfilhado o entendimento de que “os jurados são livres para absolver o acusado, ainda que reconhecida a autoria e a materialidade do crime, e tenha o defensor sustentado tese única de negativa de autoria.” (HC 206.008/SP, Relator ministro Marco Aurélio Bellizze 5ª T, DJe de 25/04/2013).

Isso porque o art. 483, inciso III, do CPP traduziria uma liberalidade em favor dos jurados, os quais, soberanamente, “podem absolver o acusado mesmo após terem reconhecido a materialidade e autoria delitivas, e mesmo na hipótese de a única tese sustentada pela defesa ser a de negativa de autoria” (HC 243.716/ES, Relatora ministra Laurita Vaz5ª T, DJe de 28/03/2014).

Ocorre que esse entendimento não é o mais abalizado. Afinal, se a única tese de defesa e mesmo de autodefesa (interrogatório) do acusado se resume à negativa de autoria e tendo o Conselho de Sentença o reconhecido como autor do homicídio, evidentemente não poderia absolvê-lo da imputação, sob pena de uma decisão flagrantemente arbitrária e contraditória, pois, embora os jurados julguem por íntima convicção, não são eles “onipotentes”, estando, portanto, vinculados às teses defensivas debatidas em plenário e/ou emergentes do interrogatório.

Dessa forma, deve o juiz presidente, ao perceber a flagrante contradição entre as respostas ao segundo (autoria) e terceiro quesitos (quesito genérico da absolvição), explicar aos jurados no que consiste a contradição, submetendo novamente à votação os quesitos que ensejaram as respostas contraditórias, nos exatos termos do art. 490 do CPP. Caso a absolvição sobrevenha novamente, em franca contradição com o quesito referente a autoria, cabe ao Ministério Público interpor recurso de apelação, ao fundamento de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos (CPP, art. 593, III, d).

É em virtude de casos como este que a lei admite o recurso contra a decisão dos jurados, donde se evidencia que a soberania dos veredictos (CF, art. , XXXVIII, c) não é absoluta, até porque do outro lado se encontra o direito fundamental à vida (CF, art. , caput), que deve ser tutelado de forma séria e efetiva, sob pena de violação da dimensão positiva do princípio da proporcionalidade, qual seja, a proibição da proteção deficiente.

A propósito, vale transcrever a lúcida observação do ministro Celso de Mello, litteris: “A soberania dos veredictos do Júri — não obstante a sua extração constitucional — ostenta valor meramente relativo, pois as decisões emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade jurídico-processual. A competência do Tribunal do Júri, embora definida no texto da Lei Fundamental da República, não confere, a esse órgão especial da Justiça comum, o exercício de um poder incontrastável e ilimitado. As decisões que dele emanam expõem-se, em consequência, ao controle recursal do próprio Poder Judiciário, a cujos Tribunais compete pronunciar-se sobre a regularidade dos veredictos” (STF, HC 70193/RS, 1ª T, DJ de 06/11/2006).

Por fim, é de se ressaltar que há quem sustente, embora de forma minoritária, que em hipóteses como esta, i.e., em que a negativa de autoria foi a única tese defensiva e reconhecido o réu como o autor do delito, deveria o juiz presidente, nos termos do art. 490, parágrafo único, do CPP, encerrar a votação, declarando prejudicados os demais quesitos. No entanto, hoje já não mais se discute a obrigatoriedade do quesito genérico da absolvição (CPP, art. 483, III), de modo que sua não formulação enseja a nulidade do julgamento (cf. Súmula nº 156/STF — “É absoluta a nulidade do julgamento, pelo Júri, por falta de quesito obrigatório”). Nesse sentido, por todos, o seguinte precedente do c. STJ: HC 233.420/DF, Relator ministro Jorge Mussi, 5ª T, de DJe 26/09/2013.

Em suma, de tudo quanto foi dito, pode-se concluir que se a única tese sustentada pela defesa em plenário for a de negativa de autoria, e em sendo reconhecido pelos jurados que o acusado foi o autor do homicídio, a resposta afirmativa ao quesito genérico da absolvição implica em evidente contradição, revelando-se a decisão dos jurados, neste caso, arbitrária, contraditória e manifestamente contrária à prova dos autos, razão pela qual deve ser anulado o julgamento realizado, a fim de que o réu seja novamente submetido ao Tribunal do Júri (CPP, art. 564, parágrafo único c/c art. 593, III, d). Nessa linha o seguinte julgado do c. STJ: HC 158933/RJ, Relatpr ministro Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª T, DJe de 16/11/2010.

Autor: André Wagner Melgaço Reis
Promotor de Justiça do Tribunal do Júri (MPGO), ex-assessor de ministro do STJ

Fonte: Correio Braziliense

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