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6 de Maio de 2024

Lei criminalizou qualquer ato sexual com menores de 14 anos

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A edição da Lei 12.015, de 7 de agosto de 2009, reformulou os dispositivos do Código Penal que tratam de crimes sexuais, no intuito de tornar mais severas as penas para quem cometeu crimes como estupro e pedofilia. No entanto, para muitos operadores do direito, a referida lei não agradou. Sancionada pelo presidente Lula no dia 10 de agosto, além da criação de novos crimes como o tráfico de pessoas para fins sexuais, houve a alteração de alguns casos já previstos, como o estupro e atentado violento ao pudor, condensados agora no mesmo artigo 213, com pena prevista de 6 a 10 anos de prisão.

O artigo 217-A da nova lei dispõe sobre o “estupro de vulnerável”, no qual, para quem tiver relações sexuais com menores de 14 anos, a penalidade é de 8 a 15 anos de reclusão. A medida, para muitos, é errônea e desproporcional, uma vez que um namorado de 18 anos que praticar sexo com sua namorada de 13 anos estará sujeito a uma pena mais severa do que a prática de estupro com violência contra uma mulher adulta (de 6 a 10 anos) ou então, com jovens entre 14 e 18 anos (de 8 a 12 anos de reclusão). A legislação neste item dissocia-se da realidade na qual, cada vez mais jovens menores de 14 anos têm uma vida sexual ativa por opção e, por outro lado, é uma forte aliada no combate à exploração sexual infantil.

Na tentativa de proteger os mais jovens de crimes sexuais, a lei pode ter pecado ao não fazer distinção entre ato violento e consentido, igualando namorados a pedófilos, por exemplo.

Estupro de vulnerável - desproporção entre ato, pena e realidade

De acordo com o juiz auxiliar da Corregedoria-Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS), Dr. Ruy Celso Barbosa Florence, “desde a legislação anterior o Poder Judiciário já afastava a presunção legal de violência quando o ato sexual era praticado com menores de 14 anos, que em razão de seu desenvolvimento físico e mental poderiam assumir a sexualidade”.

“Estamos diante de um velho problema fantasiado de menino novo. A pedofilia está muito mais ligada à forma de cooptação e indução de menores para a vida sexual, do que a realização de ato sexual entre uma pessoa menor de idade com outra maior. A concepção é outra e os fundamentos penais também. O legislador misturou as coisas pela aparência sem prestar atenção no mais importante, que é a essência.”, acrescenta o magistrado.

Conforme esclarece Dr. Ruy Celso, ao editar normas criminalizadoras, mesmo sabendo que não solucionarão os problemas sociais, o legislador traz apenas uma representação de uma solução. Embora não tenha o poder de atingir tal objetivo, “esse fenômeno é denominado na ciência penal de 'leis penais simbólicas', divulgadas como respostas adequadas às situações vivenciadas pela sociedade. E ainda, complementa o juiz: “ O legislador cria esse tipo de legislação, e com isso dá uma satisfação para a sociedade. Age como se tivesse dizendo : ' eu fiz a minha parte', e assim livra-se do problema”.

Para o advogado Wilson Tavares de Lima, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MS, a alteração promovida pela nova lei, em especial aquela dada pelo parágrafo único do art. 225, determinando que a ação penal seja incondicionalmente pública (caso a vítima seja menor de 18 anos), embora um tanto atrasada, afirma ele, tornou-o parte feliz.

Isto porque, esclarece o advogado, este era justamente um grande obstáculo “quase que intransponível da Polícia, Ministério Público e demais órgãos que buscam dar auxílio para que a exploração sexual seja evitada ou dar cabal cumprimento na persecução penal, pois, em grande parte, o abuso ou exploração sexual ocorre dentro das residências e por parte de quem, na legislação anterior, detinha o poder exclusivo de proceder a representação criminal”. Dificuldade enfrentada por ele e que, agora, com a ação pública incondicionada, pode ser superada mais facilmente.

Por outro lado, acrescenta Tavares de Lima, a “forma assistemática de nosso Código Penal chega a ser irritante”, não pela busca do legislador em dar resposta rápida à sociedade, afirma o advogado, mas pelo fato dele não se preocupar em harmonizar as penas em relação ao restante da legislação, ao modelo processual e se aprofundar mais nos casos concretos decididos pelos tribunais do país, o que dá margem a uma intervenção cada vez maior do judiciário numa esfera que caberia tão somente ao Poder Legislativo. Fato, segundo ele, observado nas decisões do STF e que deverá ocorrer na aplicação do direito pelos magistrados no caso desta lei.

Dr. Ruy Celso concorda com aqueles que defendem a ideia de há equívocos nas recentes alterações do Código Penal, “basta ver o novo art. 217-A e seu § 1º que cria a figura do 'estupro de vulnerável', equiparando legalmente o menor de 14 anos com o deficiente ou enfermo mental, que em razão da deficiência não tem consciência do ato sexual, atribuindo penas que vão de oito a quinze anos para quem mantem relações sexuais ou pratica atos libidinosos com essas pessoas”.

O juiz também salienta que a realidade amplamente divulgada pela mídia é de que os jovens têm iniciado sua vida sexual por volta dos 13 anos de idade, e até mesmo com acompanhamento médico e familiar e não há como fugir disso. O magistrado deixa o questionamento: “dá para imaginar o namorado de uma dessas jovens, com 18 anos de idade, sendo condenado a uma pena de 8 anos de prisão, no mínimo, em razão de ter praticado atos libidinosos com a namorada?”

Sobre o fato, comenta Wilson Tavares, na prática, caberá ao prudente arbítrio dos magistrados avaliar se o caso levou em conta a vontade do menor, muitas vezes com o consentimento dos pais. Já na atuação da polícia, o advogado observa que a nova lei forçará muitos delegados a autuarem em flagrante delito muitos jovens sem culpa, lançando-os no sistema carcerário “que sabidamente não recupera ninguém, antes cria malefícios”. Tavares de Lima aponta a dificuldade ainda maior de o delegado “aferir qual é o grau necessário para quem possui qualquer limitação de desenvolvimento mental, discernir sobre consentimento para o ato sexual”.

Entre outras coisas, finaliza Dr. Ruy Celso, “existe uma flagrante desproporção entre o ato e a pena, o que por si só já pode tornar a conduta atípica, ou seja, fora do Direito Penal”, pontos, aliás, também salientados por Wilson Tavares: ninguém consulta o Código Penal antes de cometer um delito, e pena elevada não coíbe automaticamente a criminalidade. Como também, acrescenta o magistrado, é um equívoco o próprio aspecto do legislador desconsiderar a existência de desejo sexual de pessoas portadoras de necessidades especiais, caracterizadas pela lei como “enfermos” ou “deficientes mentais”, retirando-lhes qualquer possibilidade de satisfação biológica, apenas por atribuir a elas a falta de discernimento para a prática do ato. A matéria deve ser objeto de muitos questionamentos tanto do judiciário como da sociedade em geral.

Um caso - O advogado Wilson Tavares atuou no caso de uma jovem que foi interditada provisoriamente, processo que tramitou na 1ª Vara de Família da Capital. A jovem, hoje maior de 18 anos, foi recentemente interditada por definitivo por tratar-se de limitação de discernimento irreversível, segundo a avaliação psicológica. Ocorre que desde os 16 anos de idade ela vive maritalmente com seu namorado, chegando a fugir de casa, embora hoje resida na casa de seus pais juntamente com o namorado. Como nos termos da atual redação da lei, acrescenta o advogado, o estupro de vulnerável se enquadra em pessoa de qualquer idade que por enfermidade ou deficiência mental não tem o discernimento necessário para praticar tal ato, na prática, pela legislação, permanentemente este namorado estaria estuprando sua companheira.

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