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2 de Maio de 2024

Matar irmão tetraplégico é homicídio piedoso?

Publicado por Espaço Vital
há 12 anos
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Por Eudes Quintino de Oliveira Júnior,promotor de Justiça aposentado e reitor da Unorp

A imprensa publicou interessante notícia que desperta atenção não só com relação ao fato relatado, como também pelo desdobramento jurídico-penal. O fato ocorreu na cidade de Rio Claro (SP). Dois irmãos, um deles tetraplégico em razão de uma disputa de racha com o outro, a quem imputava a culpa, cogitaram colocar fim à vida do portador da deficiência. Para tanto, após a idealização conjunta, planejada para atender ao pedido do irmão acidentado, forjaram um roubo seguido de morte.

O irmão executor simulou o roubo e matou com dois tiros o deficiente. Assim a notícia chegou até a autoridade policial. Posteriormente, ocorreu a confissão do irmão responsável pela morte, oportunidade em que justificou que assim agiu levado pela compaixão.

Nem me matar eu consigo, bradava o irmão vítima da tetraplegia, clamando pela própria morte com insistentes pedidos ao irmão para matá-lo, até mesmo como obrigação moral, pois o acidente ocorreu por culpa exclusiva dele.

Na senda da evolução que vem modificando a moral e os valores do homem, surge agora a questão que envolve o direito de morrer. A moral e o Direito repudiam, pela sua tradição e conceituação, qualquer ato que abrevie a existência de um ser humano, mesmo que enfermo. Mas o homem, na incansável evolução, arrebenta os diques das regras legais e consuetudinárias e ingressa no domínio da etapa final de sua vida. Quer também, em razão da autonomia adquirida por inúmeros direitos assimilados, decidir a respeito da modalidade de morte.

No caso relatado seria interessante, mesmo que superficialmente, ingressar na teoria da autonomia da vontade da pessoa e perquirir a respeito do consentimento do ofendido. A pessoa, de forma consciente, pode renunciar a um bem juridicamente tutelado, considerado como irradiação da personalidade, a exemplo da vida humana?

O tema é incandescente, mesclado de aspectos culturais, religiosos, legais, morais, éticos e sociais, trazendo cada segmento suas posições inquebrantáveis.

Na sua imensidão, permite avançar e atingir o fim da vida humana, com relevo às doenças prolongadas e irreversíveis, que exigem cuidados intensivos em razão do seu estado terminal.

Nesta fase, será que o homem, que durante toda sua vida recebeu diversas modalidades de tutela, pode divorciar-se do Estado e decidir de acordo com sua autonomia, fazendo opção pela morte, quando a regra é a vida? Se a autonomia da vontade integra o princípio da dignidade humana, não seria correto o paciente, para aliviar sua dor e sofrimento e evitar o descontrole sobre sua vida e funções biológicas, optasse por uma morte antecipada e suave? Caminharia a humanidade para a utopia descrita por Aldous Huxley, no Admirável Mundo Novo, quando introduziu as clínicas para moribundos?

Daí que, nosso Código Penal, elaborado em 1940, erigiu à categoria de crime de homicídio a conduta daquele que, agindo com sentimentos de piedade e compaixão, pratique ato terminativo que venha livrar a pessoa da dor e sofrimento, mesmo com o consentimento do ofendido. A intenção pode até ser interpretada como ato racional, revestida de piedade, porém não exclui o caráter ilícito do crime.

A conduta aproxima-se um pouco do homicídio praticado pela eutanásia, ou suicídio assistido, onde se leva em consideração a moléstia incurável, sem qualquer chance de reversibilidade do paciente. Qualquer manifestação humana no sentido de abreviar o ciclo vital é considerada criminosa.

Quer dizer, qualquer pessoa que agir imbuída de intenção piedosa e arrebatar um bem considerado indisponível, mesmo com o consentimento de seu titular, age contra a lei e comete o crime de homicídio, que pode até levar o rótulo de privilegiado, em razão do relevante valor social ou moral.

eudesojr@hotmail.com

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