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3 de Maio de 2024

MP 656 cria falsa sensação de segurança

Publicado por Alice Maria
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Valor Econômico sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Por Umberto Bara Bresolin

O governo federal publicou recentemente a Medida Provisória (MP) nº 656 que, dentre outras, cria a chamada "concentração de dados nas matrículas dos imóveis", técnica que permitirá centralizar em um único documento, obtido no cartório de registro de imóveis, informações relevantes, como ações judiciais, pertinentes ao proprietário e ao imóvel. Suas intenções anunciadas são as de conferir maior segurança jurídica, maior celeridade e menor custo ao processo de aferição de risco em operações imobiliárias, sejam estas de aquisição de imóvel ou de financiamento com garantia imobiliária.

Sem entrar no mérito da impertinência de regulamentar esta matéria por medida provisória, nota-se intenções nobres na MP nº 656. No entanto, a leitura atenta de seu texto - cuja redação não é das mais felizes - revela que nem tudo mudou e o assunto está longe de se esgotar.

Seguindo o caminho já delineado nos artigos 615-A e 659, inciso IV, do atual Código de Processo Civil e na Súmula 375 do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a MP intensificou o ônus do credor quanto a publicidade de seu crédito, por meio de anotação na matrícula imobiliária. Se o imóvel, posteriormente, for alienado ou dado em garantia, presume-se que o ato ocorreu em fraude e, por isso, é ineficaz em relação ao credor. A novidade é que agora há mais hipóteses e maior facilidade para fazê-lo, com a possibilidade de tal cautela ocorrer antes da citação do devedor em qualquer processo que possa conduzi-lo à insolvência. Tal fato antecipa o marco para aferição de eventual fraude de execução.

A ausência de anotação na matrícula não é garantia absoluta de segurança em operação imobiliária

Ao revés, se o negócio de alienação ou garantia imobiliária for comprovadamente celebrado antes de a matrícula ser maculada por eventual anotação, presume-se, com razoável grau de segurança, mas em caráter relativo, a ausência de fraude. Supõe-se, neste caso, que o credor não foi suficientemente diligente, pois, a despeito do aumento de hipóteses e da facilitação para fazê-lo, não fez anotar seu crédito, razão pela qual não pode se satisfazer em prejuízo do terceiro que se fiou na matrícula.

É preciso dizer, contudo, que a ausência de anotação na matrícula não é garantia absoluta de total segurança na operação imobiliária, seja pela relatividade da presunção proporcionada, seja pelas exceções comportadas. E, neste passo, a experiência prática permite antever expressivo número de situações nas quais a fraude poderá ser demonstrada, ainda que inexista na matrícula informação acerca de eventual crédito. Pense-se, dentre tantos outros exemplos, no caso do devedor malicioso e ágil, que, ciente de ação movida contra si, promova a alienação de seus imóveis antes mesmo de o credor conseguir identificá-los. Isso sem falar nos créditos das massas falidas, admitidos como exceção pela MP, mas cuja ocorrência não é infrequente.

Ausente anotação na matrícula, a comprovação da fraude ficou mais difícil, mas não impossível. Ao examinar os casos concretos submetidos a julgamento, os tribunais não fecharão os olhos ao chamado standard de conduta exigido dos adquirentes para aferir a presença ou ausência de boa-fé, e continuarão dispensando tratamento diferente a quem tem diferentes condições de aferir a segurança do negócio imobiliário que realiza.

Em conclusão, ao valorizar a anotação na matrícula, a MP estabeleceu novo ponto de equilíbrio no embate entre os direitos do credor e os direitos do terceiro que adquiriu o imóvel ou o recebeu em garantia, mas não o fez de maneira absoluta. Como consequência, adicionou importante elemento na equação do custo-benefício da investigação de informações acerca do imóvel, de seu proprietário e dos antecessores, que deve ser sopesado em vista de cada tipo de operação.

Em aquisições de unidades em incorporação imobiliária ou de lotes em loteamento, devidamente registrados, a MP conferiu elevado grau de segurança ao consumido r e impediu que seu imóvel seja atingido por créditos de terceiro ou por evicção, os quais ficam sub-rogados no preço ou eventual crédito imobiliário.

Já em operações nas quais, por sua natureza e estrutura, for possível pulverizar o risco, como nos casos de financiamentos padronizados com garantia imobiliária e em negócios que envolvam aquisição de créditos imobiliários como lastro ou garantia igualmente pulverizados, o agente financiador, em prol da celeridade, da redução de custos e da desburocratização, pode limitar sua análise às informações da certidão de matrícula, caso em que assumirá o risco, doravante diminuído, de situações excepcionais de fraude.

Por fim, naquelas operações em que a aquisição de imóvel é da essência do negócio, tais como para realização de incorporação imobiliária, de loteamento e de realização de empreendimentos imobiliários em geral, até como contrapartida do benefício concedido ao consumidor, o grau de segurança proporcionado pela técnica de concentração na matrícula resulta insuficiente para o empresário cauteloso que não esteja disposto a enfrentar desagradáveis surpresas.

Como se vê, fiar-se sempre e em qualquer caso, exclusivamente, nas informações constantes da matrícula imobiliária é contentar-se com uma falsa sensação de segurança, o que, muitas vezes, é pior do que ter insegurança.

Umberto Bara Bresolin é mestre e doutor em direito processual civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e sócio do escritório Bicalho e Mollica Advogados.

Fonte:http://www.valor.com.br/legislacao/3770416/mp-656-cria-falsa-sensacao-de-segurança#ixzz3INmKCtHR

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