Não é possível usucapião de imóvel da Caixa Econômica Federal.
Para 3ª Turma do STJ, bem vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação é público.
Não é possível adquirir, por usucapião, um imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação e de titularidade da Caixa Econômica Federal. Foi o que decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao entender que esses bens devem ser tratados como públicos já que são vinculados a uma prestação de serviço do governo.
A interpretação foi dada pela relatora do Recurso Especial 1.448.026/PE, ministra Nancy Andrighi, e acompanhada de forma unânime pelos ministros da turma.
De acordo com a ministra, a Caixa Econômica Federal integra o Sistema Financeiro de Habitação, que, por sua vez, compõe a política nacional de habitação e planejamento territorial do governo federal para facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população, de modo a concretizar o direito fundamental à moradia.
“Logo, o imóvel vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, porque afetado à prestação de serviço público, deve ser tratado como bem público, sendo, pois, imprescritível”, argumentou.
Segundo o artigo 98 do Código Civil de 2002, são bens públicos aqueles pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno, e particulares, por exclusão, todos os demais.
A controvérsia chegou ao STJ por meio de recurso especial interposto por Ana Lúcia Gomes Barbosa contra acórdão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 5ª Região. A ação foi ajuizada contra a Caixa Econômica Federal.
A recorrente alegava que, como a Caixa Econômica é uma empresa pública e, portanto, pessoa jurídica de direito privado, os bens pertencentes a ela são particulares – e não públicos, como afirmado no acórdão do TRF. Por isso, poderiam ser adquiridos por usucapião.
A usucapião é o direito de domínio que um indivíduo adquire sobre um bem pelo seu uso por determinado tempo, de maneira contínua e incontestadamente, como se fosse o real proprietário desse bem.
Segundo a recorrente, os requisitos legais da usucapião para a aquisição originária da propriedade estavam preenchidos.
Caso concreto
Em 1994, Ana Lúcia firmou um contrato particular de compra e venda de imóvel (contrato de gaveta) com Zélia Pereira da Conceição, cuja propriedade, à época, estava registrada em favor da Caixa Econômica Federal.
Mas Zélia descumpriu, por inadimplência, o contrato feito com o Sistema Financeiro de Habitação, e a Caixa acabou assumindo, em 1996, todos os direitos de domínio e posse sobre o imóvel.
Nesse contexto, Ana Lúcia pleiteava a aquisição originária da propriedade do imóvel de 200 m2 por usucapião, alegando se tratar de bem de natureza privada. Ela mora no local há mais de 15 anos com a família sem que a posse do imóvel tenha sido contestada nesse período.
Para Andrighi, porém, embora se trate de empresa pública, com personalidade jurídica de direito privado, a Caixa Econômica Federal, ao atuar como agente financeiro dos programas oficiais de habitação e órgão de execução da política habitacional, explora serviço público.
A ministra lembra que a sentença, confirmada pelo tribunal, registra que “o imóvel adquirido pela autora em 1994 encontrava-se vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação”, não estando, por isso, sujeito à usucapião.
“Ademais, está consignado que não foram preenchidos os requisitos exigidos por lei para que se declare a usucapião, seja a especial urbana, a ordinária ou a extraordinária”, escreveu a relatora.
De acordo com o acórdão recorrido, a Caixa enviou correspondências ao endereço do imóvel, informando tratar-se de bem passível de futura alienação em concorrência pública, assegurando ao ocupante a preferência na aquisição. Isso seria suficiente para afastar a alegada boa-fé da ocupante do imóvel e o direito à usucapião especial urbana.
“Por qualquer ângulo que se analise a controvérsia, não há como reconhecer a aquisição originária da propriedade pela recorrente”, argumentou a ministra.
Jurisprudência
A relatora lembra que a doutrina especializada, atenta à destinação dada aos bens, considera também bem público aquele cujo titular é pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviço público, quando o bem estiver vinculado à prestação desse serviço público.
Cita ainda decisão do Supremo Tribunal Federal que estendeu à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos os privilégios conferidos à Fazenda Pública, dentre eles o da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços (RE 225.011/MG).
No julgamento do caso, em 2000, o relator, ministro Maurício Correa, afirmou que “não se aplicam às empresas públicas, às sociedades de economia mista e a outras entidades estatais ou paraestatais que explorem serviços públicos a restrição contida no artigo 173, § 1o, da Constituição Federal, isto é, a submissão ao regime jurídico próprio das empresas privadas”.
Andrighi observa que, igualmente, a 2ª Turma do STJ, no julgamento do REsp 41.549/ES, envolvendo a Infraero, decidiu que “os bens de empresa pública afetados à sua finalidade não podem ser utilizados senão dentro das regras de Direito Público”.
Com base nesses argumentos, a ministra negou provimento ao recurso especial e manteve o entendimento do TRF-5. Ela foi acompanhada pelos ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro.
Fonte: Jota. Info Mariana Muniz - Brasília