No meio do caminho tinha um livro
Por João Marcos Buch
Audiência onde o réu, jovem de 20 anos, é julgado por roubo de celular, contra dois adolescentes que iam embora após o colégio. O réu confessa, diz estar arrependido e quer fazer tratamento para dependência de crack, pois quando dos assaltos tinha usado todo o dinheiro de seu serviço de servente com droga. Terminada a audiência, termos assinados…
- Posso ficar com uma cópia deste termo? – Pergunta o réu.
- Mas por quê? – questiona o juiz – É apenas um termo de deliberação – O juiz prepara-se para voltar ao gabinete.
- É porque já li tudo que minha família me mandou lá na cadeia e pelo menos é algo mais para eu ler – A linguagem do preso era em perfeito português. O juiz faz meia-volta, resolve ir adiante na conversa.
- Qual o último livro que você leu?
- Comédias da Vida Privada, do Luis Fernando Veríssimo – Responde o réu de pronto.
- Gostou? – Insiste o juiz.
- Muito, é muito engraçado – Realmente o réu era leitor, um bom leitor, concluiu o juiz.
- Espere um pouco, vou ver se tenho algum livro para te emprestar.
No gabinete, vasculha as prateleiras, acha o Xangô de Backerstreet, do Jô Soares, lido tempos atrás e perdido entre seus livros jurídicos. Volta à sala de audiências.
- Serve este?
- Pôxa doutor, do Jô Soares. Claro que sim. Muito obrigado. Não vejo a hora de chegar no presídio para começar a ler.
O caso acima, verídico, serve para ilustrar a importância de, ao lado do trabalho, possibilitar-se a leitura de obras literárias a pessoas que estão presas. Qualquer um ao ler um livro reflete, identifica-se ou não com o tema e personagens, questiona, pensa. Pela leitura a pessoa desenvolve a empatia e consequentemente compreende melhor a sua própria vida. E se isso contribui para a educação, então é claro que o hábito da leitura é mais uma forma de resgate ético, de contribuição para a harmônica integração social do detento no dia em que retornar a liberdade.
O jovem preso tinha consciência de que havia prejudicado outros adolescentes, sabia que teria que pagar por isso e compreendia como tinha chegado até aquele ponto na vida, apontando inclusive um caminho para tentar sair da vida marginal. Essa compreensão ele conseguiu com a leitura, estou certo.
Por isso, desde o ano de 2013, os detentos do complexo prisional de Joinville passaram a ter a possibilidade de ler, num prazo de 20 dias, uma obra da literatura clássica, com mais 10 dias para apresentar um resumo do livro. Assim podem abater 4 dias de pena. É o que consta da Portaria n.8/2013 da Vara de Execuções Penais da Comarca de Joinville.
- Tenha uma boa leitura rapaz – disse o juiz, despedindo-se do réu.
- Terei sim. Depois de ler vou passar para a frente. Posso?
- Um livro é para ser lido. Mande adiante.
E lá foi o réu, de volta para o Presídio, escoltado, livre.
João Marcos Buch é Juiz de Direito da Vara de Execuções Penais e Corregedor do Sistema Prisional da Comarca de Joinville
Fonte: Justificando