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16 de Junho de 2024

O Messias Bolsonaro

Publicado por Justificando
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Eis que em 30 de julho de 2018 o candidato que lidera a corrida presidencial na ausência do líder das pesquisas nestas eleições compareceu ao programa “Roda Viva” para expor suas ideias e planos de campanha. Eu poderia despender várias linhas tecendo críticas ao show de horrores que foi a entrevista e extravasar a incredulidade que me acomete quando percebo o apelo popular que detém o referido candidato, mas nesta oportunidade terei como enfoque um fato que passou quase in albis e que deve ser evidenciado.

Quando questionado sobre a segurança pública e as propostas de armamento da população, foi trazido à tona pelos entrevistadores um episódio no qual o militar Jair Bolsonaro foi assaltado, mesmo estando armado, e teve a sua moto e arma de fogo subtraídas pelos assaltantes. Ato contínuo, prosseguem os entrevistadores indagando que, se na qualidade de militar, com todo o preparo, o presidenciável foi assaltado, o que garantiria que cidadãos despreparados poderiam ter melhor sorte em situações similares e com posse de arma de fogo?

A resposta veio em tom de pilhéria e Bolsonaro aduziu que dois dias após o assalto, juntamente com o batalhão da 9º companhia, “subiu o morro” em busca dos seus pertences, recuperando-os, e, “um tempo depois”, o “dono da favela de Acari” foi “coincidentemente encontrado morto” (sic).

Confira alguns de nossos artigos sobre o tema:

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Ora, a sugestão que foi deixada no ar entre a incursão no morro e a morte “coincidente” de um suposto bandido, vinda de um congressista que, se valendo da sua imunidade parlamentar, exalta torturadores, nega fatos históricos como a ditadura e a escravidão e prega a violência como solução de conflitos, deveria ser motivo de revolta, indignação e repúdio, mas a realidade é que o discurso “neomessiânico” (com o perdão pelo neologismo) é retrato esculpido em carrara dos seus seguidores, que, como ovelhas, seguem-no e popularizam a figura do cidadão de bem. O cidadão religioso, moral, íntegro, mas que desconhece empatia, rechaça o conceito de direitos humanos, desconsidera opiniões técnicas e despreza pressupostos fáticos e científicos na construção dos seus argumentos.

João Dória, por exemplo, se elegeu exaltando a figura do “gestor”, alegando ser desvinculado das pressões do sistema político e já sendo um bom executor do modelo proposto por ele, na condição de empresário de sucesso. Todavia, foi eleito pelo PSDB, um dos partidos tradicionais, e sequer concluiu seu mandato na prefeitura, pois se lançou a governador para as eleições de 2018, mesmo tendo prometido, durante a sua campanha, não abandonar a prefeitura da cidade antes do término do seu mandato [[1]].

Na mesma linha, de antítese da própria tese, vem Bolsonaro, que execra a figura do político tradicional, mas faz parte do poder legislativo há mais de 26 anos e que promove os seus filhos, que são também detentores de mandatos eletivos, mas todos com atuações extremamente apagadas e que pouco fizeram pelo estado onde foram eleitos.

O Messias do cidadão de bem se promove com o discurso antipolítico, ignorando que fez e faz parte dessa classe, representando e se aliando com os piores caciques da política tradicional, pregando o liberalismo econômico (mas usufruindo de dinheiro público), pregando fim dos privilégios (mas excluindo os militares – classe que, para o Messias, deve manter todos os privilégios e acumular mais alguns, se possível), clamando pela moralidade e respeito à família (mas respondendo a ação penal pelo crime de racismo e proferindo incessantemente declarações misóginas e homofóbicas).

+[ASSINANDO O +MAIS JUSTIFICANDO VOCÊ TEM ACESSO À PANDORA E APOIA O JORNALISMO CRÍTICO E PROGRESSISTA]+

E, despidos de senso crítico, os cidadãos de bem abraçam e reproduzem esses discursos contraditórios, pois encontram neles alento à sua indignação e a representação de valores arcaicos que tanto prezam, deliberadamente fechando os olhos para o fato de que nos mais de 20 anos de atividade legislativa, o Messias (Bolsonaro) pouco ou nada fez de relevante pela segurança pública do estado onde foi eleito; não tem qualquer projeto aprovado, comissão presidida ou atividade com vista a combater, erradicar ou atenuar o caos instalado no Estado e apresentação de políticas públicas coerentes que pudessem melhorar de alguma forma a instabilidade que há muito é vivenciada pelos cidadãos.

Em verdade, ainda no “Roda Viva”, Bolsonaro, sem nenhum pejo, asseverou que tinha uma solução bem simples para resolver o problema de (in) segurança pública: bastava que lhe dessem a “excludente de ilicitude” (sic) para subir os morros e exterminar os indesejados, o “inimigo”. Trocando em miúdos: o presidenciável deseja carta branca para executar sumariamente a quem for considerado transgressor da ordem pública.

O presidenciável ignora solenemente que no estado onde atua (ou deveria atuar), a quinta vereadora mais votada nas eleições municipais de 2016, que presidia uma Comissão Parlamentar de Inquérito e investigava a atuação de policiais militares, foi executada e até hoje sequer temos indícios concretos de autoria desse crime bárbaro [[2]]; parece não se incomodar também, com o resultado desastroso das incursões militares nas comunidades do Rio de Janeiro, onde em uma delas, por exemplo, morreu o garoto Marcos Vinicius [[3]]. E, a despeito de tudo isso, ainda prega o recrudescimento das operações policiais como “simples” solução para o complexo problema que assola o Brasil.

Incompetente, ignorante, com raízes fascistas, exalando um apelo de meritocracia à brasileira (impregnada de nepotismo, indicações, proteção de classe e manutenção de privilégios). É esse o retrato dos cidadãos de bem que hoje seguem a esse Messias. Aqueles que compartilham dos ideais do “Doutor Bumbum” [[4]], de Alexandre Frota [[5]], dos meninos do MBL [[6]] e de tantas outras figuras infames, que arrotam moralidade, mas que já foram atores pornográficos e/ou ostentam investigações criminais em seu desfavor; pregam liberalismo, mas ao menor sinal de revés, esperneiam pedindo intervenção estatal; pregam o apartidarismo e a antipolítica, mas sem nenhum pudor pleiteiam cargos eletivos em coligação com o sistema político putrefato, não tomando nenhuma atitude para mudar o status quo.

Messias, substantivo próprio transliterado do aramaico, significa “ungido”. Na Bíblia, o Messias era o salvador prometido por Deus, que viria para mudar o mundo. O cidadão de bem, hoje desiludido, busca sustentáculo na figura de um Messias, mas se faz imprescindível ter a consciência de que um homem sozinho não será capaz de trazer a salvação para a política brasileira, logo, na política, não existirá um Messias e tampouco este Messias que ora se apresenta (Bolsonaro) é a solução para os nossos problemas. Muito pelo contrário!

Assim sendo, a primeira mudança deve vir de nós mesmos, fiscalizando, criticando, propondo alternativas, fazendo nossa parte e deixando de lado as ideias retrógradas, autoritárias e ineficazes, além dos discursos de ódio, passando a analisar criticamente as propostas apresentadas com bom senso e respeito ao sistema democrático, para que tenhamos esperança de um futuro melhor.

Marcos Luiz Alves de Melo é advogado criminalista e professor em Penal e Processo Penal na Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador/BA

[1] https://www.revistaforum.com.br/doria-descumpre-promessa-registra-pre-candidatura-governo-sp/

[2] https://www.cartacapital.com.br/sociedade/vereadora-do-psol-marielle-francoemortaatiros-no-rio

[3] http://justificando.cartacapital.com.br/2018/06/22/morte-de-adolescente-na-mare-marca-os-100-dias-sem-marielle/

[4] https://theintercept.com/2018/07/25/doutor-bumbum-denis-furtado/

[5] http://ultimosegundo.ig.com.br/política/2018-03-28/alexandre-frota.html

[6] https://www.cartacapital.com.br/sociedade/contraditorioo201cliberal201d-mbl-clama-por-intervencao-no-facebook

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