Pedro Afonso Anschau: o presidente que lançou a Pedra Fundamental das obras do novo prédio da AL
Afastado da vida pública desde 1975, o ex-deputado Pedro Afonso Anschau (PRP) tem ainda vivo na memória momentos marcantes dos quatro mandatos na Assembléia Legislativa. Como naquela época não existia o cargo de vice-governador, ocupou oito vezes a cadeira de Leonel Brizola no Palácio Piratini. Mas admite: “a vida no Legislativo era mais fácil”. Eleito para o primeiro mandato em 1955, o ex-deputado ficou na AL até 1963. Aventurou-se pela Câmara Federal durante quatro anos e retornou à Assembléia em 1967, onde ficou mais oito anos.
Em 1960, Anschau assumiu a presidência do Parlamento e ousou. Desengavetou o projeto de construção do Palácio Farroupilha e lançou a Pedra Fundamental de início das obras. Com simpatia, ele lembra: “a antiga sede estava caindo de podre, cheia de cupim”, e orgulha-se de volta e meia visitar a Casa, ocupar uma das 55 poltronas do plenário e reviver momentos em que obteve apoio de todos os partidos e dos governos estadual e municipal para erguer o prédio.
Aos 83 anos, Pedro Afonso Anschau vive sozinho em Nova Petrópolis e recorda agora, na série Memória do Parlamento, o que era ser deputado há 50 anos e como eram os trabalhos no Casarão da Duque.
Agência de Notícias – O senhor presidiu a Assembléia Legislativa em 1960 e, durante este período assumiu a cadeira de governador algumas vezes. Como foi sua experiência no Executivo?
Pedro Anfonso Anschau – Naquela época não existia o cargo de vice-governador. Então sempre que o governador Leonel Brizola precisava se afastar, era o chefe do Poder Legislativo que assumia a função. Mas preciso confessar que a atividade parlamentar era mais tranqüila, e nunca cobicei me tornar chefe do Executivo.
Agência de Notícias – E como presidente da Assembléia? Como foi sua eleição?
Pedro Anfonso Anschau – Ganhei a eleição do falecido deputado Hélio Carlomagno, da Frente Democrática, por apenas um voto: fiz 28 votos e ele 27. E o que mais me orgulhou no mandato de presidente foi lançar a Pedra Fundamental do Palácio Farroupilha, a sede atual da Assembléia gaúcha, um projeto que estava engavetado havia anos.
Agência de Notícias – O senhor enfrentou alguma resistência para tocar o projeto de construção da nova Assembléia?
Pedro Anfonso Anschau – Nenhuma. Recebi o apoio e o aplauso de todos os partidos e até do governo do Estado. Precisávamos, minha filha, a antiga sede estava caindo de podre, cheia de cupim. Num primeiro momento, alugamos parte da casa de Adroaldo Mesquita da Costa, para reformar o Casarão da Duque e deixá-lo em condições de funcionamento, mesmo que ainda precário. Então tudo isso foi motivo suficiente para que se desse, definitivamente, início às obras da nova Assembléia Legislativa. Criei uma comissão de deputados e servidores para acompanhar o processo e fizemos um convênio com o então prefeito de Porto Alegre, Thompson Flores, para que ele nos doasse a área onde está instalado o Legislativo.
Por contrapartida, o governo do Estado doou ao município o terreno para construção do Auditório Araújo Viana, no Bairro Bom Fim. A partir disso, lancei a Pedra Fundamental e abri um concurso de projeto arquitetônico do prédio, em que venceu uma empresa de São Paulo. Nesse meio tempo (das obras), ocupava uma cadeira na Câmara Federal e quando, mais tarde, concorri novamente a deputado estadual e me reelegi, ainda atuei no antigo prédio, mas quem inaugurou o novo foi o presidente Carlos Santos, muito gente boa. Outro dia ainda me lembrei dele com a eleição do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
Agência de Notícias – E como era a vida parlamentar há 50 anos?
Pedro Anfonso Anschau – Todas as manhãs os 55 deputados tinham compromisso com uma das comissões da Casa e, à tarde, todas as tardes, com o plenário. Fui membro das comissões Especial de Divisão Territorial, de Finanças e Orçamento, de Economia e Desenvolvimento e de Constituição e Justiça. Também participei da Comissão Especial para apurar Tropelias Policiais em Crissiumal, Humaitá e Três Passos e fui relator da Comissão Especial que estudou a situação financeira dos municípios gaúchos com o novo sistema tributário e vice-presidente da Comissão Especial instituída para averiguar a crise econômico-financeira da pecuária e agricultura do Rio Grande do Sul, da CPI que investigou as prisões arbitrárias e espancamentos pela autoridade no município de Alecrim e da Comissão Especial para estudo das comemorações do sesquicentenário da colonização alemã e centenário da italiana. Todos os deputados compareciam às reuniões das comissões com a responsabilidade de contribuir para o desenvolvimento do Estado.
Agência de Notícias – O senhor lembra do salário do deputado naquela época?
Pedro Anfonso Anschau – Sim. Tínhamos dois tipos de remuneração: a fixa e a variável. O salário fixo era de 4,8 mil cruzeiros, de quem estava no exercício do mandato, e quem não faltava nenhuma reunião ou sessão recebia mais 4,8 mil cruzeiros. Então a nossa remuneração podia chegar a 9,6 mil cruzeiros. E nas férias, os deputados recebiam apenas o salário fixo.
Agência de Notícias – E como era as relações entre os parlamentares? Havia muito embate político?
Pedro Anfonso Anschau – Havia, sim, dois grupos. A Frente Democrática, composta pelo PSD, PL e UDN, contra o PTB que tinha como líder maior Leonel Brizola, mais tarde eleito governador do Rio Grande do Sul. Eu e mais três deputados representávamos o PRP na Assembléia e vivíamos no meio do fogo cruzado, pois essas duas forças nos ‘namoravam’ muito para adquirir maioria. E decidimos, então, apoiar Brizola. Se dependesse somente do PTB, ele não se elegeria em 1958, e o apoio do meu partido fez com que ele vencesse o candidato da chamada Frente Democrática.
Agência de Notícias – Como era a relação do Legislativo gaúcho com o governo Brizola?
Pedro Anfonso Anschau – Excelente. Leonel Brizola poderia ter todos os defeitos, como qualquer ser humano, mas ele era um gentleman e sempre tratou a Assembléia e os deputados com muito respeito. Tudo tinha um limite. Os gastos com a Casa eram reduzidos, não se esbanjava dinheiro, mas o relacionamento de Brizola com os 55 parlamentares era dos melhores.
Agência de Notícias – Havia muitas críticas ou discussões com o projeto que o ex-governador encaminhava para a Assembléia Legislativa?
Pedro Anfonso Anschau – Por via de regra, não. Os projetos que o governador Brizola enviava à Assembléia todos sabiam de cor, de tanto que ele falava de suas propostas num programa na Rádio Farroupilha, às sextas-feiras. Então quando chegavam à Casa, já conhecíamos o conteúdo e todos eram aprovados porque ele tinha maioria.
Agência de Notícias – Mas nenhum projeto gerou polêmica no plenário?
Pedro Anfonso Anschau – Que eu me lembre, um só: um projeto que criava a taxa de transportes. O recurso arrecadado com este imposto seria usado para financiar obras e manutenção de rodovias. A polêmica estava centrada em mais um imposto para a população pagar, mas apresentamos uma emenda destinando parte do valor às prefeituras, para que pudessem investir nas estradas de seus municípios. O projeto foi aprovado não com vaias, mas com aplausos, porque os recursos seriam gastos com a compra de máquinas e obras de manutenção que jamais poderiam ser viabilizadas pelo Daer. Infelizmente, a taxa caducou e as prefeituras perderam essa verbinha para comprar máquinas.
Agência de Notícias – E que projetos o senhor apresentou como deputado?
Pedro Anfonso Anschau – Aquela era outra época. Tempo em que os projetos importantes vinham do Executivo. Os deputados não tinham a pretensão de se tornar autores de projetos e leis; queriam apenas participar do desenvolvimento do Estado com muito discurso na tribuna, mas que não tinham muito efeito, como é atualmente, com mais cobertura dos meios de comunicação e mais assessoria parlamentar.
Agência de Notícias – O número de assessores de deputado era reduzido no seu tempo?
Pedro Anfonso Anschau – Cada bancada com seis deputados tinha direito a um assessor, cargo de confiança, e acima disso tinha direito a mais um. Até porque não havia espaço para acomodar tanto funcionário, nem garagem tinha. Quando assumi a presidência da Assembléia, tinham 384 funcionários, entre CCs e concursados. E quando terminei meu mandato, entreguei com o mesmo número. E tem mais, a maioria dos deputados não tinha carro; eles iam trabalhar de bonde.
Agência de Notícias – Por que o senhor se afastou da vida pública?
Pedro Anfonso Anschau – Para abrir espaço para tanta gente boa que estava entrando na política, na fila esperando uma vaga. Os antigos políticos sempre se reelegiam e os novos nunca tinham chance numa mesma região.
Agência de Notícias – Para encerrar, uma curiosidade: como eram os roteiros de deputado pelo Estado na sua época, pegar uma estrada?
Pedro Anfonso Anschau – Se pegava a mala, ia para a estrada, passava uma semana fora e não recebia os jetons. Sobrava uma coisinha no fim do mês. Era um lamaçal só. E quando não chovia, tinha muita poeira. A ferramenta mais útil de um automóvel naquela época era um jogo de correntes que colocávamos nas rodas para enfrentar o barro e não atolar. Mas a minha maior alegria foi ter deixado minha história no Parlamento e ter uma fotografia na Galeria dos Ex-presidentes.