Plebiscito do Reino Unido renova esperanças de grupos separatistas no Brasil
Organizações em São Paulo, no Nordeste e no Rio Grande do Sul se inspiram no 'Brexit' para lançar 'Sampadeus' e 'Nordexit'.
A população do Reino Unido (formado pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) decidiu na última quinta-feira (23) deixar o bloco da União Europeia. Após o resultado do plebiscito histórico, frentes separatistas ganharam força na própria Escócia, na Catalunha e até mesmo no Brasil.
Apesar de menos organizados e com apelo muito aquém dos movimentos escoceses e catalães, grupos brasileiros já começaram a lançar campanhas inspiradas no Brexit – expressão surgida da união das palavras "britain" (Grã-Bretanha) e "exit" (saída) –, como o "Sampadeus" e o "Nordexit".
A primeira campanha é encabeçada pelo Movimento São Paulo Livre, organização surgida em 2014 que defende a independência paulista. O grupo, que conta com o apoio de cerca de 10 mil pessoas segundo os organizadores, planeja realizar um plebiscito consultivo em diversas cidades do Estado em outubro para apresentar a proposta e buscar apoio para o "Sampadeus".
"A consulta deve servir de termômetro para vermos qual a porcentagem da população paulista que quer efetivamente a independência", afirma o presidente do Movimento São Paulo Livre, o microempresário Flavio Rebello.
Rebello enxerga semelhanças entre a consulta popular realizada na Grã-Bretanha e o que poderia ocorrer em São Paulo caso a proposta de seu grupo ganhe maior apoio.
"Houve uma discussão no Reino Unido que terminou com a vitória de um poder local sobre um poder maior, regional. A Inglaterra se sentiu tolida de tomar decisões econômicas e políticas, e isso gerou esse sentimento. Acho que é um paralelo que pode ser feito com a atual situação de São Paulo."
A proposta de transformar o Estado de São Paulo em um território independente se baseia nas ideias de que o território paulista teve uma "história colonial" e de desenvolvimento econômico diferente do restante do Brasil. Segundo Rebello, São Paulo também é "injustiçado" na condição de unidade federativa pois arrecada muitos impostos para o governo federal e recebe poucos investimentos em troca.
"Não temos nada contra o Brasil. Quando houver a independência, eles serão nossos irmãos do norte" , afirma o presidente da organização. "São Paulo tem um litoral grande, um porto moderno e um parque industrial diversificado. O destino econômico de São Paulo seria virar uma Coreia do Sul", projeta.
Sul e Nordeste
Um dos primeiros e mais barulhentos movimentos separatistas do Brasil (no período pós-Constituição de 1988) surgiu no Rio Grande do Sul, em 1990. O Movimento Pela Independência do Pampa, que reclama a existência da República Rio-Grandense, chegou a elaborar um abaixo-assinado com cerca de um milhão de assinaturas em 1993 – conforme informa a própria organização em seu site. O documento visava convocar um plebiscito para decidir sobre a independência gaúcha, mas o grupo entrou na mira da Justiça brasileira e o abaixo-assinado não vingou.
Na outra extremidade do mapa brasileiro, o Movimento Nordeste Livre hasteia a bandeira de construir a "autodeterminação do povo nordestino", o que estaria garantido pela Constituição brasileira na leitura feita pelos integrantes da organização. O grupo defende a convocação de um referendo plebiscitário "para uma nova divisão administrativa, política e territorial para a região Nordeste".
Logo após a divulgação do resultado do plebiscito britânico, alguns internautas passaram a ventilar a ideia do "Nordexit" na página do Movimento Nordeste Livre no Facebook, que conta com mais de 3 mil fãs.
Apesar de esses grupos alegarem que suas iniciativas são legais, o advogado especializado em direito constitucional Bruno Guilherme Fonseca, autor do artigo "O Direito Internacional e os Movimentos Separatistas", garante que ações que visam desmembrar o País são "totalmente ilegítimas".
"A Constituição brasileira possui algumas cláusulas pétreas, entre elas a que versa sobre a própria divisão federativa dos Estados e que prega o princípio maior da unidade nacional. Existe uma corrente de equiparar o Brasil a outros panoramas (como o do Reino Unido), mas o Brasil é um país muito sui generis nesse sentido", explica Fonseca.
A despeito da opinião do advogado, o presidente do Movimento São Paulo Livre prega o discurso de que o avanço da proposta seria bom para paulistas e brasileiros (com o perdão da distinção).
"Nós temos fé no Brasil. A saída de São Paulo, a curtíssimo prazo, não seria boa. Mas a médio e longo prazo, vai fazer maravilhas porque o Brasil vai ter que se profissionalizar em gerir o próprio dinheiro. E uma São Paulo forte e exportando bastante vai ter dinheiro suficiente para investir no Brasil, como a Alemanha fez ao investir em outros países na Europa", diz Rebello.
Reportagem Original - Por Nicolas Iory - iG São Paulo | 29/06/2016 06:00